O presente trabalho traz consigo o estudo de uma realidade, que vem causando imensa preocupação aos doutrinadores não só brasileiros como do mundo inteiro: a possibilidade da utilização da técnica de inseminação artificial após a morte do doador do material genético. Tendo em vista que já existe tal possibilidade diante das diversas técnicas de reprodução assistidas existentes, e apesar de ser uma pratica ainda não utilizada ou pelo menos não levada a conhecimento social, já existem decisões em outros países favoráveis a pratica, como o caso mundialmente conhecido do casal Corinne Parpallaix. A utilização desta técnica trará ao direito brasileiro à necessidade de adequação a realidade haja vista que em nosso ordenamento não existe norma jurídica que proíba ou que regule a utilização desta.
Sabe-se que o que não é por lei proibindo torna-se juridicamente possível.Diante dessa situação, e as conseqüência para o mundo jurídico que a utilização indevida desta técnica traz na área da família e nas sucessões a criação de uma legislação que regule como ocorre em outros países seria uma maneira de se evitar maiores danos.
WALACHESKI, Myrian Carla Cardoso Santos, Insemination Post Mortem. Spring of the East, 2009. 60fls. Monograph (Bachelor in law) – College of Social and Applied Legal Sciences, University of Cuiabá, Spring of the East, 2009.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 EVOLUÇÃO HISTORICA DA BIOÉTICA
2.1 BREVE ESCOPO HISTÓRICO
2.2 HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
3 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA
3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
3.2 PRINCÍPIO DA NÃO – MALEFICÊNCIA
3.3 PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA
3.4 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
4 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
4.1 CONCEITO
4.2 AS TECNICAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
4.2.1 Inseminação Artificial Homologa
4.2.2 Inseminação Artificial Heterologa
5 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEN
5.1 CONCEITO
5.2 POSICIONAMENTOS DOUTRINARIOS
5.3 DIREITO SUCESSÓRIO E INSEMINAÇÃO POST MORTEM
5.4 A NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO
5.5 O CASO “PARPALAIX” O INICIO DA DISCUÇÃO
6 DO DIREITO CONSTITUCIONAL
6.1 DO PLANEJAMENTO FAMILIAR ART. 226 §7º CR/88
6.2 IGUALDADE ENTRE IRMÃOS ART. 226 § 6º CR/88
6.3 O ART. 5º INCISO II DA CR/88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ANEXO A – PROJETO DE LEI 90/99
ANEXO B – RESOLUÇÃO 1.358/92
ANEXO C – LEI 8.974/95
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a Inseminação Artificial, mais especificamente na possibilidade de sua realização após a morte do doador do material genético, neste caso marido da receptora do sêmen.
Por ser a Inseminação Post Mortem, uma incógnita no Direito brasileiro já que não existe na legislação nenhum dispositivo proibindo a pratica desta, e como em nosso ordenamento jurídico o que a lei não proíbe é plenamente possível, tornou-se necessário a discussão acerca deste tema.
Diante das grandes evoluções da ciência em especial da descoberta da criopreservação dos semens, dos óvulos tornou-se possível a realização de uma inseminação após a morte do doador do sêmen, o que nos fez levantar ainda mais esta questão foram as conseqüências que tal procedimento traz no ramo do direito de família e no das sucessões.
O método utilizando como método de abordagem foi o histórico- evolutivo e ainda o método dedutivo, que nos permite uma analise do particular para o geral.
No segundo capitulo consta um breve histórico à cerca da evolução da Bioética ao longo de diferentes momentos históricos, este capitulo traz ainda uma sinopse da evolução das técnicas de Inseminação Artificial, com a descoberta da criopreservação, e o nascimento do primeiro bebê de “proveta”.
O terceiro capitulo conta dos princípios fundamentais da bioética, que são tidos como parâmetro para atuações em situações de conflitos de valores.
Já no quarto capitulo tratamos de maneira mais detalhada sobre o que é a inseminação artificial, as técnicas de inseminações existentes, com maior ênfase nas técnicas de inseminação artificial homologa e heterologa.
No quinto capitulo adentramos com maior profundidade no tema da presente monografia quando tratamos da inseminação Post mortem, trazendo o seu conceito, os posicionamentos doutrinários divergentes em relação a esta, os seus reflexos no direito das sucessões, da-se ainda em fase a necessidade do consentimento indiscutível do de cujus quanto à autorização para a realização da técnica.
Neste capitulo ainda encontra-se destacado o caso que foi o pivô de toda essa discussão, o casal Francês Corinne e Alain Parpalaix, onde Corinne foi a primeira mulher a procurar a justiça para conceder-lhe o direito a utilização do sêmen de seu marido falecido.
Nota-se que nos capítulos acima mencionados encontram-se os objetivos específicos descriminado no projeto de pesquisa preliminarmente elaborado para auxiliar o desenvolvimento da presente monografia.
No capitulo sexto encontra-se os princípios consagrados por nossa lei maior como o direito ao planejamento familiar, a igualdade entre irmãos e o art. 5º inciso II que garante o direito a realização desta técnica.
Ainda no desenvolvimento deste consta dos anexos as legislações existentes que tratam da inseminação artificial como a resolução do conselho de medicina nº 1.358/92 e a lei 8.974/95, constam ainda neste anexos o projeto de leis existentes que tratam especificamente da inseminação post mortem, discute-se neste ainda, a necessidade da criação de uma lei para regulamentar esta pratica e ainda o direito de o estado criar normas de conduta sobre um tema que envolve o intimo de um casal, de uma decisão anteriormente tomada, embasando em direitos consagrados pela constituição.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA BIOÉTICA
2.1 BREVE ESCOPO HISTÓRICO
De acordo com Leo Pessini :
A bioética era uma criação do tempo, tendo sido concebida como uma resposta para as novas tecnologias em medicina, mas foi gestada numa cultura sensível em relação a determinadas dimensões éticas, de modo especial ao direito dos indivíduos e abuso por parte de instituições poderosas. As necessidades e preferências dos pacientes deveriam ser defendidas vigorosamente. A primeira década da bioética como um movimento e disciplina, fez justamente isso.
A Bioética, ou ética aplicada à vida, surgiu nos Estados Unidos. A palavra “Bioética” é primeiramente forjada por Van Rensselder Potter, da Universidade de Wisconsin, Madison, na obra Bioethics: bridge to the future, publicada em janeiro de 1971. Porém, apenas seis meses mais tarde, em 1° de julho do mesmo ano, Andre Hellegers introduz o mesmo termo, de novo com caráter inédito, ao fundar o Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Biocthics.
Contudo foi com a descoberta do DNA em 1953, juntamente com o movimento dos direitos humanos que estava se revigorando, onde tudo dirigia-se para a criação de uma nova consciência de se ser mais humano.
Apartir da década de 80, esta se expandiu no continente europeu, onde se instituiu diversas comissões de ética, o que também ocorrerá na França em 1983.
Em 1978, foi organizada a primeira Enciclopédia de Bioética pelo professor Warren Reich do Instituto Kennedy de ética da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
A Bioética extrapola o campo restrito da saúde, incorporando novas formas de responsabilidade que devem ser expressas diante das pessoas, pois estas são detentoras de direitos inalienáveis.
