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quarta-feira, novembro 6, 2024

Histórico sobre a identidade das Células

Introdução

Do final do século XIX até a primeira metade do século XX acreditava-se que o cérebro de mamíferos adultos permanecia constante estruturalmente (Gross CG 2000). A descoberta de que existem células com capacidade de auto-renovação e geração de tipos celulares maduros no sistema nervoso central de mamíferos adultos veio não só a derrubar este dogma, mas também contribuiu para que tais células se tornassem o tema de muitas discussões. Embora diversos estudos tenham se dedicado a desvendar a identidade das células tronco neurais, muitas perguntas ainda precisam ser respondidas.
A parede do sistema ventricular e o giro dentado do hipocampo são regiões reconhecidas como neurogênicas no SNC de mamíferos adultos. Na parede dos ventrículos laterais (VLs) reside uma população de células em divisão, a zona subventricular (SVZ). Uma camada de células epiteliais, ou camada ependimária, separa a SVZ dos VLs. Neste trabalho discutiremos dois pontos de vista sobre os tipos celulares candidatos ao termo “célula tronco” nestas regiões, sobretudo na SVZ que tem sido foco de muitos pesquisadores. O primeiro deles, apoiado pelo grupo do pesquisador Jonas Frisén, é que as células ependimárias são os progenitores neurais primários (Johansson et Al., 1999); o segundo, representado por Arturo Alvarez-Buylla, defende que tais células são astrócitos residentes na zona subventricular (Doetsch et Al., 1999).

Células ependimárias como CTs

A suspeita de que as células ependimárias são capazes de gerar novos neurônios em mamíferos adultos é antiga (Altman J., 1962 apud Laywell E.D. 2000). Esta possibilidade se baseia em parte pela observação de que tais células expressam de altos níveis de nestina, uma proteína característica de células tronco e progenitores neurais. Em 1999, pela utilização de técnicas em que apenas as células ependimárias são marcadas (injeção intraventricular de DiI ou adenovírus expressando lacZ), foi observada a formação de neurosferas capazes de gerar neurônios, astrócitos e oligodendrócitos. Sugeriu-se então que muitas ou todas as células ependimárias são CTs que alternam períodos de atividade e quiescência dando origem a populações de células progenitoras na SVZ (Johansson et Al., 1999). O grupo propõe um modelo em que células ependimárias sofrem divisão assimétrica, isto é, uma das células-filhas permanece na zona ventricular enquanto a outra migra para a SVZ proliferando rapidamente e gerando um grande número de progenitores destinados ao bulbo olfatório. No trabalho mencionado o hipocampo não foi investigado, mas os autores lembram que neste local também existem células ependimárias.

Astrócitos como CTs

Cinco meses após a publicação de Frisén, Buylla afirmou serem astrócitos (e não células ependimárias) as células tronco neurais. O grupo mostrou que estas células são capazes formar neurosferas e dar origem a neuroblastos capazes de migrar para o bulbo olfatório, onde se diferenciam em células granulares e periglomerulares (Doetsch et Al., 1999). A credibilidade dos resultados apresentados por este grupo se deve em grande parte à diversidade de recursos. Eles utilizam desde a injeção de retrovírus até a construção de camundongos transgênicos, além da microscopia eletrônica que permite a análise detalhada da estrutura celular. 
A possibilidade de que as células ependimárias sejam células tronco é descartada pelo grupo do Buylla, já que as mesmas não geram neurosferas quando se utilizam marcadores diferentes de DiI e, além disso, nenhuma delas incorpora marcadores mitóticos em seus experimentos. O modelo proposto defende que os astrócitos dão origem aos neuroblastos através de um tipo celular intermediário que se divide rapidamente (Doetsch et Al., 1999). Em trabalhos posteriores, Buylla demonstrou ainda que também os astrócitos na camada subgranular (SGL) são precursores primários dos novos neurônios granulares no do giro dentado adulto (Seri B., 2001 e Buylla, 2002). Em 2004, ao investigar a SVZ humana, o grupo defendeu a mesma visão. Embora a neurogênese humana tenha demonstrado peculiaridades, como a ausência de cadeias de neuroblastos migrando em direção ao OB, também os astrócitos humanos são capazes de gerar neurosferas multipotentes in vitro (Sanai, 2004). No mesmo ano, eles publicaram um artigo sobre a origem dos astrócitos da SVZ que manteriam a neurogênese no cérebro de mamíferos adultos: a glia radial neonatal (Merkle, 2004).

