Autor: Vanessa Bottoni
A leptospirose é uma doença infecciosa febril, aguda, potencialmente grave, causada por uma bactéria, a Leptospira interrogans. É uma zoonose (doença de animais) que ocorre no mundo inteiro, exceto nas regiões polares. Acomete o Homem e os animais.
Agente Etiológico: o gênero Leptospira é um dos componentes da família dos Espiroquetídeos, onde estão reunidos os microrganismos com morfologia filamentosa, espiralados, visualizados apenas pela microscopia de campo escuro e de contraste de fase, com afinidade tintorial pelos corantes argênticos. Nesse gênero aceita-se atualmente a existência de duas espécies: L.interrogans e L.biflexa, as quais reúnem, respectivamente, as estirpes patogênicas e aquelas saprófitas de vida livre, encontradas usualmente em água doce de superfície.A diferenciação em espécie apoia-se nas características de crescimento em meios de cultivo enriquecidos; no entanto, do ponto de vista taxonômico, as características antigênicas decorrentes de antígenos de parede, com natureza lipoproteica, possibilitam as diferenciações sorológicas que superam a cifra de 200 exemplares para a espécies L. interrogans, as quais com base em relações antigênicas são reagrupadas em sorogrupos.
Transmissão
A leptospirose é primariamente uma zoonose. Acomete roedores e outros mamíferos silvestres e é um problema veterinário relevante, atingindo animais domésticos (cães, gatos) e outros de importância econômica (bois, cavalos, porcos, cabras, ovelhas). Esses animais, mesmo quando vacinados, podem tornar-se portadores assintomáticos e eliminar a L. interrogans junto com a urina.
O rato de esgoto (Rattus novergicus) é o principal responsável pela infecção humana, em razão de existir em grande número e da proximidade com seres humanos. A L. interrogans multiplica-se nos rins desses animais sem causar danos, e é eliminada pela urina, às vezes por toda a vida do animal. O homem é infectado casual e transitoriamente, e não tem importância como transmissor da doença. A transmissão de uma pessoa para outra é muito pouco provável.
A L. interrogans eliminada junto com a urina de animais sobrevive no solo úmido ou na água, que tenham pH neutro ou alcalino. Não sobrevive em águas com alto teor salino. A L. interrogans penetra através da pele e de mucosas (olhos, nariz, boca) ou através da ingestão de água e alimentos contaminados. A presença de pequenos ferimentos na pele facilita a penetração, que pode ocorrer também através da pele íntegra, quando a exposição é prolongada.
Sinais Clínicos
A maioria das pessoas infectadas pela Leptospira interrogans desenvolve sintomas discretos ou não apresenta manifestações da doença. As manifestações da leptospirose, quando ocorrem, em geral aparecem entre 2 e 30 dias após a infecção (período de incubação médio de dez dias). Os sintomas são muito variados:
vômitos
dor de cabeça
calafrios
febre elevada
fraqueza
dores musculares, principalmente na barriga da perna
coloração amarelada da pele
alteração de volume urinário
hemorragias na pele e mucosas
A infecção humana varia muito em gravidade, desde formas subclínicas até as formas graves ou fatais. Qualquer sorovar pode causar a forma grave ou branda. A doença, na maioria dos casos, se inicia abruptamente com febre, mal-estar geral e cefaléia, descrevendo-se duas formas clínicas, anictérica e ictérica.
Medidas de Controle
Vários fatores interagem na ocorrência de um caso de leptospirose, portanto, as medidas de controle deverão ser direcionadas não só ao controle de roedores (medidas de anti-ratização e desratização), como também à melhoria das condições higiênico-sanitárias da população e alterações do meio ambiente. Entre as principais medidas de controle da leptospirose destacam-se:
controle da população de roedores por meio de medidas de anti-ratização e desratização;
redução do risco de exposição de ferimentos às águas/lama de enchentes ou situação de risco;
medidas de proteção individual para trabalhadores ou indivíduos expostos a risco, através do uso de roupas especiais, luvas e botas;
uso de sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés representam alguma proteção, quando for possível usar luvas e botas;
limpeza e desinfecção com hipoclorito de sódio de áreas físicas domiciliares ou que não estejam contaminadas;
utilização de Agua filtrada, fervida ou clorada para ingestão;
vigilância sanitária dos alimentos, descartando os que entraram em contato com águas contaminadas;
armazenagem correta dos alimentos em locais livres de roedores;
armazenagem e destino adequado do lixo, principal fonte de alimento e abrigo do roedor;
eliminar entulho, materiais de construção ou objetos em desuso que possam oferecer abrigo a roedores;
desassoreamento, limpeza e canalização de córregos;
construção e manutenção permanente das galerias de águas pluviais e esgoto em áreas urbanas;
emprego de técnicas de drenagem de águas livres supostamente contaminadas;
ações permanentes de educação em saúde alertando sobre as formas de transmissão, medidas de prevenção, manifestações clínicas, tratamento e controle da doença;
em caso de suspeita clínica, procurar orientação médica, relatando a história epidemiológica nos vinte dias que antecederam os sintomas ;
a critério médico, poderá ou não ser indicado o uso de antibioticoterapia em casos de exposição de alto risco;
tratamento de animais doentes, com especial atenção para o uso de procedimentos terapêuticos que sustem a eliminação urinária de leptospiras;
vacinação de animais (caninos, bovinos e suínos) através do uso de bacterinas preparadas com as variantes sorológicas prevalentes na região; e
higiene, remoção e destino adequado de excretas animais e desinfecção permanentes dos canis ou locais de criação de animais.
