“O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor. Ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele mantém-nos em dia com a ignorância da comunidade.”
OSCAR WILDE
1. Introdução
A imprensa alternativa pode ser conceituada como um conjunto de jornais – geralmente em formato tablóide – e revistas que não se enquadram dentro dos esquemas econômicos e políticos da indústria cultural (ADORNO e HORKHEIMER, 2002, p. 69).
Segundo Kucinski (2003, p. 14-15), no Brasil, existiram basicamente duas modalidades de jornais alternativos: surgidos na década de 60, os de cunho político, com seus ideais nacionalistas e populares ou marxistas; e, a partir dos anos 70, também as publicações influenciadas pelos movimentos de contracultura norte-americanos.
De acordo com esse autor, que pesquisou a imprensa alternativa entre 1964 e 1980, circularam no país, nesse período, cerca de 150 periódicos de vários tipos que tinham, em comum, o embate político e editorial contra a ditadura militar.
Contrapor-se aos interesses dominantes e ao discurso oficial dos governos militares foi também outro eixo em comum da imprensa alternativa – batizada assim em 1975 pelo jornalista Alberto Dines e que já tinha sido chamada de imprensa underground e nanica.
Desse total, apenas 25 jornais ultrapassaram a marca de cinco anos de edição contínua; entretanto, o fechamento dos alternativos não se vincula apenas ao fim da ditadura. “Podemos entender o próprio surgimento da imprensa alternativa dos anos 70 como uma das últimas grandes manifestações da utopia no Brasil” (KUCINSKI, 2003, p. 27).
Um jornal de bairro ou alternativo quase sempre é visto com certo preconceito pelos próprios jornalistas, pelos anunciantes e, porque não dizer, até pelos leitores mais críticos. O pensamento comum entre esses três segmentos parecem ser um só: jornais destinados a comunidades específicas são projetos de pessoas espertas que querem ganhar dinheiro fácil.
Bastou encher as páginas de texto, fotografias, colocar um título ali, outro acolá, e, é claro, vender anúncios, que o jornal está pronto. É um “bico” de jornalista desempregado. Ou pode ser a vitrine de promoção de políticos e presidentes de associações comunitárias, que aproveitam épocas propícias para editar jornais em causa própria. Tem também os não-jornalistas, que se tornam “pequenos empresários da comunicação” utilizando essas publicações principalmente como caça-níqueis.
Duas características que contribuem para a existência dos jornais de bairro são: o desinteresse dos grandes jornais da capital pelos bairros e a regionalização das atitudes dos moradores que podem fazer quase tudo nos locais onde moram (LERER, 1992, p. 45).
Os jornais de bairro têm uma linha de conduta que é a de servir de veículo dos interesses da comunidade, ser o ponto de convergência das atividades dessa comunidade. A vida do jornal é a vida do bairro (LERER, 1992, p. 48).
Este estudo objetiva analisar um jornal alternativo, nesse caso um “jornal de bairro”, percebendo quais são seus principais objetivos e se tais metas são realmente atendidas.
O jornal em questão é o “Jornal Monteiro Lobato”, dirigido aos moradores do Conjunto Residencial Monteiro Lobato, da cidade de Ponta Grossa – PR. Este tablóide já está em seu 4o. ano de vinculação, é bimestral e a distribuição é gratuita.
Antes disso, para que se possa perceber se o Jornal Monteiro Lobato atinge os objetivos propostos e se enquadra na categoria dos “jornais alternativos”.
2. Referencial Teórico
2.1 O Jornal de ontem e de hoje
A imprensa brasileira, historicamente, é marcada por três fases (BAHIA, 1990): de 1808 a 1880, seria a primeira fase do jornalismo brasileiro, marcada pela atividade panfletária, “refletindo as ações políticas revolucionárias que viabilizam a Independência, pacificam o país e preparam a República”. Essa fase caracteriza a pequena imprensa, em que o peso dos jornais não é medido pelo seu tamanho, pela sua qualidade, pelo prestígio. O que prevalece é a idéia, o que está impresso.
A segunda fase do jornalismo se instalaria a partir de 1880, notadamente em fins do século XIX e começo do século XX, quando a imprensa começa a ser preparar para o estágio empresarial. São feitos mais investimentos na renovação do parque gráfico e aumenta o consumo do papel.
