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HERMENEUTICA

HERMENEUTICA
2010

A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Antes de tratarmos da interpretação do Direito, faz se necessária uma prévia consideração sobre o sentido e a extensão do termo “hermenêutica jurídica”.

1)HERMENÊUTICA JURÍDICA

1.1 A palavra “hermenêutica” é de origem grega, significando interpretação; segundo alguns, a sua origem é o nome do deus da mitologia grega HERMES, a quem era atribuído o dom de interpretar a vontade divina.

Hermenêutica, pois, no seu sentido mais geral, é a interpretação do sentido das palavras.

1.2 Quanto à “hermenêutica jurídica”, o termo é usado com diferente extensão pelos autores. Com freqüência, é usado como sinônimo de interpretação da norma jurídica. MIGUEL REALE, por exemplo, fala em “hermenêutica ou interpretação do Direito”, um suas Lições Preliminares de Direito. CARLOS MAXIMILIANO, por sua vez, distingue “hermenêutica” e “interpretação”; aquela seria a teoria científica da arte de interpretar; esta seria a aplicação da hermenêutica; em suma, a hermenêutica seria teórica e a interpretação seria de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica.

Outros, a quem seguimos, dão ao vocábulo um sentido mais amplo, que abrange a interpretação, a aplicação e a integração do Direito. Destarte, a Hermenêutica jurídica vem a ser a teoria Científica da arte de interpretar, aplicar e integrar o direito.

De fato, há uma íntima correlação entre essas três operações, embora sejam três conceitos distintos. É assim que, se o Direito existe, existe para ser aplicado. Antes, porém, é preciso interpretá lo; só aplica bem o Direito quem o interpreta bem. Por outro lado, como a lei pode apresentar lacunas, é necessário preencher tais vazios, a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem se encontra ao desamparo de lei expressa. Esse processo de preenchimento das lacunas legais chama se integração do Direito.

No momento, nossa atenção se volta para a interpretação da norma jurídica.

2. CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO

2.1 “Interpretar” é fixar o verdadeiro sentido e o alcance, de uma norma jurídica.

Ou: “é apreender ou compreender os sentidos implícitos das normas jurídicas” (LUIS EDUARDO NIERTA ARTETA); “é indagar a vontade atual da norma e determinar seu campo de incidência” (JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF); “interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras”(CLÓVIS BEVILAQUA).

2.2 Como todo objeto cultural, o direito encerra significados; interpretá lo representa revelar o seu conteúdo e alcance. Temos, assim, três elementos que integram o conceito de interpretação:

a) Revelar o seu sentido: isso não significa somente conhecer o significado das palavras, mas, sobretudo descobrir a finalidade da norma jurídica.

Com outras palavras, interpretar é “compreender”; as normas jurídicas são parte do universo cultural e a cultura, como vimos, não se explica, se compreende em função do sentido que os objetos culturais encerram. E compreender é justamente conhecer o sentido, entender os fenômenos em razão dos fins para os quais foram produzidos.

De grande significado é o pensamento de CELSO: “saber as leis não é conhecer lhes as palavras, mas sim, conhecer a sua força e o seu poder” (“scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem” D.L. XXVI). Portanto, é sempre necessário ir além da superfície das palavras, a fim de conhecer a força e o poder que delas dimanam. Por exemplo, a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado de proteger e de beneficiar sua saúde física e mental.

b) Fixar o seu alcance: significa delimitar o seu campo de incidência; é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação.

Por exemplo, as normas trabalhistas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se aplicam apenas aos trabalhadores assalariados, isto é, que participam em uma relação de emprego; as normas contidas no Estatuto dos Funcionários Públicos da União têm o seu campo de incidência limitado a estes funcionários.

c) Norma jurídica: falamos em “norma jurídica” como gênero, uma vez que não são apenas as leis, ou normas jurídicas legais que precisam ser interpretadas, embora sejam elas o objeto principal da interpretação. Assim, todas as normas jurídicas podem ser objeto de interpretação: as legais, as jurisdicionais (sentenças judiciais), as costumeiras e os negócios jurídicos.

3. NECESSIDADE DA 1NTERPRETAÇÃ0

3.1 No passado, nem sempre a possibilidade de interpretação foi conferida ao intérprete. 0 Imperador JUSTINIANO determinara que “quem quer que seja que tenha a ousadia de aditar algum comentário a esta nossa coleção de leis… seja cientificado de que não só pelas leis seja considerado réu futuro de crime de falso, como também de que o que tenha escrito se apreenda e de todos os modos se destrua” (De confirmatione digestorum, in Corpus Juris Civilis, par. 21).