Discussão

A hipótese de que as células ependimárias se comportariam como células tronco, condizendo com o padrão celular de expressão de Notch 1 observado (aumentada na parte voltada para o lumen) e a tendência de clivagem em plano paralelo ao lúmen é muito bem estruturada. De fato, se pensarmos que durante a embriogênese as CTs neurais na zona ventricular delimitam o tubo neural, correspondendo à localização das células ependimárias no animal adulto, é razoável admitir que este padrão se mantenha ao longo da vida. Além disso, como os próprios autores argumentam, é possível isolar CTs de todas as regiões do SNC contendo extensões do sistema ventricular, incluindo a medula espinal, que não contém SVZ (Johansson et Al., 1999). Apesar disso, muitos dos trabalhos publicados por outros grupos concordam que células da SVZ sejam as células primordiais da neurogênese no cérebro de mamíferos adultos, o que dá maior consistência a tal hipótese, como pode ser observado abaixo:
• Chiasson, B.J. et Al., 1999) contesta a metodologia utilizada por Frisén e afirma que, diferente do observado na SVZ, as células ependimárias não possuem capacidade de auto-renovação (pois não são capazes de formar neurosferas secundárias) nem formam neurônios. 
• Laywell, E.D. (2000), mostra que os astrócitos de diversas regiões do cérebro formam neurosferas multipotentes e que no adulto, esta capacidade é retida apenas por astrócitos da SVZ. Segundo o pesquisador, as células ependimárias são capazes de gerar somente glia. 
• Imura, T. (2003) apóia a hipótese de Buylla ao afirmar que a população de células tronco na SVZ expressa GFAP. Ele sugere, com base em seus dados, que as células adquirem a expressão de GFAP gradualmente durante o desenvolvimento.
• Garcia, A.D.R. (2004) mostra que a ablação de astrócitos na SVZ e na SGL de camundongos transgênicos adultos impede a formação de neuroblastos no OB e no giro dentado. 
Finalmente, os mesmos autores que defendem que as células ependimárias sejam “tronco” deixam aberta a possibilidade de que existam outras populações independentes de CTs além da células ependimárias no SNC adulto: “(…) não podemos excluir a possibilidade de existirem populações independentes de CTs na SVZ. De fato, nem todas as células formadas em cultura eram marcadas com DiI” (Johansson et Al., 1999). 
Com base em alguns aspectos da neurogênese na SVZ, poderíamos fazer algumas especulações. Sabe-se que os neuroblastos recém formados na SVZ migram em cadeias, envolvidos por uma espécie de “tubo glial” formado por astrócitos. (Lois C,1996, Peretto P, 1997). Segundo Buylla (1997), os astrócitos poderiam fornecer fatores importantes para a proliferação, migração e sobrevivência das células em migração. Alternativamente, eles funcionariam como uma barreira, prevenindo a migração fora da RMS e/ou isolando células em migração de substâncias no parênquima ao redor. Um fato interessante é que os precursores neuronais continuam se dividindo durante a migração na RMS (Luskin, 1994 e Buylla, 1995) e este processo ocorre justamente nos neuroblastos situados na periferia.. Seria interessante verificar função dos astrócitos envolvendo as cadeias de neuroblastos na RMS de camundongos adultos. 
É bastante inovadora a idéia de que as células gliais tenham outra função, além da tradicional visão de que estas células dão suporte aos neurônios. É também curioso pensar que os astrócitos, células diferenciadas, sejam o tipo celular primordial. Entretanto, a comparação da morfologia dos astrócitos de outras regiões cerebrais, como o córtex, e astrócitos que se comportam como CTs na SVZ indica que estes últimos possuem menor quantidade de ramificações (Laywell E.D. 2000). Muitas outras questões levantadas sobre a identidade das CTs neurais não serão mencionadas neste trabalho. É provável que os esforços no sentido de descobrir o “verdadeiro nome” das células tronco neurais venham a elucidar muitas destas questões favorecendo todos aqueles que, por algum motivo, torcem pelo futuro das terapias celulares.