Esta tem por objetivo geral a busca de benefícios e garantia da integridade do ser humano, tendo por seu condutor o principio da Dignidade da Pessoa Humana.
A definição de Bioética foi se alterando ao longo da evolução de sua história, como podemos ver nas definições de diferentes pesquisadores, em 1979 o Professor David Roy define a Bioética como:
O estudo interdisciplinar do conjunto das condições exigidas para uma administração responsável da vida humana, ou seja, da pessoa humana, tendo em vista os progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias biomédicas.
Já o Cristian de Paul Barchifontaine defende que:
O conceito de Bioética será entendido como um grito pelo resgate da dignidade da pessoa humana em face dos progressos técnicos-cientificos na área da saúde, bem como em face das condições de vida sócio-economico-policas, através de um dialogo multidisciplinar e pluralista.
Outra definição ao termo bioética é dada por Warren T. Reich sendo esta:
Bioética é um termo composto derivado do grego bios(vida) e ethike(ética).Pode ser definida como o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisões, conduta e políticas morais – das ciências da vida e da saúde, empregando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar.
Entretanto na Encyclopedia of Bioéthic , temos a definição de bioética como estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção de saúde, na medida em que esta conduta seja examinada à luz de valores e de principio morais.
Diante das diversas definições dadas ao termo Bioética ao longo de sua evolução histórica, chega-se a conclusão que tal termo jamais será passível de conceituação por ser uma ciência sempre em constante evolução.
2.2 HISTÓRICO SOBRE A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
Relatos históricos demonstram que em todas as gerações houve e há a grande preocupação do homem em garantir a continuação de sua espécie.
Quando olhamos a mitologia, percebemos que homem sempre pensou na possibilidade da fecundação sem a pratica do ato sexual, trazendo alguns exemplos de mulheres que engravidaram fora do ato sexual como,os Gregos que relatam que Zeus teria ejaculado após um sonho, vindo seu sêmen a cair na terra, local onde gerou o hermafrodita Agstidis, que foi castrado e seu membro teria sido enterrado e no local nasceu uma amendoeira.
Outro exemplo de mulheres que engravidaram fora do ato sexual, tem a Kwanyin deusa que possibilitava a fecundidade das mulheres que lhe prestassem culto (China); Vanijiin deusa da fertilidade, mulheres que se dirigiam sozinhas a seu templo retornavam grávidas (Japão), Maria mãe de Jesus (Bíblia); no Brasil é conhecida a lenda do boto que engravida as mulheres que lhe dirigem o olhar.
E diante dos avanços científicos o que era apenas sonhos míticos passou a ser realidade diante das modernas técnicas de reprodução assistida.
Na Idade Média os avanços da ciência se deram de forma lenta, se desenvolvendo de forma mais célere apartir do surgimento do microscópio em 1590.
As investigações sobre a inseminação artificial em seres humanos tiveram inicio por volta de 1790, através de Cary, baseando – se nas formas de utilização pra a reprodução bovina, mas foi por intermédio de J. Marion em 1866, depois de ter realizado 55 inseminações em 6 mulheres, houve a concretização da primeira gravidez, através de meios artificiais que terminou em aborto.
Em 1886, Montedazza propõe a criação de bancos de sêmen congelados.Porém somente na década de 70 é que surgem as descobertas decisivas para garantir a procriação artificial, no final do século XVIII, através da ação do médico John Hunter, que, diante da dificuldade de um homem em engravidar a esposa, por ser portador de anomalia na uretra, injetou o sêmen diretamente no útero da mulher, vindo a se desenvolver a gravidez .
Contudo a inseminação in vitro de seres humanos teve seu auge na Inglaterra, quando, em 25/07/ 1978, Lesley Brown deu à luz ao primeiro bebê de proveta da história da humanidade.
No mesmo ano nascia na Índia, através do Dr. Saroj Kanti Bhattacharya, o segundo “bebê de proveta”, nascendo ainda, em 14/01/1979 na Escócia, Alastair Montgomery.
Desde 1978, com o nascimento do primeiro bebê de proveta, até os dias atuais, calcula-se que 300 mil crianças foram geradas em clínicas de reprodução assistida, espalhadas pelas diversas partes do mundo . No Brasil, segundo dados divulgados na revista Veja, ed. 1699, de 09 de maio de 2001 , no ano de 1993, nasceram 300 crianças frutos das técnicas de reprodução assistida; sete anos após, a quantidade destes nascimentos subiu para o impressionante número de 6.000 crianças, uma elevação percentual de 2.000%.
3 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA
Os estudiosos no assunto enumeram como princípios basilares da Bioética, a autonomia, a beneficência, a não-maleficência, e a justiça.
3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
Refere-se à capacidade de autogoverno do homem, em tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual o método ou qual o rumo deve dar a suas pesquisas para atingir o fim desejado, analisando princípios morais aceitos e de pacientes que aceitem a se sujeitar as suas experiências, este princípio é considerado o maior princípio da Bioética, pois os demais estão interligados a estes.
Significa ainda ter consciência do direito da pessoa de possuir um projeto de vida próprio, de ter seus pontos de vista e opiniões de fazer escolhas autônomas de agir segundo seus valores e convicções.
Este princípio obriga o profissional da saúde dar a seu paciente a mais completa informação possível com o intuito de possibilitar uma compreensão adequada do problema .
Daury Fabriz dispõe sobra a autonomia como uma idéia de liberdade, indicando se devo atuar de forma ética ou moral, eleger por mim mesmo, o que devo fazer e como fazer.
Já Charlesworth argumenta que:
A liberdade para eleger é a essência da autonomia pessoal, não significando a autonomia a ação de eleger por eleger. A autonomia é a capacidade de autodeterminação mesmo que o resultado da eleição seja um mau resultado, o ato de eleição livre e autônoma seria um bom ato em si mesmo, por ser autônomo e livre.
3.2 PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA
Originado do Latin “Bonun facere” (fazer o bem), este principio esta associado a excelência profissional desde a medicina grega e esta expressa no Juramento de Hipocrates “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julgamento e nunca o utilizarei para prejudicá-los”
Beneficência quer dizer fazer o bem, isto significa que temos a obrigação moral de agir para o bem do outro. Na área da saúde significa usar todos os conhecimentos e habilidades profissionais a serviço do paciente, devendo sempre ao tomar uma decisão buscar minimizar os riscos e a aumentar os benefícios do procedimento a ser realizado.
3.3 PRINCÍPIO DA NÃO-MALEFICÊNCIA
Este princípio busca proibir a má utilização do conhecimento, que deve sempre ser utilizado em buscar do bem comum.
Por muitos este princípio é considerado como o principio fundamental da tradição hipocrática da ética medica, tem suas raízes em uma máxima que tinha por objetivo criar o habito de ajudar ou ao menos de não causar danos.
Tal princípio é mais conhecido em sua versão latina “primum non nocere” é tido como uma exigência moral do profissional da medicina trata-se de um dever profissional que se não cumprido coloca o profissional numa situação de pratica negligente da medicina ou das demais profissões da área biomédica.
3.4 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Na Bioética este princípio refere-se a obrigação de garantir uma distribuição justa, eqüitativa e universal dos bens e serviços da saúde, tal principio esta ligado ao princípio da beneficência, uma vez que ambos apontam para o bem entre as pessoas.
