Influência da secção transversa de fios ortodônticos na fricção superficial de braquetes autoligados
Roberta BuzzoniI; Carlos N. EliasII; Daniel J. FernandesIII; José Augusto M. MiguelIV
IEspecialista em Ortodontia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
IIProfessor Associado do Instituto Militar de Engenharia (IME)
IIIDoutorando em Ortodontia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutorando em Ciência dos Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia (IME)
IVProfessor Adjunto da Disciplina de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
RESUMO
OBJETIVO: o objetivo do presente trabalho foi determinar a força de atrito estático entre braquetes de aço inoxidável autoligados com sistema de fechamento resiliente e fios ortodônticos redondos e retangulares do mesmo material.
MÉTODOS: empregaram-se 30 braquetes referentes aos caninos superiores divididos em 6 grupos formados por braquetes autoligados Smartclip, In-Ovation R e convencionais Gemini amarrados com ligaduras elásticas. A hipótese testada neste trabalho foi quanto à possibilidade dos braquetes autoligados ativos serem suscetíveis à elevação da força de atrito com o aumento e alteração da secção transversal dos fios ortodônticos. Os ensaios foram realizados com tração de 30s em fios de aço inoxidável 0,020″ e 0,019″X0,025″ na máquina de ensaios Emic DL 10000, com uma célula de carga de 20 newtons. Cada conjunto braquete/fio foi responsável pela geração de quatro corpos de prova, totalizando 120 leituras. As comparações entre as médias foram realizadas através da Análise de Variância (one way ANOVA) com correções pelo coeficiente de Bonferroni.
RESULTADOS E CONCLUSÃO: os braquetes autoligados apresentaram maior força de atrito do que os braquetes convencionais amarrados com ligaduras elásticas. O grupo Smartclip foi o mais efetivo no controle do atrito (p<0,01). A hipótese em teste, influência da forma da seção transversal do fio na força de atrito, foi confirmada, uma vez que os fios de secção retangular 0,019″X0,025″ apresentaram maior força de atrito ao serem tracionados do que os fios redondos 0,020″ (p<0,01). O sistema Smartclip foi mais efetivo mesmo quando o tracionamento de fios retangulares foi comparado com o ensaio de braquetes In-Ovation R conjugados a fios redondos (p<0,01).
Palavras-chave: Braquetes. Fios ortodônticos. Aço inoxidável. Fricção.
INTRODUÇÃO
O uso cada vez mais frequente de mecânicas de deslizamento, mantém em evidência a importância do controle do atrito para o estabelecimento do movimento ortodôntico1. O atrito pode ser definido como uma força que se opõe ou retarda a movimentação de dois corpos que se encontrem em contato5,8,10. Para que o movimento ortodôntico seja estabelecido, é necessário que a força aplicada supere a resultante friccional apresentada na interface braquete/fio. Contudo, quando altos índices de atrito são observados nesse conjunto, a força pode ser reduzida à ordem de até 60%de sua intensidade original11, podendo redundar clinicamente no atraso da resposta biológica8,10.
Inúmeras variáveis podem modular a quantidade de fricção gerada, dentre elas o tipo de material, a dimensão e forma dos braquetes4,10 e fios ortodônticos1,4,10, além dos tipos de ligações estabelecidas na interface braquete/fio1,15. A espessura do fio tem relação direta com as forças de fricção, e os arcos retangulares apresentam maior atrito quando comparados com seus análogos redondos9. Quanto ao tipo de ligação, braquetes autoligados são descritos na literatura como artefatos com a capacidade mecânica de controle friccional ao aprisionamento do fio ortodôntico no interior de sua ranhura15 (Fig. 1).
O sistema autoligado subdivide-se em duas categorias, de acordo com a forma como atua o modelo mecânico de ligação, podendo ter uma ação ativa ou passiva4,15. O sistema passivo apresenta uma tampa anterior deslizante, responsável pelo aprisionamento do fio no interior da ranhura sem que o mesmo sofra qualquer tipo de pressão15. Os modelos ativos promovem uma pressão constante no arco4, permitindo um alinhamento mais rápido e um maior controle de rotações e torques15. Em alguns modelos, o controle torna-se mais intenso à medida que o calibre do arco aumenta9, podendo haver também a incorporação de maiores forças de fricção.A hipótese a ser testada neste trabalho é se braquetes autoligados apresentam-se suscetíveis à elevação do atrito com o aumento e a alteração da secção transversa dos fios a serem tracionados. O objetivo desse trabalho foi avaliar a fricção superficial apresentada por braquetes de aço inoxidável autoligados com sistema de fechamento resiliente e comparar o atrito gerado ao tracionamento de fios ortodônticos de mesmo material com secções transversas redondas e retangulares.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados nesse estudo 30 braquetes, referentes ao canino superior direito, divididos em seis grupos distintos com cinco braquetes cada. Os grupos foram compostos por braquetes autoligados Smartclip (3M/Unitek, CA, EUA), In-Ovation R (GAC, NY, EUA) e braquetes convencionais Gemini (3M/Unitek, CA, EUA) amarrados com ligaduras elásticas de cor cinza (TP Orthodontics, IN, EUA) (Tab. 1). Foram empregados cinco segmentos de fios ortodônticos com secção 0,020″ e cinco com secção 0,019″ x 0,025″ (TP Orthodontics, IN, EUA) medindo 8cm para cada um dos três tipos de braquetes avaliados (Tab. 1). A análise da fricção superficial gerada pelo tracionamento dos fios de aço no interior das ranhuras dos braquetes foi avaliada segundo quatro leituras consecutivas de cada par braquete/fio ortodôntico. Totalizaram-se vinte leituras para cada grupo, em um total de 120 leituras referentes aos braquetes e fios analisados.