Referências Bibliográficas

1. Gross CG, (2000) Neurogenesis in the Adult Brain: Death of a Dogma. Nature, Vol. 1, 67-73.
2. Johansson CB, Momma S, Clarke DL, Risling M, Lendahl U, Frisén J (1999) Identification of a Neural Stem Cell in the Adult Mammalian Central Nervous System. Cell, Vol. 96, 25–34.
3. Doetsch F, Caillé, Lim DA, García-Verdugo JM, Alvarez-Buylla A (1999) Subventricular Zone Astrocytes Are Neural Stem Cells in the Adult Mammalian Brain. Cell, Vol. 97, 703–716.
4. Laywell ED, Rakic P, Kukekov VG, Holland EC, Steindler DA (2000) Identification of a multipotent astrocytic stem cell in the immature and adult mouse brain. PNAS 97 (25).
5. Seri B,1 García-Verdugo JM, McEwen BS, Alvarez-Buylla A (2001) Astrocytes Give Rise to New Neurons in the Adult Mammalian Hippocampus J. Neurosci. 21(18):7153–7160.
6. Alvarez-Buylla A, Seri B, Doetsch F, (2002) Identification of neural stem cells in the adult vertebrate brain. Brain Research Bulletin Vol. 57, No. 6, pp. 751–758. 
7. Sanai N, Tramontin AD, Quin˜ ones-Hinojosa1 A, Barbaro NM, Gupta N, Kunwar S, Lawton1 MT, McDermott1 MW, Parsa1 AT, García-Verdugo JM, Berger MS, Alvarez-Buylla A (2004) Unique astrocyte ribbon in adult human brain contains neural stem cells but lacks chain migration. Nature 427 (19).
8. Merkle FT, Tramontin AD, García-Verdugo JM, Alvarez-Buylla A (2004) Radial glia give rise to adult neural stem cells in the subventricular zone. PNAS 101 (50).
9. Chiasson JB, Tropepe V, Morshead CM, Kooy D (1999) Adult Mammalian Forebrain Ependymal and Subependymal Cells Demonstrate Proliferative Potential, but only Subependymal Cells Have Neural Stem Cell Characteristics. J. Neurosci. 19(11):4462–4471.
10. Imura T, Harley I, Sofroniew MV (2003) The Predominant Neural Stem Cell Isolated from Postnatal and Adult Forebrain But Not Early Embryonic Forebrain Expresses GFAP. J. Neurosci.23 (7):2824 –2832.
11. Garcia ADR, Doan NB, Imura T, Bush TG, Sofroniew MV (2004) GFAP-expressing progenitors are the principal source of constitutive neurogenesis in adult mouse forebrain. NatureNeuroscience 7, 1233-1241. 
12. Lois C, Garcia-Verdugo J-M & Alvarez- Buylla A (1996). Chain migration of neuronal precursors. Science, 271: 978-981.
13. Wichterle H, Garcia-Verdugo JM & Alvarez-Buylla A (1997). Direct evidence for homotypic, glia-independent neuronal migration. Neuron, 18: 779-791.
14. Luskin MB, Boone MS (1994) Rate and pattern of migration of lineally-related olfactory bulb interneurons generated postnatally in the subventricular zone of the rat. Chem Senses 19:695-714

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