Na Grécia antiga, a justiça era tida como uma proporcionalidade natural, na filosofia platônica reconhece-se a justiça como virtude universal e suprema dando ao conceito um sentido ético.
No pensamento aristotélico o entendimento de justiça é como um bem maior, pois segundo este, todas as coisas buscam a um bem e o bem maior é a justiça.
Para John Locke a justiça equivale a um contrato capaz de garantir a liberdade individual, enquanto que para Marx a idéia era exigir de cada um conforme sua capacidade e a ele dar de acordo com a necessidade.
Leo Pesini acredita que as principais teorias da justiça que são: a justiça como proporcionalidade natural, justiça como liberdade contratual, justiça como igualdade social, justiça como bem estar coletivo, justiça como equidade.
Todas as decisões médicas e pacientes devem fundar-se essencialmente nos princípios da autonomia e beneficência, entretanto quando ambos os princípios entram em conflito a solução esta na utilização do principio da justiça.
4 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
4.1 CONCEITO
O vocábulo Inseminação originou-se do latim inseminatio, de in, que significa dentro e sêmen, que significa semente.
Inseminação Artificial ou Fertilização Humana Assistida é o procedimento de introdução artificial e provocado de espermatozóides em um ovulo, para a formação da célula zigoto.
As técnicas de Inseminação Artificial se tornaram uma alternativa à esterilidade, propiciando uma esperança para os casais que sofrem com a esterilidade.
A Inseminação Artificial também é denomina “concepção artificial”, “fertilização artificial”, além de outras definições utilizadas, mas ambas com o mesmo fim.
Jesualdo Eduardo conceitua a Inseminação Artificial como sendo:
A intervenção do homem no processo de procriação, que tem o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.
Não existem controvérsias quanto à origem nem mesmo quanto ao conceito dado a Inseminação Artificial, sendo considerado como tal, o processo de criação que tem a intervenção humana.
4.2 AS TECNICAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
Existem atualmente diversas técnicas de Inseminação Artificial, contudo todas acabam se dando de duas maneiras in vitro que ocorre fora do organismo da pessoa e in vivo, que ocorre dentro do organismo da pessoa.
A Inseminação Artificial in vivo também conhecida como intra-uterina, ocorre quando se recolhe o sêmen e em seguida estes são inseridos diretamente no útero da mulher, através de um cateter ou instrumentos semelhantes.
Esta ainda pode se dar através da retirada do material genético(sêmen) e introduzindo o mesmo diretamente na vagina com o auxilio de uma seringa, esta técnica é conhecida como Inseminação Intravaginal.
Já a Inseminação Artificial in vitro, também denominada Fivete, consiste no encontro do óvulo e os espermatozóides fora do corpo da mulher, e depois de um a três dias após este encontro, o embrião produzido é introduzido no útero dessa mesma mulher para que ali possam se desenvolver.
Dentre as técnicas de inseminação artificial destacam-se a Inseminação Artificial Homologa e a Heteróloga, que será objeto de estudo mais detalhado.
4.2.1 Inseminação Artificial Homóloga
Inseminação Artificial Homóloga é a que contém material genético proveniente dos próprios cônjuges interessados em ter filhos.
Por tanto o homem fornece o sêmen e a mulher, o óvulo que será fecundado em laboratório e posteriormente introduzido em seu útero.
O fato de o material genético utilizado ser do próprio casal é o que faz desta técnica a que recebe os menores índices de criticas, pois o que se busca é apenas a concretização do sonho de ser pai ou mãe.
Neste tipo de inseminação a filiação dela resultante será sempre a natural, ou seja, a filiação biológica e afetiva será a mesma, deste modo não existem controvérsias éticas e nem mesmo religiosas quanto a este tipo de reprodução, desde que a mesma seja realizada com o consentimento do marido.
4.2.2 Inseminação Artificial Heterologa
A Inseminação Artificial Heteróloga é a que o material genético utilizado advém de pessoas desconhecidas dos cônjuges.
Os maiores conflitos éticos e religiosos existentes estão nesta modalidade de inseminação, tendo em vista que a filiação não corresponderá a verdade biológica.
Esta inseminação pode se dar com a doação de óvulo, onde a criança nasce após a fecundação in vitro pelo esperma do marido em um óvulo doado, e implantado no útero da mulher, técnica conhecida popularmente como barriga de aluguel.
Pode ainda ocorrer com a doação do sêmen, onde este é inserido no útero da mulher ou ainda quando é doado o embrião, nem o ovulo nem o sêmen, são do casal nestes casos ocorre apenas a vinculação afetiva.
A presunção de paternidade na Inseminação Artificial Heteróloga consentida pelo marido gera a filiação socioafetiva, porque geneticamente não conterá a criança gerada nenhum traço da pessoa que o registrará.
O marido que teve conhecimento prévio e consentiu que sua mulher fosse inseminada com a utilização de material genético de terceiro, não pode, futuramente, impugnar a paternidade, até mesmo porque não pode haver nenhum vinculo entre o casal que recebeu o material genético e o doador deste.
Neste tipo de inseminação existe ainda uma grande discussão à cerca do sigilo quanto ao doador do material genético a ser utilizado, esta doação tem que se dar de maneira gratuita sem nenhum fim lucrativo e comercial, nem mesmo os receptores do material genético devem ser divulgados.
Para a Igreja Católica a fecundação artificial heteróloga é contrária ao matrimônio, à dignidade dos esposos, à vocação própria dos pais e ao direito do filho a ser concebido e posto no mundo no matrimônio e pelo matrimônio.
5 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEN
5.1 CONCEITO
Inseminação Artificial Post Mortem ocorre quando o cônjuge que contribuiu com o material genético falece antes de se finalizar o procedimento.
Apesar de esta ser uma técnica ainda não utilizada no Brasil, ou pelo menos não levada a conhecimento, diante das inúmeras técnicas de inseminação artificial e diante da comprovação de que com a criopreservação os óvulos, espermatozóides e ate mesmo embriões congelados não perdem sua potencia isto se torna possível.
Diante desta grande evolução cientifica tal acontecimento deixa de ser mera especulação e passa a ser a ter grande probabilidade de realização, e como no direito brasileiro o que a lei não proíbe é plenamente possível, a geração de um filho após a morte do doador do material genético é por falta de uma legislação reguladora é possível.
Existem grandes controvérsias em relação ao tema, com correntes contrarias a pratica que tem como alegação o fato de uma criança já nascer órfã de pai e ainda mais tendo sido gerada após a morte deste.
Já a corrente favorável a técnica alega que se há manifestação de vontade expressa do cônjuge ou convivente esta paternidade não seria indesejada.
Existem países que tal procedimento não é permitido por lei como a Alemanha, Suécia, França e já países como a Espanha, Austrália e alguns estados dos Estados Unidos da America que se houver consentimento expresso é plenamente possível a realização .
O fato de não existir uma norma regularizadora sobre o tema em discussão pode levar a uma má utilização deste procedimento, e com o intuito de evitar que tal fato ocorra e que pessoas sejam prejudicas com isto, deveriam ser adotados alguns critérios de controle.