Tabela 1
Os modelos de ensaio braquete/fio foram submetidos aos testes de fricção superficial na máquina de ensaios EMIC DL 10000 (EMIC, PR, Brasil) com uma célula de carga de 20 newtons (N) (Fig. 2). Para a realização dos ensaios e a compensação das diferentes angulações presentes nos braquetes pré-ajustados, cilindros metálicos foram especialmente desenvolvidos com angulações compensatórias a fim de que todos os fios se relacionassem com as ranhuras dos braquetes de maneira paralela. Esses cilindros de aço inoxidável foram conectados à máquina de ensaios e os artefatos colados com auxílio de um adesivo instantâneo SuperBonder (Loctite, SP, Brasil).
As bases dos braquetes foram previamente preenchidas com resina fotopolimerizável Transbond XT (3M/Unitek, CA, EUA), a fim de se planificar a área de colagem (Fig. 3).
A amarração dos fios ortodônticos aos braquetes do grupo Gemini foi estabelecida por ligaduras elásticas (TP Orthodontics, IN, EUA), sendo as mesmas trocadas a cada ensaio. Os fios ortodônticos foram tracionados a uma velocidade de 5mm/min à distância de 3,5mm (Fig. 2). Os valores das forças máximas (gF) foram registrados pelo programa de computador operacional Tesc versão 3.04 (EMIC, PR, Brasil).
Os resultados encontrados foram sumarizados através de médias e desvios-padrão. As comparações entre médias foram realizadas pelo emprego da Análise de Variância (one-way ANOVA) com correções pelo coeficiente de Bonferroni.
RESULTADOS
A comparação entre as médias da força de fricção superficial em gramas-força (gF) sob tracionamentos com fios de aço inoxidável de secções 0,020″ e 0,019″ x 0,025″ pode ser observada na Tabela 2. Os valores encontrados demonstram médias de fricção inferiores nos grupos autoligados, quando comparados aos braquetes convencionais amarrados com ligaduras elásticas. O controle mais efetivo do atrito foi observado nos grupos autoligados Smartclip, independentemente da secção dos fios tracionados (p<0,01). Com o aumento e alteração da secção transversa dos fios para a forma retangular, o aumento do atrito foi observado em todos os grupos testados estatisticamente (p<0,01).
A distribuição dos valores foi analisada através do teste de normalidade de Shapiro-Wilk (p<0,05) e apresentada através de um gráfico box plot (Gráf. 1). O padrão observado constata uma distribuição normal para todos os grupos, com exceção do formado por braquetes Smartclip conjugados a fios de secção 0,020″.
A verificação dos valores explicitados pela análise de variância (ANOVA) permite a observação de associações entre as forças de fricção e os sistemas de autoligação. O valor de p (p<0,01) encontrado pelo teste de múltiplas comparações de Bonferroni indica a diferença estatística entre os grupos (Tab. 2).
DISCUSSÃO
No presente estudo, vinte corpos de prova de cada grupo foram obtidos através de ensaios de tração superficial. Cada braquete forneceu quatro leituras consecutivas da fricção observada ao tracionamento de cada tipo de fio em sua ranhura, totalizando-se vinte medições para cada grupo avaliado. Essa metodologia foi empregada com o objetivo de simular condições clínicas de deslizamento, onde um mesmo braquete desliza sobre o fio, ou vice-versa, repetidamente por um período de tempo determinado pelos objetivos do tratamento. Os resultados observados demonstraram um reduzido desvio-padrão, o que tornaria redundante repetições dos mesmos artefatos. Apesar de alguns autores defenderem a suscetibilidade ao desgaste na superfície do braquete e/ou no fio6,7, acredita-se que, para o ensaio proposto, o desgaste ocorra significativamente apenas em materiais com maior coeficiente de atrito, como a matriz cristalina ou o policarbonato. Essa metodologia assemelha-se à de pesquisas conduzidas por Voudoris15, nas quais foram utilizados, ao deslizamento, somente oito braquetes em cada grupo, totalizando-se vinte e quatro corpos de prova para cada tipo de artefato15.
Os braquetes avaliados referem-se aos elementos caninos superiores. Essa escolha sustenta-se pelo caráter comparativo à realidade clínica, onde esses elementos encontram-se frequentemente envolvidos em mecânicas de deslizamento, principalmente em casos que demandem a extração de pré-molares. A mesma seleção de braquetes foi observada em trabalhos conduzidos por Berger2 e Braun et al.3 Todavia, à escolha do braquete, verificou-se que a base do artefato apresenta um grau de concavidade que dificultaria sua colagem. Tornou-se necessária a realização de um preenchimento com resina fotopolimerizável, a fim de se garantir que as bases dos artefatos se apresentassem em conformação plana. Voudouris15 também utilizou em seu estudo a mesma técnica de preenchimento resinoso, sem a observação de qualquer variação nos valores de fricção.