Hoje, a possibilidade, e ainda mais, a necessidade de interpretação das normas jurídicas, precisam ser reconhecidas, mesmo em relação às normas tidas por claras.

3.2 “In claris cessat interpretatio”. Alguns, é verdade, pretendem não haver necessidade de interpretação quando a norma é “clara”. É o que diz o brocardo latino: “in claris cessat interpretatio” (dispensa se a interpretação quanto o texto é claro), que, apesar de sua veste latina, não é de origem romana. Os Romanos, com a sua visão profunda em matéria jurídica, não desconheciam a permanente necessidade dos trabalhos exegéticos, ainda que simples fossem os textos legislativos; haja vista a afirmação de ULPIANO: “quamvis sit manifestissimum edictum praetoris, attamen non est negligenda interpretatio eius” (embora claríssimo o edito do pretor, contudo não se deve descurar da sua interpretação Digesto, liv. 25, tit. 4, frag. 1. § 11).

Na verdade, não é exato dizer que o trabalho do intérprete apenas é necessário quando as leis são obscuras. A interpretação sempre é necessária, sejam obscuras ou claras as palavras da lei ou de qualquer outra norma jurídica; e isso por três razões:

1º) o conceito de clareza é muito relativo e subjetivo, ou seja, o que parece claro a alguém pode ser obscuro para outrem’

2º) urna palavra pode ser clara segundo a linguagem comum e ter, entretanto, um significado próprio e técnico, diferente do seu sentido vulgar (p. ex., a “competência” do juiz);

3º) a consagração legislativa dos princípios contidos no art. 5º da LICC significa uma repulsa ao referido brocardo, já que toda e qualquer aplicação das leis deverá conformar se aos seus “fins sociais e às exigências do bem comum”; ora, se em todas as leis o intérprete não poderá deixar de considerar seus fins sociais e as exigências do bem comum, todas as leis necessitam de interpretação visando à descoberta dos mesmos.

É claro que há situações normativas que exigem maior ou menor esforço do intérprete para descobrir seu sentido e alcance; mas sempre deve haver aquele trabalho interpretativo.

4. ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

A interpretação pode ser classificada segundo diversos critérios: quanto à sua origem, sua natureza e seus resultados.

4.1 Quanto à origem ou fonte de que emana, a interpretação pode ser:

a) Autêntica: quando emana do próprio poder que fez o ato cujo sentido e alcance ela declara.

Há certos textos legais que, pela confusão que provocam no mundo jurídico, levam o próprio legislador a determinar melhor o seu conteúdo. Assim, p. ex., a Lei nº 5334/67 interpretou dispositivos da Lei nº 4484/64, no seu artigo 1º

Dissemos que a interpretação autêntica emana do próprio poder que fez o ato cujo sentido e alcance ela declara; assim, p. ex., o Regulamento pode esclarecer o sentido da lei e completá lo; mas não tem o valor de interpretação autêntica a oferecida por aquele, ou por qualquer outro ato ministerial como uma portaria, uma vez que não decorrem do mesmo poder.

MIGUEL REALE tem que a interpretação autêntica é somente aquela que se opera através de outra lei; e quando uma lei é emanada para interpretar outra lei, a interpretação não retroage: disciplina a matéria tal como nela foi esclarecido, tão somente a partir de sua vigência.

b) judicial: é a resultante das decisões prolatadas pela Justiça; vem a ser aquela que realizam os juízes ao sentenciar, encontrando se nas Sentenças, nos Acórdãos e Súmulas dos Tribunais (formando a sua jurisprudência).

c) Administrativa: aquela cuja fonte elaboradora é a própria Administração Pública, através de seus órgãos e mediante pareceres, despachos, decisões, circulares, portarias etc.

Tal interpretação vincula as autoridades administrativas que estiverem no âmbito das regras interpretadas, mas não impede que os particulares adotem interpretações diversas.

d) Doutrinária: vem a ser a realizada cientificamente pelos doutrinadores e juristas em suas obras e pareceres. Há livros especializados de Direito, que comentam artigo por artigo de uma lei, código ou consolidação, dando o sentido do texto comentado, com base em critérios científicos.

4.2 – “Quanto à sua natureza”, a interpretação pode ser:

a) Literal ou gramatical: toma como ponto de partida o exame do significado e alcance de cada uma das palavras da norma jurídica; ela se baseia na letra da norma jurídica.

b) Lógico sistemática: busca descobrir o sentido e alcance da norma, situando a no conjunto do sistema jurídico; busca compreendê la como parte integrante de um todo, em conexão com as demais normas jurídicas que com ela se articulam logicamente.

c) Histórica: indaga das condições de meio e momento da elaboração da norma jurídica, bem como das causas pretéritas da solução dada pelo legislador (“origo legis” e “occasio legis”).

d) Teleológica: busca o fim que a norma jurídica tenciona servir ou tutelar.