Com a permissão de maneira controlada seguindo alguns critérios de exceção para permitir a utilização da técnica, como nos casos de pessoas que se submetam a tratamento de doenças com poucas chances de sucesso como no caso do câncer, onde a chance de um paciente sobreviver é de 70%, independente do tipo de tumor, tendo um índice muito grande ainda de infertilidade e também no caso de pessoas convocadas para guerra que ainda não tiverem filho, com a estipulação de um prazo Maximo para a realização do procedimento.
5.2 POSICIONAMENTOS DOUTRINARIOS
Existem diversos e divergentes posicionamentos doutrinários em relação ao tema.
O doutrinador Eduardo Oliveira Leite diz que:
Do ponto de vista ético, a inseminação post mortem desvia o sentido mesmo da procriação artificial, negando sua razão de ser: remediar as conseqüências da esterilidade e da hipofertilidade. Além disso, a medicina poderia contribuir para o nascimento de crianças órfãs, como tal pela vontade dos pais?É este o papel da medicina?
Segundo o entendimento deste doutrinador a pratica deste tipo de inseminação artificial foge até mesmo do objetivo principal da utilização da inseminação artificial que é remediar as conseqüências da infertilidade, questiona ainda sobre o fator psicológico que tal procedimento geraria a criança que já nasceria órfã por vontade dos próprios pais.
Já Maria Helena Diniz afirma que:
È preciso evitar tais praticas, pois a criança, embora possa ser filha genética, por exemplo, do marido e de sua mãe, será, juridicamente, extramatrimonial, pois terá não terá pai, nem poderá ser registrada como filha matrimonial em nome do doador, já que nasceu depois de 300 dias da cessação do vinculo conjugal em razão da morte de um dos consortes.
A professora Maria Helena Diniz foi ainda mais firme ao dizer que a criança não terá direito a presunção de paternidade dada pelo novo código civil, por ter nascido após o lapso temporal estipulado de 300 dias, não podendo ser registrada em nome do pai.
Para José de Oliveira Ascensão não dever ser permitida a utilização de tal procedimento por que:
Toda a estrutura da sucessão está arquitetada tendo em vista um desenlace da situação a curto prazo.Se se admitisse a relevância sucessória destas situações, nunca seria praticamente possível a fixação dos herdeiros e o esclarecimento da situações sucessórias.E a partilha que porventura se fizesse estaria indefinitivamente sujeita a ser alterada.
Já este doutrinado ao criticar a inseminação artificial post mortem tenta enfocar o direito sucessório que seria completamente “abalado”, pois deixaria sempre aberta a possibilidade de uma petição de herança e modificação dos direitos dos herdeiros.
Ainda sobre o tema preleciona Carlos Alberto Bittar dizendo que:
O homem deve respeitar a natureza, a vida humana e seus limites e os valores que, ínsitos em sua personalidade, lhes possibilitam uma existência normal e compatível em sociedade. Dai, a satisfação de caprichos pessoais e de anseios egoísticos deve, sempre, ceder à prudência, à cautela a ao respeito aos valores maiores do homem e da sociedade, que a tanto custo pode o ser humano detectar e alcançar na presente quadra de sua evolução.
Carlos Bittar já critica dizendo ser o homem egoísta pensar apenas no beneficio próprio sem analisar as conseqüências de seus atos diante da sociedade.
5.3 DIREITO SUCESSORIO E INSEMINAÇÃO POST MORTEM
A Constituição Federal em seu art. 5º, XXX, assegura o direito de herdar e o Código Civil disciplina o direito das sucessões estabelecendo as regras para se herdar.
O direito sucessório com preleciona Maria Helena Diniz é o conjunto de normas que regula a transferência do patrimônio de alguém depois de sua morte, ao herdeiro em virtude de lei ou por um testamento.
Segundo Caio Mario sucessão é o direito, por cuja força da-se a transmissão dos bens do de cujus.
A princípio todos os herdeiros têm direito a sucessão, contudo o art. 1798 do Código Civil regula quem pode herdar coma seguinte redação “ Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.
Existem duas espécies de sucessões, a legitima e a testamentária, sendo a legitima quando o de cujus não deixa expresso sua ultima vontade em relação aos seus bens por meio de testamento, então seu patrimônio por força de lei e por meio de um processo judicial de inventario é dado inicio ao processo de sucessão legitima chamando ao processo todos os herdeiros legais.
Já a sucessão testamentária ocorre quando o de cujus deixa por meio de um testamento seguindo todas as regras para que este tenha validade no mundo jurídico expresso quem herdará o que, neste modo de sucessão o de cujus pode dispor da maneira que quiser de 25% dos seus bens.
Com o advento das técnicas de inseminação artificial, até mesmo podendo esta ocorrer após a morte do doador do sêmen, surge inúmeras complicações em relação à sucessão.
O Código Civil de 2002 em seu art. 1799 e art. 1800 permitem que na sucessão testamentária o de cujus reserve uma parcela de seus bens para os filhos ainda não concebidos nos seguintes termos:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
(…)
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
De acordo com estes artigos o testador pode deixar seus bens para uma prole futura através de um fideicomisso, tendo em vista que o herdeiro ainda não existe.
Contudo em relação ao direito sucessório da prole eventual, ou seja, aquela oriunda da inseminação post mortem existe grande controvérsias se esta teria ou não o direito de herdar por não se enquadrar aos requisitos do art. 1798 do Código Civil.
Existem três correntes divergentes sobre o tema, onde a primeira corrente não reconhece nenhum direito ao filho gerado após a morte do seu genitor, mediante inseminação artificial, nem no direito de família nem no direito de sucessão, defendendo a tese de que tal procedimento deveria ser proibido no Brasil assim como ocorre em outros países, uma adepta a esta corrente é a doutrinadora Monica Aguiar .
Outra corrente defende direitos limitados no campo do direito de família, porém não reconhece a criança gerada a condição de herdeiro do genitor morto, pois a paternidade pode ser estabelecida com base no fundamento biológico, mas não para fins sucessórios.
Uma terceira corrente defende plenos direitos a criança gerada por este procedimento, admitindo iguais direitos no direito de família e no sucessório, alegando não haver no Brasil proibição expressa para a utilização de tal técnica, embasando a defesa de suas teses no direito ao planejamento familiar, e ao fato de a criança gerada ser filha legitima do de cujus.
5.4 A NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO
Em todas as técnicas de Inseminação Artificial, independente de ser esta in vitro ou in vivo, o consentimento do casal que se submetera a este procedimento é indispensável para a realização do mesmo.
Como um dos princípios fundamentais da bioética é o principio da autonomia, que permite a pessoa com o seu poder de decisão e seu direito de escolha optar ou não pó uma determinada coisa, o consentimento neste caso deve ser visto com um exercício do principio da autonomia e que deve ocorrer de maneira expressa.
Por se tratar de uma Inseminação Artificial Homologa, entende ser um casal que tem a vontade a vontade ter filhos e por motivos alheios a sua vontade o cônjuge varão vem a falecer.
Se tal fato ocorresse no processo de adoção, com a morte de qualquer um dos adotantes, conforme o art. 42 § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente o processo não se encerraria, pelo contrario se houvesse de maneira expressa o consentimento pela adoção o processo continuaria sendo deferida posteriormente pelo juiz, o mesmo deveria ocorrer na inseminação artificial, pois ambos os procedimentos tem o mesmo objetivo que é a realização da paternidade, contudo por meios distintos.
