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terça-feira, novembro 19, 2024

INCONSTITUCIONALIDADE § 3º DO ART.20 DA LBPS

A Inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LBPS (Lei n° 8.742/93)

O presente tema visa a demonstrar que a Lei nº 10.689, de 13 de junho de 2003, alterou o critério objetivo utilizado para a concessão do chamado benefício assistencial, denominado pela Lei nº 8.742/93 de benefício de prestação continuada.

Antes, porém, devemos fazer um breve apanhado da parte legislativa e dos entendimentos jurisprudenciais desde a Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna de 1988, adjetivada como Carta Cidadã, estabelece como um dos princípios fundamentais da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Além disso, fixa como objetivos fundamentais, entre outros, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos (art. 3º, III e IV).

No título que tarta da ordem social, o Constituinte ressaltou que esta tem por objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193).

Na seção que trata da assistência social discipplina o art. 203 que ela “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…) V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Somente em 07 de dezembro de 1993 é que foi promulgada a Lei nº 8.742, denominada Lei Orgânica da Assistência Social. Em seu art 1º, estampa como objetivo “prover os mínimos sociais, para garantir o atendimento às necessidades básicas do cidadão”. No art. 20, disciplina o benefício de prestação continuada, comumente chamado de benefício assistencial, como sendo devido ao idoso com 70 (setenta) anos de idade ou mais (atualmente 65 anos ou mais) e ao portador de deficiência, que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Cumpre-nos transcrever seus parágrafos:

“§ 1º – Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2º – Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º – Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ? (um quarto) do salário mínimo” .

Assim, têm direito ao benefício assistencial: a) a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais; a pessoa portadora de deficiência incapacitada para o trabalho (a incapacidade para a vida independente que o INSS verifica com base nas atividades rotineiras do ser humando, conforme acentuou o STJ, “pelo simples fato de a pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só teria devido os portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador” – (Resp 360.202/AL – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ 01/07/2002); b) renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo – (atualmente – outubro de 2005 – menos de R$ 87,50).

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Inicialmente, atento ao dispositivo elencado no inciso V do art. 7º da Constituição Federal de 1988, que orienta o que deveria refletir a fixação do salário mínimo (“atendimento às necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”), entendeu-se que a concessão do benefício apenas àqueles cuja renda familiar per capita fosse inferior a ¼ do salário mínimo violava a Carta Magna.

” (…) O § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, que determina a concessão do benefício apenas aos que auferem renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, viola a Constituição Federal. A inconstitucionalidade evidencia-se na medida em que o aludido dispositivo legal restringe o comando constitucional (art. 203, V) que, além de ser norma dotada de eficácia plena, lhe é hierarquicamente superior” (…) (TRF 3ª Região – AC 98.03.49009-5/SP – 2ª T. – Relª Sylvia Steiner – DJU 09/12/1988 – p. 247).

No termos da Lei nº 8.742/93, o art. 20, § 3º, é considerado incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Nos dias atuais, portanto, pobre é aquela pessoa que conta com menos de oitenta e sete reais e cinqüenta centavos ao mês para a sua subsistência.

A inconstitucionalidade (ou não) do referido limite foi objeto da ADIn nº 1.232-1, cujo resultado foi publicado no DJ de 01/06/2001. O STF acabou por considerá-lo constitucional. A ementa deixou bem clara a posição do Supremo de que a lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado.

Certamente, este é um valor aquém do mínimo indispensável para que alguém possa simplesmente comer todos os dias, pois lhe caberiam apenas dois reais diários para tanto. Isto sem falar que não poderia ter outros gastos igualmente indispensáveis à dignidade humana: habitação, luz, água, remédios, vestuário et cetera.

Pode-se considerar nestes termos que a Lei nº 8.742/1993 não definiuy um quadro de pobreza, mas descreveu a situação encontrada no mundo fenomênico que pode ser qualificada como de completa miserabilidade, antecedente e conducente à própria morte. É inegável que a pessoa que fica relegada a uma situação desse jaez não possui vida digna; no máximo possui condições de sobreviver.