Leptospirose Animal
A leptospirose é uma zoonose na qual os animais são hospedeiros primários, essenciais para a persistência dos focos da infecção, e os seres humanos são hospedeiros acidentais, terminais, pouco eficientes na perpetuação da mesma. Esses fatos ressaltam a importância do direcionamento das ações preventivas para os animais vertebrados que se comportam como reservatórios de leptospiras. O impacto da leptospirose em termos da saúde pública reflete-se no alto custo do tratamento dos seres humanos acometidos com letalidade da ordem de 5% a 20%. No entanto, quanto à saúde animal, as conseqüências dessa infecção são particularmente da esfera econômica, tendo em vista o envolvimento de bovinos, eqüinos, suínos, caprinos e ovinos, espécies animais produtoras de alimentos nobres como a carne, o leite, e ainda de produtos de interesse industrial, tais como a lã e o couro. A leptospirose animal representa, portanto, um ponto de preocupação para os profissionais envolvidos com a saúde animal e saúde pública. A melhoria das ações de controle voltadas aos animais refletirá na diminuição do nível de contaminação ambiental e, conseqüentemente, na redução do número de casos humanos da doença.
Agente Etiológico: o agente etiológico da leptospirose animal é o mesmo da leptospirose humana. Cada sorovar tem o(s) seu(s) hospedeiro(s) preferencial(ais), porém uma espécie animal pode albergar um ou mais sorovares.
Aspectos Epidemiológicos da Leptospirose Animal: as leptospiras podem hospedar-se em diversos grupos de animais vertebrados; no entanto, os mamíferos são os que, na atualidade, apresentam maior significado epidemiológico. Inquéritos conduzidos em ecossistemas silvestres, não modificados pela ação humana, referem a presença da infecção em roedores, marsupiais, carnívoros e edentados. No entanto, em ecossistemas rurais e urbanos, o principal reservatório de leptospira é constituído pelos roedores sinantrópicos, entre os quais o Rattus norvegicus (ratazana ou rato de esgoto), que ocupa no mundo todo uma posição de destaque. Saliente-se que, neste grupo de animais, a relação hospedeiro- parasita revela uma condição de equilíbrio na qual os animais acometidos, usualmente, não exteriorizam nenhum sinal da infecção.
Modo de Transmissão: a penetração da leptospirose ocorre ativamente através de mucosas (ocular, digestiva, respiratória, genital), da pele escarificada e inclusive da pele íntegra, como ocorre quando da permanência por tempo prolongado em coleções de água contaminada. A eliminação da leptospira ocorre através da urina, de forma intermitente, podendo persistir por períodos de tempo de longa duração, variáveis com as espécies animais e a variante sorológica da leptospira envolvida; nos roedores, a presença de leptospira pode ser registrada permanentemente na urina. Devido à uretra constituir-se na via comum para eliminação de urina e sêmen, é possível que este último também venha a ser contaminado por leptospiras o que torna possível a transmissão venérea por leptospirose animal, tanto pela monta natural, como através da inseminação artificial.
Aspectos Clínicos: dentre os animais de produção, explorados em ecossistemas rurais, as manifestações clínicas mais freqüentes atingem a esfera reprodutiva, incluindo o abortamento, usualmente no terço final da gestação. Em algumas oportunidades, as reprodutoras atingidas podem apresentar infertilidade ou mesmo esterilidade. O nascimento de produtos a termo debilitados evoluem para o óbito nos primeiros dias de vida, é também outra manifestação da infecção. Alguns sinais em particular podem ser observados de acordo com a espécie animal e em determinadas faixas etárias. Em suínos jovens, durante a fase de aleitamento, podem ocorrer quadros de encefalite por leptospiras, que se manifestam por incoordenação motora e acessos convulsivos com movimento de pedalamento. Em bezerros jovens, pode ser observado um quadro febril com icterícia e hemoglobinúria, o qual solicita o estabelecimento de um diagnóstico diferencial com a tristeza parasitária (infecção por hematozoários). Em vacas adultas das raças com aptidão leiteira, pode haver a infecção da glândula mamária e o quadro clínico é o de uma mastite atípica, com sensível diminuição da secreção láctea, úbere flácido e o leite manchado por coágulos de sangue. Nos eqüinos as manifestações clínicas mais freqüentemente associadas à leptospirose são o comprometimento do globo ocular com o aparecimento de uma conjuntivite recidivante, que pode evoluir para a cegueira, caso não seja introduzido o tratamento adequado, abortamento esporádico e infertilidade. Dentre os animais de companhia mantidos nas áreas urbanas junto ao domicílio humano, a leptospirose pode acometer o cão doméstico, provocando quadros febris com sinais variáveis de hemorragias, icterícia e uremia com alto grau de letalidade e óbito decorrente das insuficiências hepática e renal. As fontes de infecção animal podem ser sumarizadas em doentes, portadores convalescentes e os portadores sadios. Através dos animais portadores, ocorre a persistência dos focos de leptospirose, devido à longa duração desta condição (meses ou anos) e à ampla facilidade de deslocamento que pode ser oferecida a estes animais, uma vez que os mesmos não revelam nenhum sinal da infecção.
Diagnóstico: o diagnóstico da leptospirose animal deve apoiar-se na integração dos informes clínicos-epidemiológicos com os dos resultados dos exames laboratoriais. A confirmação definitiva da infecção assenta-se na demonstração da presença do microrganismo ou dos anticorpos específicos. A soroaglutinação microscópica é o procedimento laboratorial mais amplamente empregado para o diagnóstico etiológico da infecção animal. Outros métodos são dispendiosos, de resultado demorado, aplicando-se apenas a casos individuais e ou animais de alto valor estimativo ou econômico.
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