Existem posicionamentos contrários como o da doutrinado Monica Aguiar , que acreditar ter a morte um efeito revogador do consentimento prestado, sendo a criança apenas filho do cônjuge sobrevivente.
Contudo se seguirmos ao “pé da letra” o posicionamento desta doutrinadora o artigo acima mencionado não teria relevância jurídica nenhuma.
5.5 O CASO “PARPALLAIX” O INICIO DA DISCUÇÃO
Os grandes percussores da discussão à cerca da Inseminação Artificial Post Mortem foi mundialmente conhecido caso “Affair Parpallaix” na França no ano de 1981, um casal de jovens Corinne Richard apaixonou-se por Alain Parpallaix, e logo começaram a namorar. Poucas semanas depois que se conheceram, veio a bomba: Alain estava com câncer nos testículos e a doença era incurável.
O amor por Corinne despertou em Alain o interesse em deixar herdeiros, porém a doença e o tratamento traumático da quimioterapia certamente o condenariam à infertilidade. Ele, então, tomou uma decisão: procurou um banco de sêmen e deixou depositado o seu esperma, para uso futuro.
Aterrorizados com o avanço da doença, Corinne e Alain casaram-se apressadamente. Dois dias depois da cerimônia, ele morreu,desejando desesperadamente um filho do seu amor, meses depois Corinne procurou o banco de sêmen para submeter-se à inseminação artificial. Os responsáveis pela empresa recusaram o pedido, por falta de previsão legal. Começou, então, um verdadeiro martírio em sua vida, que culminou em uma cruel batalha judicial.
O caso foi parar no Tribunal de Créteil, na França. A primeira questão discutida foi sobre a titularidade do sêmen. Teria direito, Corinne, a requerer o material coletado de seu ex-marido? O que deveria ser feito com os semens e óvulos das pessoas mortas? O material pertence à família do falecido? Caso tenha que ser descartado, qual a formalidade? Depende de autorização?
O entrave jurídico começou com a existência de um contrato de depósito que obrigava o banco de sêmen a restituir o esperma. Os proprietários do estabelecimento alegaram que não havia um pacto de entrega, pois o material da pessoa morta não é comerciável e no território francês não havia lei que autorizasse a fecundação póstuma.
Depois de intenso debate jurídico, decidiu o tribunal francês em condenar a clínica a devolver o esperma congelado ao médico designado pela viúva do depositante, sob pena de sanção pecuniária.
Dada a demora na solução do problema, a inseminação não teve sucesso, pois os espermatozóides já não mais estavam potencializados para a fecundação.
Foi a partir dele que os países começaram a se preocupar com o destino do material coletado para inseminação artificial, principalmente após a morte do doador.
6 DO DIREITO CONSTITUCIONAL
6.1 DO PLANEJAMENTO FAMILIAR ART. 226 §7º CR/88
Fundamentado no principio da dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável o art. 226§ da Constituição Federal de 1988, que tem a seguinte redação:
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:
(…)
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
(…)
Em nosso sistema jurídico é reconhecido o direito ao pluralismo das entidades familiares e o completo e pleno direito a este planejamento, tendo a norma constitucional estabelecido tal direito, não poderia existir norma que proibisse ou coibisse a pratica deste direito, assim tem-se como permitido a utilização das técnicas de reprodução assistida até mesmo a post mortem para se alcançar este objetivo.
Havendo então o consentimento manifesto e inequívoco da vontade do falecido em constituir uma família seriam o bastante para autorizar a utilização do matéria genético deixado para este fim.
Diante destes fatos não existiria duvidas quanto ao direito de presunção de paternidade estabelecido pelo Código Civil, contudo o cônjuge sobrevivente teria o direito a escolher realizar ou não a inseminação.
O ilustríssimo doutrinador Paulo Luiz Netto Lobo , diz que a respeito das entidades familiares contidas no art. 226 da Constituição Federal que:
O caput do artigo 226 é clausula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade.
E conclui dizendo?
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramentes exemplificativos, sem embargos de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referencias expressas. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de famílias indicados no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo a tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade .
Diante dos posicionamentos deste doutrinador o fato de não estar de maneira explicita a entidade familiar oriunda de um inseminação post morten, onde a criança terá a companhia somente de um dos seus genitores, esta não seja uma entidade familiar.
Já a doutrinadora Monica Aguiar , argumenta que o legislador deve antes de regulamentar tais praticas, fazer uma escolha política, em ater-se a reconhecer como entidades familiares somente as contidas de modo expresso no art. 226 da Constituição ou se devem admitir outros modelos de família.
6.2 IGUALDADE ENTRE IRMÃOS ART. 227 § 6º CR/88
O art. 227 § 6 da Constituição Federal, trouxe uma inovação ao ordenamento jurídico ao igualar os direitos entre irmão nos seguintes termos:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(…)
§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Diante da redação deste artigo conclui-se que ambos os filhos independente da maneira utilizada para a concepção destes, tem iguais direitos já que esta norma não admite qualquer exceção legal.
Sendo assim o filho concebido por inseminação artificial post mortem é parente no grau de descendente do falecido.
O art. 1597, inciso III do Código Civil reconhece novamente os direitos da criança concebida por meio da inseminação post mortem quando diz:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
(…)
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
(…)
Conforme tais dispositivos legais, os posicionamentos doutrinários citados no decorrer do trabalho quanto aos direitos sucessórios da criança concebida por este meio, tornam-se contrários claramente ao principio constitucional da igualdade de filiação já que o legislador não previu qualquer exceção a regra, independente da situação de fato que se encontrem os pais.
Giselda Hironaka diz que: A constituição federal não faz distinção entre os filhos, qualquer que seja sua origem ou o tipo de relação mantida por seus genitores.
Entende-se que os direitos sucessórios da inseminação post mortem são amplos não se restringindo apenas à sucessão testamentária como defendida pela maioria dos doutrinadores.
Contudo existe ainda um questionamento a se fazer em relação a fixação do prazo para utilização pelo cônjuge sobrevivente do material genético preservado.
Assim alguns doutrinadores entende que caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento autentico fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos, que não deveria ultrapassar dois anos.
6.3 O ART. 5º INCISO II DA CR/88
A inseminação Artificial até os dias atuais não possui nenhuma regulamentação especifica, conforme entendimento geral, o direito precisa sempre estar se adaptando as transformações da ciência.
A inseminação artificial post mortem, surge como um problema de grande proporção no campo da inseminação artificial, pois não há nada que há proíba ou que a permita nem sequer uma disposição referente a possibilidade de realização.
O art. 5º, II da Constituição Federal traz a seguinte redação:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(…)
Diante desta norma constitucional tem-se como permitida a pratica da Inseminação Artificial Post Mortem posto que, não existe em nosso ordenamento jurídico nenhum dispositivo legal proibindo, chega-se a esta conclusão diante da lacuna existente na própria carta magna.
Contudo o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil nos traz a seguinte redação:
Art. 4º – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
No entanto utilizar de costumes e analogias em relação a este tema, é uma tarefa difícil, quase que impossível para o legislador, haja vista que no Brasil não se tem conhecimento de nenhum caso desta magnitude.
