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sábado, novembro 23, 2024

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM MATÉRIA PENAL

Inversão do ônus da prova em matéria penal

A inversão do ônus da prova é um instituto típico das relações de consumo, elencado no Código de Defesa do Consumidor (CDC) com a finalidade de equilibrar as partes da relação entre o consumidor e o fornecedor de produtos ou serviços, protegendo aquele como hipossuficiente, elo mais fraco na relação.

Doutrina recente discute a hipótese do acolhimento dessa inversão na seara criminal, mais especificamente como uma possível arma ao combate do crime organizado. Entretanto, a noção de possibilidade de inversão do ônus probante esbarra no princípio da presunção de inocência, pois sendo o Ministério Público o responsável por demonstrar a origem criminosa em um fato, reunindo provas que sustentem suas alegações, atribuir à parte acusada o encargo de provar algo antes de ser condenado, além de ferir o princípio de que todos são inocentes até que o Estado prove o contrário e que ninguém será obrigado a produzir provas contra si, é também assumir sua fragilidade no embate com o crime organizado.

Os que admitem a transferência de tal instituto para norma penal se apegam a figura de um Estado falido, sem mecanismos suficientes para lidar com um tipo de criminalidade incalculável, resultado de uma sociedade globalizada buscando a qualquer preço uma disputa equilibrada. Nessa visão defensiva, a inversão do ônus da prova nada mais é que uma pessoa a qual fora imputadas fatos criminosos apresentar outra versão do fato em sentido distinto, nas palavras de Mendroni (2008, p. 135): “Não se trata propriamente de “inversão do ônus da prova”, mas a assunção direta de demonstrar outro fato que se contraponha e lhe favoreça em relação ao fato criminoso imputado.” Esse mesmo autor sobre apreensão e sequestro de bens nos casos de investigação de lavagem de dinheiro, considera o instrumento como um dos melhores e mais eficientes no trato do crime organizado, já que o artigo 4º, §2º da Lei nº 9.613/98 diz que: “o juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude da sua origem” dando ao acusado o ônus de comprovar a origem dos seus bens, provando a ligação entre estes e o dinheiro usado para adquiri-los. O Poder Público não seria capaz de comprovar a origem ilícita de todos os valores e bens do agente separando-os dos conseguidos licitamente, desse modo seria possível que apenas o próprio agente fizesse essa diferenciação, recebendo de volta os comprovadamente legais.

Mesmo levando em conta o caráter dinâmico do direito, priorizando cada vez mais os direitos coletivos, não se pode ir de encontro aos fundamentos constitucionais, nem interpretar o direito criminal sob casos isolados, onde o constituinte não especificou tal conduta, não cabe ao julgador modificar as normas, especialmente se versar sobre direitos indisponíveis.

Assim, o melhor entendimento emerge do princípio da proporcionalidade, verificando eventuais excessos ou abusos justificados em uma aparente eficiência na investigação de grupos organizados. Também tal princípio não deve justificar qualquer medida excepcional punindo um fato que não esteja previsto como crime pela lei, em uma sintonia com o princípio da reserva legal. Cunha apud Fernandes (2009, p.21):

Julgamos que a gravidade e o desafio que o tipo de criminalidade em causa coloca ao Estado de Direito Democrático pode justificar alguma limitação a esses princípios tradicionais. Mais como sempre, julgamos que isso deve implicar uma abolição desses princípios, mas tão-só uma restrição adequada e constitucionalmente fundamentada.

Sabemos da urgência de uma atitude jurídica quanto a esses delitos de organizações criminosas, e que as medidas de combate devem ser severas, merecedoras de tratamento diferenciado para tornar eficazes as condutas repressivas do Estado. Contudo, a ofensa aos princípios e as garantias individuais não parece ser a decisão mais acertada para almejarmos uma modificação eficiente e aplicável das regras constitucionais, capaz de implementar a justiça social, sempre em respeito aos fundamento maior, a dignidade humana. Nesse aspecto adverte Mendroni (2009, p.76):

As medidas de combate devem ser fortes, enérgicas, na exata medida da sua necessidade, na medida da prevenção e da repressão requeridas pela própria sociedade na recuperação da ordem pública, nem mais, nem menos, já que as organizações são realidades existentes e infiltradas em vários setores da vida cotidiana, com alto potencial destrutivo e desestabilizador […].

Não falamos também de um garantismo exacerbado, a chave para o problema está em um meio termo, o trabalho mútuo de todas as normas unido a um planejamento, a seriedade nas ações e pessoas envolvidas nelas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.
FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião; MORAIS Maurício Zanoide de. (coord). Crime Organizado-Aspectos Processuais. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 2009.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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