Autor: Carla Teves Honório
Devido à participação cada vez maior nos exercícios e nos desportos nos anos mais recentes pressagiou uma maior incidência de lesões dos cruzados. A lesão do LCA é muito mais comum do que a lesão do LCP. A lesão do LCA ocorre mais freqüentemente em resposta a uma carga em valgo em combinação com rotação tibial externa ou à hiperextensão com rotação tibial interna.O primeiro mecanismo ocorre tipicamente nas tentativas de manobras com cortes rápidos com o pé em contato com o solo e o joelho em flexão. A situação é exacerbada se, enquanto o pé está em contato com o solo, é aplicada uma força ao joelho. Isso é comum nos desportos em contato como o futebol americano e rúgbi quando outro jogador golpeia a parte lateral do joelho, acentuando a carga em valgo e a rotação. O valgo do joelho, combinado com a rotação tibial externa, cria um estresse significativo para o LCA.
O segundo mecanismo envolve a hiperextensão do joelho com rotação tibial interna. Apesar de ser um mecanismo menos comum, a hiperextensão pode ser o mecanismo predominante em certas populações, como os jogadores de basquete ou os ginastas, cujas lesões ocorrem freqüentemente quando descem após um salto.
Mecanismo de lesão do LCA. Hiperextensão da articulação do joelho direito ao aterrar após uma manobra de ginástica.
Números estudos observaram um aumento alarmante de lesões do LCA em mulheres atletas. Existe uma desproporção entre estas lesões e aquelas observadas em homens. As mulheres jogadoras de futebol intercolegial, por exemplo, têm uma probabilidade 2,6 vezes maior de sofrer lesões do LCA que seus congêneres do sexo masculino do mesmo desporto. No basquete este número aumenta para 5,75 vezes. As razões para estas diferenças nas taxas de lesões do LCA são obscuras. Entre os fatores predisponentes sugeridos estão uma pelve mais larga nas mulheres, maior flexibilidade, musculatura menos desenvolvida, músculo vasto medial oblíquo hipoplástico, chanfradura femoral estreita, joelho valgo (genu valgum) e torção tibial externa. Também devem ser levados em conta os seguintes
fatores: o movimento corporal no desporto, a força e a coordenação muscular, as características da superfície do calçado, o nível de condicionamento, a frouxidão articular, o alinhamento dos membros e o tamanho do ligamento.
A lesão do LCP é mais rara do que do LCA. As causas de lesão do LCP variam, porém cerca de metade dos casos é devida a um traumatismo que resulta de acidentes automobilísticos. A maioria dos demais casos é resultado de atividades desportivas. Existem muitos mecanismos de falha do LCP. Mais comumente, a lesão do LCP ocorre em batidas de automóveis quando um passageiro sem contenção é arremessado na direção do painel. Com o joelho flexionado em 90º, o LCP fica esticado e a cápsula posterior fica relaxada. A força de impacto projeta a tíbia posteriormente e acarreta a ruptura do LCP.
Em uma queda com o joelho flexionado com o pé em flexão plantar, o impacto o corre sobre a tuberosidade tibial. O fêmur proximal é de novo projetado posteriormente.
A flexão forçada do joelho com o pé em flexão plantar ou dorsiflexão pode resultar em lesão do LCP.
A hiperextensão súbita e violenta do joelho pode causar ruptura do LCP e, com certa freqüência, este mecanismo produz um dano concomitante do LCA.
O desvio rápido da sustentação do peso de um pé para o outro, rodando o corpo rapidamente sobre um joelho com flexão mínima, acarreta rotação interna e translação anterior do fêmur e resulta em dano do LCP (Andrews, Edwards e Satterwhite, 1994).
A lesão de qualquer um dos ligamentos cruzados pode ser uma lesão isolada ou pode ocorrer em combinação com o dano de outras estruturas. Um exemplo de lesão combinada é aquele conhecido variegadamente como tríade (ou triângulo) de O’Donoghue, ou a tríade “infeliz” na qual o LCA, o ligamento colateral medial (LCM) e o menisco medial são lesionados. Essa lesão envolve tipicamente o mecanismo de valgo-rotação externa já descrito.