Diante da complexidade e das conseqüências que esta pratica traz ao mundo jurídico na área do direito de família e dos direito sucessórios, além das questões sociais e psicológicas, esta matéria deveria sofrer algumas restrições legais.
Tais fatos nos fazem retomar o conceito do principio da autonomia e o consentimento, que são considerados tão valiosos e decisivos na possibilidade da realização desta técnica.
Todas essas questões se tornam motivos de discussão diante da redação do artigo constitucional acima mencionado que por negligencia do legislador deixou este tema ser uma matéria aberta no mundo jurídico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade tem passado por inúmeras transformações, nem sempre benéficas, mais em suas maiorias inovadoras, e na maioria das inovações a sociedade não se encontra preparada para recebê-las.
Dentre as áreas que mais passou por transformações ao longo dos anos destaca-se a bioética, que a cada dia inova com o intuito de tornar mais fácil a realização de sonhos como o de um casal onde um deles é estéril e diante da utilização das técnicas desenvolvidas pela bioética com a inseminação artificial.
Desta forma observa-se que apesar de muitos negarem os benefícios trazidos pela bioética, observa-se que estes são indiscutíveis haja vista o sucesso das utilizações das técnicas de inseminação artificial.
Uma das possibilidades trazidas pelo grande avanço da ciência médica foi à possibilidade da realização de uma inseminação após a morte do marido, o que trouxe ao nosso ordenamento jurídico grande discussão.
No direito brasileiro não existe como já foi visto no decorrer do trabalho nenhum legislação nem proibitiva nem mesmo que regule a utilização desta técnica, foi visto também as divergências doutrinarias em relação ao tema onde em sua maioria, os doutrinadores optam e defendem a proibição da realização de tal técnica, tentando defender o direito sucessório e resguardar o direito dos herdeiros.
No direito sucessório os ilustres doutrinadores alegam que a criança oriunda da fecundação post mortem só tem direito a herdar na sucessão testamentária, onde o de cujus disporia de seus bens para este deixados sob os cuidados de um fideicomisso, sendo esta a única possibilidade que a criança poderia herdar.
Entendo que embasando-se nos princípios constitucionais da igualdade entre irmãos, ao direito ao planejamento familiar, embasando-se ainda no principio da autonomia, tais posicionamentos são irrelevantes e ferem tais preceitos constitucionais, criando apenas uma forma de discriminação entre irmãos, já que ambos serão filhos de mesmo pai.
Entretanto, desde que haja o consentimento expresso do marido para a realização desta técnica, manifestado por documento autentico ou ainda em testamento, não em qualquer situação já que com o decorrer do trabalho observou-se tamanha necessidade de uma regularização normativa em relação ao tema, com a adequação dos projetos de leis existentes, acrescendo a estes uma exceção permitindo em casos concretos a realização das técnicas como já citados nos casos de pessoas que passaram por tratamentos onde o risco de esterilidade e de morte é iminente, como foi o caso “parpalaix” o percussor desta discussão.
Ao findar esta pesquisa percebe-se que existe uma grande necessidade de adequação das normas legais existentes, pois a sociedade evolui em ritmo muito mais acelerado do que se possa imaginar e o direito deve se ater as novas possibilidades trazidas pelo grande avanço da ciência.
Neste sentido é possível concluir que mesmo existindo esta possibilidade de uma inseminação post mortem no Brasil, o legislador não tem demonstrado preocupação em regulamentar a mesma haja vista que os projetos de leis para regulamentação desta datam-se dos anos de 97 e 99 e no ano de 2002 houve a aprovação do novo código civil sem inovar neste sentido, ou seja, nada se resolveu.
Sendo assim, finalizo o presente com uma possível forma de solucionar o problema, que seria a elaboração de um projeto para regulamentar a utilização desta técnica impondo-lhes limites e exceções a permissão de utilização da técnica de Inseminação após a morte do doador do material genético, onde se tal medida não for tomada tem-se assim mais uma lacuna da lei que trará desestabilidade ao direito sucessório e aos princípios constitucionais mencionados no decorrer do trabalho, conforme o entendimentos de vários autores já citados.
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ANEXO A – PROJETO DE LEI Nº 90 (SUBSTITUTIVO), DE 1999
Dispõe sobre a Procriação Medicamente Assistida
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
SEÇÃOI: DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 1º Esta Lei disciplina o uso das técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) que importam na implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in vitro, no aparelho reprodutor de mulheres receptoras.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I – beneficiários aos cônjuges ou ao homem e à mulher em união estável, conforme definido na Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que tenham solicitado o emprego de Procriação Medicamente Assistida;
II – gestação de substituição ao caso em que uma mulher, denominada genitora substituta, tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução, em seu aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de gerar uma criança para os beneficiários, observadas as limitações do art. 3º desta Lei;
III – consentimento livre e esclarecido ao ato pelo qual os beneficiários são esclarecidos sobre a Procriação Medicamente Assistida e manifestam consentimento para a sua realização.
Artigo 2º A utilização da Procriação Medicamente Assistida só será permitida, na forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifica infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde que:
I – exista, sob pena de responsabilidade, conforme estabelecido no art. 38 desta Lei, indicação médica para o emprego da Procriação Medicamente Assistida, consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, e não se incorra em risco grave de saúde para a mulher receptora ou para a criança;
II – a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei, que tenha solicitado o tratamento de maneira livre e consciente, em documento a ser elaborado conforme o disposto nos arts. 4º e 5º desta Lei;
III – a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação que leve em conta sua idade cronológica e outros critérios estabelecidos em regulamento.
§ 1º Somente os cônjuges ou o homem e a mulher em união estável poderão ser beneficiários das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.
§ 2º Caso não se diagnostique causa definida para a situação de infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Procriação Medicamente Assistida, prazo mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a idade da mulher receptora.
Artigo 3º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não-remunerada, nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na beneficiária e desde que haja parentesco até o segundo grau entre os beneficiários e a genitora substituta.
Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, ficando vedada a modalidade conhecida como útero ou barriga de aluguel.
SEÇÃOII: DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Artigo 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os beneficiários, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será formalizado por instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes esclarecimentos:
I – a indicação médica para o emprego de Procriação Medicamente Assistida, no caso específico;
II – os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das modalidades de Procriação Medicamente Assistida disponíveis, bem como os custos envolvidos em cada uma delas;
III – os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de Procriação Medicamente Assistida nas diferentes situações, incluídos aqueles específicos do estabelecimento e do profissional envolvido, comparados com os números relativos aos casos em que não se recorreu à Procriação Medicamente Assistida;
IV – a possibilidade e a probabilidade de incidência de danos ou efeitos indesejados para as mulheres e para os nascituros;
V – as implicações jurídicas da utilização da Procriação Medicamente Assistida;
VI – todas as informações concernentes à capacitação dos profissionais e estabelecimentos envolvidos;
VII – demais informações estabelecidas em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a serem transmitidas, será exigido do doador e de seu cônjuge, ou da pessoa com quem viva em união estável.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a identificação do doador vir a ser conhecida.
Artigo 5º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos envolvidos, e o documento originado deverá explicitar:
I – a técnica e os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 14 desta Lei;
II – as circunstâncias em que doador ou depositante autoriza ou desautoriza a utilização de seus gametas.