Assim não é possível interpretar esse texto legislativo como sendo o único a fornecer critérios para a determinação da pobreza, até porque, conforme já demonstrado, a Lei nº 8.742/93 define apenas um quadro objetivo de miserabilidade absoluta. Na verdade, a exegese a ser dada ao texto legislativo não pode ser restritiva, até porque esse não foi o propósito do legislador, nem tampouco essa é a interpretação que chegou ao Excelso Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a constitucionalidade do preceito em questão.

A Excelsa Corte, ao proferir tal julgamento, atentou mais para o fato de que o art. 203, inciso V, restaria sem a qualidade de auto-aplicabilidade, caso decidisse pela inconstitucionalidade do referido preceito.

É o que se deduz das palavras de Sérgio Moro: ” O julgado foi, aparentemente, movido pelo receito explicitado quando do indeferimento da liminar de que a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado levaria ao agravamento do estado de inconstitucionalidade, tendo o STF por pressuposto que o art. 203, V, da CF/1988 não teria aplicabilidade imediata, demandando regulação legislativa, cf. ementa a seguir parcialmente transcrita: ‘… A concessão da liminar, suspendendo a disposição legal impugnada, faria com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, a qual, por isto, ficaria novamente dependente de regulamentação legal para ser aplicada, privando a Administração de conceder novos benefícios até o julgamento final da ação” (DJU 26/05/1995)” (2001, p. 3).

É indeclinável que, nas condições previstas na norma, a situação de miserabilidade, ensejadora do benefício da assistência social. Mas, ao assim proceder, a lei não afastou a possibilidade de aferido cada caso concreto, avaliando-se, nas circunstâncias de cada quadro familiar, se é de ser considerada como caracterizada ou não a pobreza a que se refere o preceito constitucional insculpido no art. 203, V, da Carta Magna.

Não custa lembrar que, “se ao egrégio Supremo Tribunal Federal compete o exame da constitucionalidade das leis, é ao egrégio Superior Tribunal de Justiça que cabe, em última instância, a tarefa de dar à lei federal sua adequada interpretação” (trecho do voto proferido pelo Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, Antônio Albino Ramos de Oliveira, no AI nº 2001.04.01.0587378-0/PR – j. 23/05/2002).

Nessa tarefa de intérprete da lei federal, o egrégio Superior Tribunal de Justiça não tem fugido de sua missão, pacificando que o §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece um limite objetivo, dentro do qual é presumida a miserabilidade, não impedindo a análise de outros meios de prova em cada caso concreto.

“[…] A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça pacificou já entendimento no sentido de que o critério estabelecido no art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93 (comprovação da renda per capita não superior a ¼ do salário mínimo) não exclui que a condição de miserabilidade, necessária à concessão do benefício assistencial, resulte de outros meios de prova, de acordo com cada caso concreto” […] (Resp 308711-SP – 6ª T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJ 10/03/2003, p. 323).

Na mesma linha de entedimento, se com o desconto dos valores exigidos para debelar eventual mal incapacitante à manutenção do deficiente ou do idoso, tais como: remédios de uso contínuo, planos de saúde, alimentação especial, etc., chega-se do aludido limite, tem sido deferido o benefício (TRF 4ª Região – AC 344368-PR – 6ª T. – Rel. João Surreaux Chagas – DJU 22/08/2001, p. 1116).

Da leitura das decisões prolatadas nas reclamações antes mencionadas, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, além de decidir pela constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei n° 8.742/93 na ADIN nº 1232-1/DF, também enfrentou e decidiu acerca do alcance do critério ali disposto – renda per capita não superior a ¼ do salário mínimo, firmando o entendimento de ser este o único modo e critério objetivo a ser utilizado para se aferir a necessidade econômica para fazer jus ao benefício assistencial.