Reconstrução Intra-artucular do Ligamento Cruzado Anterior (LCA)
1 – Indicações para cirurgia
Ruptura aguda grave ou insuficiência crônica do LCA levando a translação anterior anormal da tíbia sobre o fêmur e instabilidade ou arqueamento do joelho. O teste de mudança de pivô é também anormal. Um déficit do LCA está geralmente associado com lesões de outras estruturas do joelho, como o ligamento colateral medial, resultando em instabilidade rotatória da articulação.
Rupturas parciais que resultem em limitação de atividades funcionais em indivíduos ativos.
Manejo conservador (não operatório) falho de uma laceração do LCA.
2 – Manejo pós-operatório
Imobilização
1 – Posição da imobilização
Após uma reconstrução intra-articular do LCA coloca-se no joelho um aparelho controlador de movimento que fica travado em extensão ou leve flexão. Embora as maiores sobrecargas sobre o enxerto ocorram entre 20º de flexão e extensão completa de joelho, a colocação isométrica do enxerto permite que o paciente estenda o joelho com segurança sem prejudicar o enxerto.
Se um procedimento intra-articular de LCA é combinado com um procedimento extra-articular, uma reconstrução do ligamento colateral ou um reparo no menisco medial, o joelho precisa ser imobilizado em aproximadamente 20 a 30º de flexão de joelho.
2 – Duração da imobilização
a. A imobilização completa em uma órtese articulada porém travada não é geralmente necessária após reconstrução com um enxerto patelar autógeno. A mobilização passiva contínua (MPC) é geralmente iniciada dentro da ADM segura imediatamente após a cirurgia.
b. O joelho é mantido imobilizado quando o paciente está andando ou dormindo. O imobilizador é removido ou destravado para o uso de MPC ou exercícios supervisionados. Isso pode ser necessário por 4 ou 6 semanas após a cirurgia.
c. Após uma reconstrução extra-articular de LCA ou reparo do ligamento colateral medial a MPC leva várias semanas para ser iniciada.
Exercícios
1 – Fase de proteção máxima (0 a 6 semanas)
Para controlar a dor e edema pós-operatório, use gelo, compressão e massagem.
Para prevenir atrofia muscular, inicie estimulação elétrica, exercícios isométricos intermitentes de quadríceps e isquiotibiais, e elevações da perna entendida em decúbito dorsal, ventral e lateral, com o aparelho travado em extensão completa de joelho. Ocorre pouca ou nenhuma translação anterior da tíbia sobre o fêmur com a contração muscular do quadríceps quando o joelho está completamente estendido, pois esta é a posição tensionada do joelho.
Para prevenir contraturas e manter ADM use: MPC ou ADM passiva assistida pelo terapeuta indo de extensão completa de joelho até 90º de flexão na 1ª ou 2ª semana após cirurgia. Tem-se mostrado também que a MPC diminui a dor após reconstrução do LCA. Para prevenir translação anterior da tíbia e sobrecarga excessiva sobre o local de enxerto durante o uso da MPC, tem sido sugerido que a unidade deva ser usada sem a faixa para a panturrilha. Deslizamentos na parede em decúbito dorsal assistidos pela gravidade para aumentar flexão do joelho. A parte inferior da perna precisa ser estendida passivamente até a posição inicial pelo terapeuta ou pela perna não envolvida. Deslizamentos patelares para prevenir contraturas do mecanismo extensor. A extensão passiva completa de joelho pode não ser conseguida por uma ou duas semanas até que o edema dos tecidos diminua.
Deslizamento na parede assistido pela gravidade. O paciente flete o joelho até o limite de sua amplitude e mantém a posição para um alongamento mantido no músculo quadríceps femoral.