SEÇÃOIII: DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS QUE REALIZAM A PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA
Art. 6º Clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que realizam a Procriação Medicamente Assistida são responsáveis:
I – pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e oportunidade para a realização da técnica de Procriação Medicamente Assistida;
II – pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material biológico humano utilizado na Procriação Medicamente Assistida, vedando-se a transferência a fresco de material doado;
III – pelo registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e aos casos em que foi utilizada a Procriação Medicamente Assistida, pelo prazo de cinqüenta anos após o emprego das técnicas em cada situação;
IV – pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de Procriação Medicamente Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em união estável, na forma definida na Seção II desta Lei;
V – pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados.
Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.
Art. 7º Para obter a licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que aplicam Procriação Medicamente Assistida devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:
I – funcionar sob a direção de um profissional médico;
II – dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as necessidades científicas para realizar a Procriação Medicamente Assistida;
III – dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a Procriação Medicamente Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de cinqüenta anos;
IV – dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas no material biológico a ser utilizado na Procriação Medicamente Assistida com a finalidade de evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo de cinqüenta anos após o emprego do material;
V – informar o órgão competente, a cada ano, sobre suas atividades concernentes à Procriação Medicamente Assistida.
§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo, obrigatória para todos os estabelecimentos que pratiquem a Procriação Medicamente Assistida, será válida por no máximo três anos e renovável ao término de cada período, podendo ser revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.
2º Exigir-se-á do profissional mencionado no inciso I deste artigo e dos demais médicos que atuam no estabelecimento prova de capacitação para o emprego de Procriação Medicamente Assistida.
§ 3º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter, por meio de prontuários, elaborados inclusive para a criança, e de formulários específicos, a identificação dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual, quando imprescindível, na forma do art. 17 desta Lei, a ocorrência ou não de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.
§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das características fenotípicas e amostra de material celular.
§ 5º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos casos especificados nesta Lei.
§ 6º No caso de encerramento das atividades, os estabelecimentos de que trata esta Seção deverão transferir os registros mencionados nos incisos III e IV deste artigo para o órgão competente do Poder Público.
SEÇÃO IV: DAS DOAÇÕES
Art. 8º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida, vedadas a remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:
I – para quais estabelecimentos já realizou doação;
II – as doenças de que tem conhecimento ser portador.
§ 3º A regulamentação desta Lei poderá estabelecer idade limite para os doadores, com base em critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas doados.
Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação e das informações sobre a criança nascida a partir de material doado.
Art. 10 Excepciona-se o sigilo estabelecido no artigo anterior nos casos autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento responsável pelo emprego da Procriação Medicamente Assistida a fornecer as informações solicitadas.
§ 1º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter informações genéticas necessárias para sua vida ou saúde, as informações relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico solicitante.
§ 2º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade civil do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores informações sobre sua saúde.
Art. 11 A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que pratica a Procriação Medicamente Assistida e deverá garantir, tanto quanto possível, semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador e receptor.
Art. 12 Haverá um registro central de doações e gestações, organizado pelo Poder Público com base nas informações periodicamente fornecidas pelos estabelecimentos que praticam Procriação Medicamente Assistida, o qual será obrigatoriamente consultado para garantir que um mesmo doador só origine descendentes para um único par de beneficiários.
Art. 13 Não poderão ser doadores, exceto na qualidade de beneficiários, os dirigentes, funcionários e membros, ou seus parentes até o quarto grau, de equipe de qualquer estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida e os civilmente incapazes.
SEÇÃO V: DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida, poderão ser produzidos e transferidos até três embriões, respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos, obedecido o critério definido no caput deste artigo.
§ 2º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei.
Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida ficam autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão ser entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I – sempre que for solicitado pelo doador ou depositante;
II – sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre e esclarecido;
III – nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante, ressalvada a hipótese em que este último tenha autorizado, em testamento, a utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira.
Art. 16 Serão definidos em regulamento os tempos máximos de:
I – preservação de gametas depositados apenas para armazenamento;
II – desenvolvimento de embriões in vitro.
Art. 17 A pré-seleção sexual só poderá ocorrer nos casos em que os beneficiários recorram à Procriação Medicamente Assistida em virtude de apresentarem probabilidade genética para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao sexo, mediante autorização do Poder Público.
SEÇÃO VI: DA FILIAÇÃO
Art. 18 Será atribuída aos beneficiários a condição de pais da criança nascida mediante o emprego das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.
Parágrafo único. É assegurado ao doador e à criança de que trata este artigo o direito recíproco de acesso, extensivo a parentes, a qualquer tempo, por meio do depositário dos registros concernentes à procriação, observado o disposto no inciso III do art. 6º, para o fim de consulta sobre disponibilidade de transplante de órgãos ou tecidos, garantido o anonimato.
Art. 19 O doador e a genitora substituta, e seus parentes biológicos, não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Procriação Medicamente Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais.
Art. 20 As conseqüências jurídicas do uso da Procriação Medicamente Assistida, quanto à filiação, são irrevogáveis a partir do momento em que houver embriões originados in vitro ou for constatada gravidez decorrente de inseminação artificial.
Art. 21 A morte dos beneficiários não restabelece o pátrio poder dos pais biológicos
Art. 22 O Ministério Público fiscalizará a atuação dos estabelecimentos que empregam técnicas de Procriação Medicamente Assistida, com o objetivo de resguardar os direitos do nascituro e a saúde e integridade física das pessoas, aplicando-se, no que couber, as disposições do Capítulo V da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
SEÇÃO VII: OS CRIMES
Art. 23 Praticar a redução embrionária:
Pena – reclusão de um a quatro anos.
Parágrafo único. Não se pune a redução embrionária feita por médico se não houver outro meio de salvar a vida da gestante.
Art. 24 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem estar previamente capacitado para a atividade:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Art. 25 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem obter o consentimento livre e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos constantes do documento de consentimento assinado por eles
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Art. 26 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 27 Fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses gametas sem a autorização deste:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 28 Deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, deixar de fornecê-las nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não autorizados, consoante as determinações desta Lei:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa
Art. 29 Utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos, salvo na hipótese em que o depositante tenha autorizado, em testamento, a utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa
Art. 30 Implantar mais de três embriões na mulher receptora:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa
Art. 31 Realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o disposto nesta Lei:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 32 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de genitora substituta:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Art. 33 Produzir embriões além da quantidade permitida:
Pena – reclusão de três a seis anos, e multa.
Art. 34 Armazenar, destruir, ou ceder embriões, ressalvados os casos previstos nesta Lei:
Pena – reclusão de três a seis anos, e multa.
Art. 35 Deixar de implantar na mulher receptora os embriões produzidos, exceto no caso de contra-indicação médica:
Pena – detenção de dois a seis anos, e multa
Art. 36 Utilizar gameta:
I – doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe de qualquer estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida ou seus parentes até o quarto grau, e pelo civilmente incapaz;
II – de que tem ciência ser de um mesmo doador para mais de um par de beneficiários;
III – a fresco ou sem que tenha sido submetido ao controle de doenças infecto-contagiosas:
Pena – reclusão de três a seis anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre:
I – o médico que usar o seu próprio gameta para realizar a Procriação Medicamente Assistida, exceto na qualidade de beneficiário;
II – o doador que omitir dados ou fornecer informação falsa ou incorreta sobre qualquer aspecto relacionado ao ato de doar.