Portanto, havendo prova da condição de miserabilidade da família, mesmo que a renda per capita seja superior a ¼ do salário mínimo (R$ 87,50, ou mais), têm aquelas pessoas mencionadas na alínea “a” do item 2 direito ao benefício assistencial.

Mesmo antes de tomar posse, nosso atual Presidente estabeleceu como prioridade do gooverno a erradicação da fome. O Partido que o levou a essa posição sempre procurou emitir a mensagem de comprometimento com o “social” – da mesma forma o Poder Executivo nos primeiros anos de governo.

Nessa diapasão, no dia 13 de junho de 2003, promulgou-se a Lei nº 10.689, a qual criou o “Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA”. Em seu art. 2º, § 2º, estabeleceu: ” Os benefícios do PNAA serão concedidos, na forma desta Lei, para unidade familiar com renda per capita inferior a meio salário mínimo” (original sem destaques).

Inegável que esse programa vem integrar a Assistência Social, ao garantir “acesso à alimentação a pessoa humana, todos os dias, em quantidade suficiente e com a qualidade necessária” (art. 1º). Amolda-se, portanto, aos termos do art. 203 da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93).

Se para o PNAA é necessitada a unidade familiar cuja renda per capita é inferior a meio salário mínimo, poderia haver critério divergente dentro da Assistência Social? A conclusão é que havendo novo conceito e necessitado inserido na Lei nº 10.689/2003 (renda per capita inferior a meio salário mínimo) o critério da Lei nº 8.742/93 (renda per capita inferior a ¼ salário mínimo) sofreu alteração por força de novo regramento incompatível com o anterior.

Relembre-se que a Lei de Introdução ao Código Civil é explícita no § 1º do art. 2º: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (grifei).

Wagner Balera citando Carlos Maximiliano e silvio Rodrigues resppectivamente, explica que houve a derrogação, in verbis:

“[…] para a derrogação basta a inconciliabilidade parcial, embora também absoluta quanto ao ponto em contraste. Portanto, a abolição das disposições anteriores se dará nos limites da incompatibilidade; […]

A lei posterior revoga igualmente a anterior, quando seja com ela incompatível. Isso se dá quando o Poder Público muda sua política legislativa, ordenando um procedimento que não afaz às regras anteriores”.

Desta forma, novo critério deve ser levado em consideração para a concessão do benefício assistencial (benefício de prestação continuada), uma vez da renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo, renda familiar inferior a ½ salário mínimo.

Mesmo assim, caso a renda familiar per capita supere esse novo limite objetivo, nada impede que sejam utilizados outros critérios para a aferição da miserabilidade da família, nos moldes que já vêm sendo feito por nossos Tribunais, continuando a cumprir a bela lição descrita por Carlos Maximiliano:

“[…] Assim, o magistrado não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediário entre a letra morta dos códigos e a vida real, apto a plasmar, com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade” […]

O benefício assistencial é instrumento da Assistência Social, insculpido expressamente em nossa Carta Magna em favor dos necessitados, sendo garantido um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Até pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, era tido por inconstitucional o limite de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo vigente. Com a declaração de constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, fixou-se que esse critério era apenas objetivo. O Superior Tribunal de Justiça pacificou que, além desse critério objetivo, outros devem ser analisados caso a caso, a fim de comprovar a miserabilidade. Desde a edição da Lei nº 10.689/2003, houve o aumento do limite objetivo, pois esta Lei estabelece como necessitada a família cuja renda per capita é inferior a meio salário mínimo. Este novo limite objetivo não afasta outros critérios para aferição da miserabilidade.

Assim, inegável que tudo o que foi demonstrado reflete a preocupação do Judiciário e do Legislativo na consecução de um dos princípios fundamantais da República, que é o da dignidade da pessoa humana.

Portanto, havendo prova da condição de miserabilidade da família, mesmo que a renda per capita seja superior ao limite de ½ salário mínimo (R$ 175,00 ou mais), têm aquelas pessoas mencionadas na alínea “a” do item 2 direito ao benefício assistencial.

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