A deambulação com muletas com o apoio de peso tolerado é iniciada no dia seguinte à cirurgia com o aparelho controlador de movimento travado em extensão. Pode ser conseguido apoio de peso completo no imobilizador de joelho, e o uso de muletas descontinuado já com 2 ou 3 semanas após a cirurgia, se o paciente tiver alcançado extensão de joelho ativa completa. Em um programa de reabilitação mais conservador o paciente pode precisar protelar qualquer sustentação de peso sobre o membro operado por uma semana pós-operatoriamente. Então o apoio de peso é gradualmente progredido nas 6 semanas seguintes.
Para melhorar o controle neuromuscular sobre o membro inferior operado na porção tardia da fase de proteção máxima, podem ser acrescentados e progredidos exercícios bilaterais em cadeia fechada tais como levantar os artelhos estando o aparelho para joelho travado em extensão, exercícios em cadeia aberta e fechada realizados na piscina, extensão de joelho em cadeia aberta assistida, exercícios isométricos de quadríceps e isquiotibiais em múltiplos ângulos, e, mais tarde, bicicleta estacionária.
Precaução:Apesar do fato de pedaços ósseos de um enxerto de tendão patelar estarem bem consolidados dentro dos furos após quatro semanas, e a vascularização dos enxertos estar começando, o enxerto em si está enfraquecido e levemente necrótico com 4 a 6 semanas pós-operatoriamente. Assim, para proteger o enxerto que está cicatrizando, evite atividades do tipo extensão de joelho terminal em cadeia aberta sem assistência que podem causar forças de atrito e translação tibial anterior forçada.
2 – Fase de proteção moderada (6 a 12 semanas)
No início desta fase, se a extensão completa de joelho é possível, estabelece-se o apoio total de peso e as muletas podem ser descontinuadas, mas o paciente precisa continuar a usar a órtese de joelho e na maioria dos casos precisa mantê-la travada quando anda ou realiza atividades de apoio de peso. NOTA: em pacientes cuidadosamente selecionados a órtese de joelho é destravada com 6 semanas pós-operatoriamente.
Antes de passar para exercícios mais vigorosos e exigentes, a integridade do enxerto do LCA, que se reflete pela estabilidade da articulação do joelho, deve ser medida com um artrômetro.
A fase de proteção moderada é caracterizada por exercícios elaborados para aumentar a força do membro inferior e re-estabelecer ADM completa do joelho. Com cerca de 9 semanas, a revascularização do enxerto está se tornando bem estabelecida e, desse modo, os exercícios podem ser mais vigorosos.
Alongamento progressivo para aumentar a ADM e exercícios resistido excêntricos e concêntricos em cadeia aberta e fechada para aumentar a força, estabilidade e resistência à fadiga do quadríceps, isquiotibiais e musculatura do quadril são enfatizados nesta fase da reabilitação.
O paciente deve adquirir 120 graus de flexão de joelho e extensão completa durante esta fase.
A ênfase é colocada no fortalecimento dos extensores e flexores do joelho. O quadríceps deteriora-se rapidamente no período pós-operatório inicial quando a efusão articular persiste apesar da reeducação muscular precoce. O fortalecimento de isquiotibiais é também enfatizado para maximizar a estabilidade dinâmica da face posterior do joelho. O treino resistido é realizado em posições funcionais de apoio de peso sempre que possível. Precaução: evite exercícios de agachamento em cadeia fechada entre 60 e 90 graus e de flexão e extensão terminal de joelho em cadeia aberta com resistência colocada na tíbia distal. Ambos causam translação tibial anterior e podem comprometer o enxerto.
O aparelho articulado é removido várias vezes por dia para deambulação graduada em linha reta.
3 – Fase de proteção mínima e retorno às atividades
Com 12 a 20 semanas pós-operatoriamente, caso o paciente tenha recuperado aproximadamente 75 a 80% da força muscular no joelho, a ênfase é colocada em incorporar ao programa de reabilitação atividades funcionais leves tais como caminhar, correr e exercícios de agilidade. O aparelho de joelho destravado é utilizado durante a maioria das atividades funcionais, particularmente as mais vigorosas que envolvem movimentos de torção, giro ou saltos leves.
