Autoria: Adriana Zunino
Kekulé foi aclamado, na sua época, como um dos melhores professores de Química do mundo. Porém, atualmente, ele é mais reconhecido por suas explicações sobre como os átomos se ligam, pela noção de valência (1858) e, principalmente, por ter resolvido um dos problemas teóricos que mais desafiaram os cientistas, em meados do século passado: a estrutura do benzeno.
Em 1865, ele propôs uma fórmula estrutural satisfatória para o benzeno, o que foi conseguido através de um sonho, depois de muito tempo estudando o assunto.
O texto a seguir foi extraído de um discurso feito por Kekulé na prefeitura de Berlim, em 1890, em comemoração ao 25º aniversário do anúncio da fórmula do benzeno:
Vocês estão celebrando o jubileu da teoria do benzeno. Eu devo, antes de tudo, falar-lhes que, para mim, a teoria do benzeno foi somente uma conseqüência, e uma conseqüência muito óbvia das idéias que eu formava sobre as valências dos átomos e da natureza de suas ligações; as idéias, portanto, as quais nós hoje chamamos de teoria da valência e estrutural. O que mais eu poderia ter feito com as valências não utilizadas? Durante minha estada em Londres, eu residi em Clapham Road… Freqüentemente, no entanto, passava as noites com meu amigo Hugo Mueller… Nós conversávamos sobre muitas coisas, mas, com mais freqüência, de nossa amada química. Em um agradável anoitecer de verão, estava retornando no último ônibus, sentado do lado de fora, como de costume, trafegando pelas ruas desertas da cidade… Eu caí em devaneio, e vejam só, os átomos estavam saltando diante dos meus olhos! Até agora, sempre que esses seres diminutos haviam aparecido para mim, estavam sempre em movimento; mas até aquele momento eu não fora capaz de perceber a natureza de seus movimentos. Agora, entretanto, eu via como, freqüentemente, dois átomos menores uniam-se para formar um par; como um maior abraçava os outros dois menores; como outros ainda maiores retinham três ou mesmo quatro dos menores; enquanto o conjunto mantinha-se girando em uma dança vertiginosa. Vi como os maiores formavam uma cadeia, arrastando os menores atrás de si, mas somente nos finais da cadeia… O grito do motorista: “Clapham Road” acordou-me do sonho; mas passei uma parte da noite colocando no papel pelo menos o esboço dessas formas de sonho. Essa foi a origem da “teoria estrutural”.
Algo semelhante aconteceu com a teoria do benzeno. Durante minha estada em Ghent, morava em elegantes aposentos de solteiro na via principal. Meu escritório, no entanto, tinha frente para um beco estreito e nenhuma luz do dia penetrava nele… Estava sentado escrevendo mau livro didático, mas o trabalho não progredia; meus pensamentos estavam em outro lugar. Virei minha cadeira para o fogo e cachilei. Novamente os átomos estavam saltando diante dos meus olhos. Nessa hora, os grupos menores mantinham-se modestamente no fundo. Meu olho mental, que se tornara mais aguçado pelas visões repetidas do mesmo tipo, podia agora distinguir estruturas maiores de conformações múltiplas: fileiras longas, às vezes mais apertadas, todas juntas, emparelhadas e entrelaçadas em movimento como o de uma cobra. Mas veja! O que era aquilo? Uma das cobras havia agarrado sua própria cauda, e essa forma girava zombeteiramente diante dos meus olhos. Acordei como se por um raio de luz; e então, também passei o resto da noite desenvolvendo as conseqüências da hipótese. (Benfey, journal of Chemical Education, vol.35, 1958, p.21).
Extraído do livro de Química,
João Usberco e José Salvador