Quanto ao desenho dos braquetes, cada fabricante desenvolveu seu próprio modelo autoligado com angulações e torques individuais, sendo defendido existir uma relação direta entre a angulação, torques ativos e o aumento da fricção superficial9. Com o objetivo de padronização das diferentes prescrições relacionadas, foram confeccionados cilindros metálicos para colagem dos braquetes a serem tracionados. A superfície de colagem apresentava um corte em uma angulação compensatória que neutralizava a pré-angulação dos artefatos, assegurando o paralelismo entre a ranhura e os fios ao tracionamento. Esse sistema de padronização está de acordo com a metodologia desenvolvida por Sims et al.11, que também utilizaram uma peça de suporte metálica para colagem compensatória11. Alguns autores utilizaram diferentes formas para padronização das angulações preexistentes3,15.
Um fator importante que influencia na magnitude do atrito é o modo de amarração entre o braquete e o fio ortodôntico11. A amarração dos braquetes convencionais foi realizada com uso de ligaduras elásticas, com o objetivo de padronização da força aplicada para reclusão do fio ortodôntico na ranhura dos artefatos. Voudouris15 relatou que a perda de elasticidade do material é subjetiva e diretamente proporcional ao tempo pelo qual o mesmo encontra-se distendido, podendo exercer influência significativa na fricção superficial. Por essa razão, a troca das ligaduras foi realizada a cada ensaio.
Piozzoni, Ravnholt e Melsen9 afirmaram que fios mais espessos produzem valores mais elevados de fricção e, geralmente, arcos de secção retangular geram mais atrito do que os arcos de secção redonda, devido à maior superfície de contato com os braquetes no tracionamento. Outros acreditam que a variável mais relevante seria o grau de preenchimento das ranhuras dos artefatos3,11. Nessa pesquisa, comparando-se fios de liga inoxidável, verificou-se que o aumento do atrito é diretamente proporcional e estatisticamente significativo ao aumento da secção transversa dos arcos, independentemente do modelo de braquete avaliado.
Os braquetes autoligados com sistema de fechameno resiliente são caracterizados pela presença de um modelo de autofechamento composto por uma tampa anterior capaz de recluir sob pressão os fios ortodônticos no interior das ranhuras dos artefatos9. Acredita-se que o contato permanente da tampa de autoligação e o fio contribua para o aumento do atrito gerado ao deslizamento14. Essa interação foi evidenciada no presente trabalho, onde o atrito gerado por fios retangulares foi superior ao observado em seus análogos redondos de secção transversa inferior. Uma possível explicação poderia ser o fato dos fios retangulares contatarem a tampa de autofechamento em sua face de medida 0,025″, enquanto os redondos apenas sob a face medindo 0,020″. O maior preenchimento da ranhura dos braquetes conduz à distensão da tampa resiliente, permitindo-a exercer maior pressão sob os fios e, consequentemente, aumentar a resultante de fricção dos artefatos ao tracionamento.
Os resultados do presente estudo demonstraram que os braquetes In-Ovation R apresentaram médias de atrito superiores às observadas para o modelo Smartclip em fios de secções transversas 0,020″ e 0,019″ x 0,025″. O grupo formado por braquetes Smartclip foi estatisticamente mais efetivo no controle da fricção, mesmo quando o tracionamento de fios retangulares foi comparado com o ensaio de braquetes In-Ovation R conjugados a fios redondos.As médias de atrito apresentadas pelos braquetes convencionais Gemini fazem referência aos grupos autoligados avaliados como mais eficientes no controle da fricção superficial. Essa constatação está em acordo com diversos trabalhos conduzidos previamente1,2,10,11. O objetivo do presente estudo referiu-se à avaliação do comportamento dos braquetes autoligados com sistema de ligação resiliente quando conjugados a fios ortodônticos de diferentes secções transversas. As médias encontradas para o sistema convencional Gemini foram testadas unicamente para fins de referência, o que tornou desnecessário o tratamento estatístico desses valores.
CONCLUSÃO
Os braquetes autoligados do sistema Smartclip apresentaram um maior controle das forças de fricção, independentemente do tipo de fio ortodôntico tracionado. Quanto à forma e aumento da secção transversa dos fios, observou-se um aumento do atrito para fios retangulares 0,019″ x 0,025″ em comparação aos redondos 0,020″ de mesma liga inoxidável. EsSa constatação suporta a hipótese do presente trabalho para os braquetes autoligados testados. O grupo formado pelos braquetes Smartclip foi mais efetivo mesmo quando o tracionamento de fios retangulares foi comparado com o ensaio de braquetes In-Ovation R conjugados a fios redondos.
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Dental Press J. Orthod. vol.16 no.4 Maringá July/Aug. 2011