Exercícios pliométricos e reabilitação isocinética no espectro de velocidade podem também ser acrescentados ao programa de reabilitação.
Com 20 a 24 semanas a maioria dos indivíduos retorna ao nível de atividade anterior à lesão. O uso funcional do aparelho pode ainda ser necessário durante atividades recreativas de alta intensidade.
Reconstrução Intra-artucular do Ligamento Cruzado Posterior (LCP)
1 – Indicações para cirurgia
Ruptura completa ou avulsão do LCP com instabilidade póstero-lateral e rotatória do joelho.
Insuficiência crônica do LCP associada com instabilidade póstero-lateral, limitações em atividades funcionais e deterioração das superfícies articulares do joelho.
2 – Manejo pós-operatório
Imobilização
O joelho é geralmente imobilizado em extensão completa com um aparelho com trava ou aparelho gessado. Em alguns casos o joelho pode ser imobilizado em 15º de flexão. O imobilizador é usado todo o tempo exceto para MPC ou exercícios supervisionados e domiciliares.
Exercício
NOTA: muitos dos exercícios pós-operatórios nas fases de proteção máxima, moderada e mínima após a reconstrução de LCP são similares aos usados num programa pós-operatório de reabilitação do LCA. Abordaremos a seguir apenas as diferenças, não as semelhanças.
1 – Fase de proteção máxima (0 a 6 semanas)
Após uma cirurgia de reconstrução intra-articular, a MPC é iniciada imediatamente, mas somente dentro de uma amplitude protegida, indo de extensão completa de joelho ou leve flexão até o máximo de 60º de flexão. A flexão de joelho além dos 60º coloca sobrecarga excessiva sobre o enxerto e pode contribuir para falha da reconstrução.
O apoio de peso fica mais restrito após uma cirurgia de LCP que na reconstrução do LCA. O apoio de peso parcial e a deambulação com muletas são necessários por pelo menos 4 a 6 semanas ou mais após uma cirurgia de LCP.
Para aumentar o controle neuromuscular do joelho, comece com exercícios isométricos intermitentes de quadríceps em extensão completa e isométricos em múltiplos ângulos para o quadríceps entre a extensão completa e 60º de flexão de joelho. Acrescente extensão ativa de joelho de 60º de flexão até extensão completa. Precaução: evite contrações musculares fortes dos isquiotibiais, pois provocam translação posterior da tíbia sobre o fêmur e podem comprometer o enxerto que está cicatrizando.
2 – Fases de proteção moderada e mínima
Os exercícios e as atividades de treinamento funcional são progredidos mais lentamente após uma cirurgia de LCP que na reabilitação pós-operatória do LCA.
A ênfase continua sendo no fortalecimento do quadríceps em posições funcionais.
Flexão de joelho resistida em cadeia aberta causa translação posterior da tíbia sobre o fêmur e, desse modo, é protelada por 6 a 12 semanas pós-operatoriamente para proteger o enxerto ou as estruturas que foram transpostas. O controle de isquiotibiais e seu fortalecimento é conseguido com exercícios em cadeia fechada e extensão resistida de quadril em vez de usar flexão resistida de joelho.
Atividades funcionais em cadeia fechada são acrescentadas ao programa mais tarde após uma reconstrução de LCP que após uma cirurgia de LCA., pois o apoio de peso é impedido ou restringido por mais tempo após um procedimento de LCP.
No geral leva aproximadamente 3 meses a mais para retornar às atividades ocupacionais ou recreativas completas após uma cirurgia de LCP que após uma cirurgia de LCA.
Bibliografia
Biomecânica da Lesão Musculoesquelética – William C. Whiting, Ronald F. Zernicke – Editora Guanabara Koogan, 2001.
Exercícios Terapêuticos Fundamentos e Técnicas – Carolyn Kisner, Lynn Allen Colby – Editora Manole, 3ª edição.