4.3 Quanto a seus efeitos ou resultados, a interpretação pode ser:

a) Extensiva: quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do que indicam os seus termos. Nesse caso, diz se que o legislador escreveu menos do que queria dizer (”minus scripsit quam voluit”), e o intérprete, alargando o campo de incidência da norma, aplica la á a determinadas situações não previstas expressamente em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídas.

Às vezes, o legislador, ao exprimir seu pensamento, pode formular para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria ou usar um elemento que designa espécie, quando queria aludir ao gênero.

Por exemplo, a lei diz “filho”, quando na realidade queria dizer “descendente”. Ou ainda, a Lei do Inquilinato dispõe que: “o proprietário tem direito de pedir o prédio para seu uso”; a interpretação que conclui por incluir o “usufrutuário” entre os que podem pedir o prédio para uso próprio, por entender que a intenção da lei é a de abranger também aquele que tem sobre o prédio um direito real de usufruto, é uma interpretação extensiva.

b) Restritiva: quando o intérprete restringe o sentido da norma ou limita sua incidência, concluindo que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia dizer (“plus scripsit quam voluit”), e assim o intérprete elimina a amplitude das palavras.

Por exemplo, a lei diz “descendente”, quando na realidade queria dizer “filho”. A mesma norma da Lei do Inquilinato, acima mencionada, serve também para modelo de uma interpretação restritiva, no caso do “nu proprietário”, isto é, daquele que tem apenas a nua propriedade, mas não o direito de uso e gozo do prédio; este não poderia pedir o mesmo para seu uso.

c) Declarativa ou Especificadora: quando se limita a declarar ou especificar o pensamento expresso na norma jurídica, sem ter necessidade de estendê la a casos não previstos ou restringi Ia mediante a exclusão de casos inadmissíveis. Nela o intérprete chega à constatação de que as palavras expressam, com medida exata, o espírito da lei, cabendo lhe apenas constatar esta coincidência.

A interpretação declarativa corresponde à interpretação também denominada de “estrita”; nela, as normas “aplicam se no sentido exato, não se dilatam, nem restringem os seus termos” segundo CARLOS MAXIMILIANO. A exegese aqui é “estrita, porém não restritiva; deve dar precisamente o que o texto exprime, porém tudo o que no mesmo se compreende; nada de mais, nem de menos” (idem).

A interpretação estrita há de ser aplicada, por exemplo, quando se trata de leis que impõem penalidades, que cominam multas etc. 0 Código de Direito Canônico, exempli gratia, estabelece no seu cânone 18: “As leis que estabelecem pena ou limitam o livre exercício dos direitos ou contêm exceção à lei, devem ser interpretadas estritamente”.

Finalizando, eis como ALÍPIO SILVEIRA sintetiza a matéria: “É declarativa quando a letra se harmoniza com o significado obtido pelos outros métodos. É extensiva, se o significado obtido pelos outros métodos é mais amplo do que o literal; a final, é restritiva, quando o significado literal é mais amplo do que aquele obtido pelos outros métodos”.

QUESTIONÁRIO

1.Que significa hermenêutica?
2.Em que acepções é usado o termo “hermenêutica jurídica”?
3.0 que é hermenêutica jurídica, em sentido amplo?
4.Qual a correlação existente entre a interpretação, a aplicação e a integração do Direito?
5.Em que consiste a tarefa da interpretação jurídica?
6.0 que significa revelar o sentido da norma jurídica?
7.0 que significa fixar o alcance da norma jurídica?
8.Apenas as leis devem ser interpretadas?
9.É exato dizer que a interpretação não é necessária quando a norma é
clara segundo o brocardo “in claris cessat interpretatio”?
10. Como se classifica a interpretação, quanto à sua origem?
11. 0 que é interpretação autêntica?
12. Quando um Regulamento esclarece o sentido de uma lei, tem o valor de interpretação autêntica?
13. 0 que é interpretação judicial?
14. 0 que é interpretação administrativa?
15. 0 que é interpretação doutrinária?
16. Como se classifica a interpretação, quanto à sua natureza?
17. 0 que é interpretação literal?
18. 0 que é interpretação lógico sistemática?
19. 0 que é interpretação histórica?
20. 0 que é interpretação teleológica?
21. Como se classifica a interpretação, quanto aos seus efeitos?
22. 0 que é interpretação extensiva? Exemplifique.
23. 0 que é interpretação restritiva? Exemplifique.
24. 0 que é interpretação declarativa ou especificadora?

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