O advento da censura, com a formação do Estado Novo, marca a terceira fase da imprensa brasileira. Juarez Bahia a classifica como “um dos mais lamentáveis episódios da história do periodismo latino-americano” por implantar a censura ou “regime de rolha” com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em 1939.
2.2 Jornal alternativo
O termo “jornal alternativo” começou a ser utilizado para os informativos, em tamanho tablóide, que circularam no Brasil, a partir da década de 70, fazendo uma oposição intransigente ao regime militar (CHINEM, 1995). Tinham em comum a coragem de publicar notícias que contestavam as ações governamentais vigentes, que não podiam sair na grande imprensa, envolvida com a censura. Eram também conhecidos como imprensa nanica, de leitor, independente e “underground” .
Segundo o escritor e jornalista Rivaldo Chinem, surgiram e depois desapareceram no país cerca de 300 periódicos, entre 1964 e 1990. Esses jornais se opunham sistematicamente ao regime militar. Em suas páginas havia denúncias de violência dos direitos humanos e críticas ao modelo econômico. Alternativo é algo que não está ligado aos interesses ou tendências políticas dominantes.
Bahia (1990) reforça que a imprensa nanica representou contestação, insubmissão, marginalidade e independência, alimentando a resistência da sociedade à censura severa sobre a imprensa. As publicações eram editadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Piauí, Acre, Mato Grosso, Paraná, Bahia, Pernambuco, entre outros estados, cobrindo os 20 anos de ditadura militar no Brasil.
Os jornais que fazem a grande imprensa, e que se opõem aos alternativos, são aqueles ligados à classe econômica que os podem manter. Eles têm a função de servir como esclarecedores da sociedade, só que o fazem só até o limite do interesse dos seus proprietários. São vinculados à manutenção de um grupo econômico, político e institucional.
Algumas características da imprensa alternativa são a tiragem reduzida de cada impressão, repercussão reduzida, busca da análise, da denúncia e da crítica nas matérias e uso da linguagem coloquial, inclusive de gírias. Essas especificações não são preponderantes nos jornais da chamada grande imprensa.
Para o jornalista Clóvis Rossi (1987), os jornais alternativos são paliativos contra o reduzido conteúdo político-ideológico da imprensa brasileira. Ele ressalta ainda que “esses veículos são de conteúdo claramente ideológico, em sua esmagadora maioria, e refletem, no geral, posições de agrupações políticas que, pela ausência de um regime realmente democrático no país, não tiveram, até aqui, possibilidades de legalização”.
Rossi avalia que essas publicações têm severas restrições econômicas pela dificuldade de obter anúncios e ter circulação relativamente reduzida, além de sofrerem violência por parte dos setores antidemocráticos. Na sua opinião, acabam não cumprindo um dos papéis básicos reservados à imprensa, que é o de conscientizar a população para os problemas nacionais.
Comparando as conceituações acima apresentadas sobre o jornalismo alternativo, observa-se que têm em comum o fato de mencionarem o contexto político e econômico como preponderantes para justificar a existência desse tipo de jornal. Sob esse aspecto, o jornal tema desse estudo atende em parte à concepção dos referidos autores.
Nota-se que o Jornal do Monteiro Lobato não nasce com a pretensão de ser porta-voz de partidos políticos. Não é reacionário e nem atua na clandestinidade, combatendo o regime político e econômico instalado. Como veículo de comunicação dirigida a um determinado público (os moradores do Conjunto Residencial), sem ligação direta a grupos empresariais e políticos, tem seu caráter alternativo evidenciado por oferecer uma oportunidade de um determinado segmento – os moradores dos dois bairros.
São focalizados em suas páginas, temas que tocam a comunidade mas que não são de interesse do grande público, para serem noticiados pelos grandes jornais. É alternativo sob o ponto de vista de que tem mais liberdade para fazer críticas e denúncias contra pessoas e instituições; para ouvir fontes das mais diversas correntes ideológicas; para abordar temas censurados em jornais de maior circulação.
3. Jornal Monteiro Lobato
Inicialmente, vê-se que o Jornal Monteiro Lobato tem as características doravante citadas da imprensa alternativa:
– a tiragem reduzida de cada impressão: são 1.000 exemplares publicados, sendo que 768 delas são distribuídos nos apartamentos (um para cada apartamento) e os outros são entregues a anunciantes, e para os demais interessados da comunidade;
– repercussão reduzida: apenas aos moradores do Conjunto Residencial homônimo;
– uso da linguagem coloquial, inclusive de gírias.