Art. 37 Realizar a procriação medicamente assistida em pessoas que não sejam casadas ou não vivam em união estável:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre o homem ou a mulher que solicitar o emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não o cônjuge ou a companheira ou o companheiro.
Art. 38 A prática de qualquer uma das condutas arroladas nesta seção acarretará a perda da licença do estabelecimento de procriação medicamente assistida, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
Art. 39 O estabelecimento e os profissionais médicos que nele atuam são, entre si, civil e penalmente responsáveis pelo emprego da Procriação Medicamente Assistida.
SEÇÃO VIII: DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 40 O Poder Público regulamentará esta Lei, inclusive quanto às normas especificadoras dos requisitos para a execução de cada técnica de Procriação Medicamente Assistida, competindo-lhe também conceder a licença aos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida e fiscalizar suas atuações.
Art. 41 Os embriões congelados existentes até a entrada em vigor da presente Lei poderão ser utilizados, com o consentimento das pessoas que os originaram, na forma permitida nesta Lei.
§ 1º Presume-se autorizada a utilização, para reprodução, de embriões originados in vitro existentes antes da entrada em vigor desta Lei, se, no prazo de sessenta dias a contar da data da publicação desta Lei, os depositantes não se manifestarem em contrário.
§ 2º Incorre na pena prevista no crime tipificado no art. 34 aquele que descartar embrião congelado anteriormente à entrada em vigor desta Lei.
Art. 42 A União poderá celebrar convênio com os Estados, com o Distrito Federal e com os Municípios para exercer, em conjunto ou isoladamente, a fiscalização dos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida.
Art. 43 Esta Lei entrará em vigor no prazo de um ano a contar da data de sua publicação.
ANEXO B – RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/92
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;
CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de infertilidade humana;
CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais;
CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica;
CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;
RESOLVE:
Art. 1º – Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.
Art. 2º – Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.
São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992.
IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ
Presidente
HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL
Secretário-Geral
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053.
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
I – PRINCÍPIOS GERAIS
1 – As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.
2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.
3 – O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.
4 – As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 – É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana.
6 – O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.
7 – Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
II – USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA
1 – Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em documento de consentimento informado.
2 – Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.
III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 – um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico.
2 – um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões.
3 – um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.
IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 – A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.
2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 – Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.
6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.
V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.
2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
VI – DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES
As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.
1 – Toda intervenção sobre pré-embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
2 – Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões “in vitro”, não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
3 – O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões “in vitro” será de 14 dias.
VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.
1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
ANEXO C – LEI Nº 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995
Regulamenta os incisos II. e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte do organismo geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.
Art. 2º As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial que envolvam OGM no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências advindas de seu descumprimento.
§ 1º Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidades como sendo aqueles conduzidos em instalações próprias ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica ou científica.
§ 2º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.
§ 3º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, define-se:
I – organismo – toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser conhecidas;
II – ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN) – material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
III – moléculas de ADN/ARN recombinante – aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV – organismo geneticamente modificado (OGM) – organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
V – engenharia genética – atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante.
Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural;
Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida através das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:
I – mutagênese;
II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;
IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.
Art. 5º (VETADO)
Art. 6º (VETADO)
Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei:
I – (VETADO)
II – a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do Grupo II;
III – a emissão do registro de produtos contendo OGM ou derivados de OGM a serem comercializados para uso humano, animal ou em plantas, ou para a liberação no meio ambiente;
IV – a expedição de autorização para o funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM;
V – a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto contendo OGM ou derivado de OGM;
VI – manter cadastro de todas as instituições e profissionais que realizem atividades e projetos relacionados a OGM no território nacional;
VII – encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico, todos os processos relativos a projetos e atividades que envolvam OGM;
VIII – encaminhar para publicação no Diário Oficial da União resultado dos processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão do parecer técnico;
IX – aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts. 11 e 12.
Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:
I – qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei:
II – a manipulação genética de células germinais humanas;
III – a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
IV – a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;
V – a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
VI – a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.
§ 1º Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis.
§ 2º Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo II conforme definido no Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente.
§ 3º (VETADO)
Art. 9º Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio), além de indicar um técnico principal responsável por cada projeto específico.
Art. 10. Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito de sua Instituição:
I – manter informados os trabalhadores, de qualquer pessoa e a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre todas as qüestões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;
II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;
III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, visando a sua análise e a autorização do órgão competente quando for o caso;
IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;
V – notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às entidades de trabalhadores, o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;
VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões e providências à CTNBio.
Art. 11. Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos, com exceção dos §§ 1º e 2º e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.
Art. 12. Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de fiscalização referidos no art. 7º, proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes infrações:
I – não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança vigentes;
II – implementar projeto sem providenciar o prévio cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação de OGM, e de seu responsável técnico, bem como da CTNBio;
III – liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua prévia aprovação, mediante publicação no Diário Oficial da União;
IV – operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as normas de biossegurança estabelecidas na regulamentação desta Lei;
V – não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética, ou não enviar relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data de transcorrido o evento;
VI – implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento individual;
VII – deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata, à CTNBio, e às autoridades da Saúde Pública, sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM;
VIII – não adotar os meios necessários à plena informação da CTNBio, das autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e dos demais empregados da instituição ou empresa, sobre os riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados, no caso de acidentes;
IX – qualquer manipulação genética de organismo vivo ou manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1º No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
§ 2º No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar a atividade imediatamente e/ou interditar o laboratório ou a instituição ou empresa responsável.
Art. 13. Constituem crimes:
I – a manipulação genética de células germinais humanas;
II – a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
Pena – detenção de três meses a um ano.
§ 1º Se resultar em:
a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
Pena – reclusão de um a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
Pena – reclusão de dois a oito anos.
§ 3º Se resultar em morte;
Pena – reclusão de seis a vinte anos.
III – a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível;
Pena – reclusão de seis a vinte anos.
IV – a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
Pena – reclusão de três meses a um ano;
V – a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.
Pena – reclusão de um a três anos;
§ 1º Se resultar em:
a) lesões corporais leves;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
e) dano à propriedade alheia;
f) dano ao meio ambiente;
Pena – reclusão de dois a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
f) inutilização da propriedade alheia;
g) dano grave ao meio ambiente;
Pena – reclusão de dois a oito anos;
§ 3º Se resultar em morte;
Pena – reclusão de seis a vinte anos.
§ 4º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio de OGM for culposo:
Pena – reclusão de um a dois anos.
§ 5º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País de OGM for culposa, a pena será aumentada de um terço se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão.
§ 6º O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento desta Lei.
Art. 14. Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Disposições Gerais e Transitórias
Art. 15. Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação.
Art. 16. As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação, deverão adequar-se às suas disposições no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação do decreto que a regulamentar, bem como apresentar relatório circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos em andamento envolvendo OGM.
Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde do homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio ambiente, a CTNBio determinará a paralisação imediata da atividade.
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da República
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson Jobim
José Eduardo De Andrade Vieira