Além disso, como Rossi bem avaliou, essa publicação tem severas restrições econômicas pela dificuldade de obter anúncios. São poucos anunciantes, como: Domínio Desinsetizadora; Pastelaria Princesa; Piú Pizza; Táxi Orlando (morador do Conjunto Residencial); S.O.S. Monteiro (o proprietário mora em um dos apartamentos; Portela Cabeleireiros (nos arredores do núcleo); Lojinha da Julia (dentro do conjunto) e vários classificados.
Nota-se que o jornal é uma fonte de divulgação dos acontecimentos do Conjunto Residencial, com a publicação de matérias, notas, entrevistas com personalidades do conjunto e pessoas de reconhecimento público que não moram ali, mas que contribuem com informações importantes para a vida dos seus moradores – no exemplar observado, tem uma crônica escrita pela escritora e poeta Luísa Cristina dos Santos Fontes. Cerca de 90% das matérias são voltadas para assuntos internos e os 10% restantes tratam de temas externos à área.
Concorda-se com Martins (1995) quando afirma que as informações de veículos de comunicação popular atendem normalmente a interesses de grupos específicos. No caso do jornal alternativo analisado, o alvo é a comunidade do Conjunto Residencial Monteiro Lobato.
Ao focalizar os temas de interesses local, o jornal se utiliza de um critério adotado pelo jornalismo de pequenos meios que é “manter a comunidade informada sobre fatos importantes para que seus membros possam agir sobre ela, uma vez que grande parte do universo destes grupos específicos não tem acesso à grande imprensa” (MARTINS, 1995, p. 21).
4. Considerações finais
O comunicólogo Marcos Palácios (1992, p. 2) refere-se aos bairros como enclaves comunitários, afirmando que “são valorizados como núcleos de resistência, com formas de sociabilidade a serem preservados, incentivando a multiplicação como antídoto à crescente massificação, despersonalização, desagregação e alienação que caracterizam a sociedade moderna”.
Considera-se o Conjunto Residencial Monteiro Lobato como exemplo de enclave comunitários. E o jornal Monteiro Lobato um veículo que tenta dar uma personalidade a essa comunidade específica dentro do que é o Bairro Jardim Carvalho, onde está inserida.
Entretanto, o jornal não cria uma personalidade para o bairro, uma vez que ele tem características próprias que o faz diferente de outros bairros da cidade de Ponta Grossa. Na verdade, percebe-se que a intenção é mostrar às pessoas que lá residem que formam um conjunto urbano e que, devido à dinâmica da sociedade moderna, muitos não se dão conta de que formam sequer uma comunidade.
Citando um termo utilizado por Palácios, nota-se que a publicação se propõe a ser um “antídoto” contra a massificação das informações veiculadas na grande mídia, que deixa uma fresta muito pequena para olhar para as reentrâncias da realidade dos bairros.
Conclui-se, então, que o Jornal Monteiro Lobato tem uma função produtiva, resultando num veículo de comunicação comunitária eficiente sob o aspecto de oferecer motivação para que ocorram mudanças nas relações sociais dos moradores dali. Ao defender os interesses comuns dos moradores, o jornal cria uma empatia entre eles, uma identificação capaz de minimizar as diferenças.
REFERÊNCIAS
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: História da Imprensa Brasileira. Editora Ática, 1990
CHINEM, Rivaldo. Imprensa Alternativa: Jornalismo de Oposição e Inovação. Ed. Ática, Série Princípios, 1995.
JORNAL MONTEIRO LOBATO. Conjunto Residencial Monteiro Lobato. Julho/Agosto de 2007 – Distribuição Gratuita.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Edusp, 2003.
LERER, Bernardo. Jornal de bairro ajuda a desenvolver a vida comunitária. Folheto editado pelo Jornal Estado de São Paulo, 1992, p. 45 a 48.
MARTINS, Vera. Comunicação Comunitária na Cidade de Salvador. UFBA (Facom): Salvador, 1995.
PALÁCIOS, Marcos. Comunidade e Comunicação Comunitária em Tempo de Pós-Modernidade. São Paulo: Ática, 1992.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. Ed. Brasiliense, Coleção Primeiros passos, 1981.