Apesar de o mundo já ser uma aldeia globalizada em termos de comunicação, ainda existem intelectuais que dividem a literatura de outra forma: literatura propriamente dita e a subliteratura. Às vezes, nem está em jogo a qualidade da obra, mas a penetração popular dela. Há ainda o questionamento de que sem a comunicação não há o momento estético, mas os elitistas preferem a arte que oculta, que se nega a interagir com o leitor comum, só com alguns. Uma atitude difícil de ser aceita em se tratando de literatura, que prima pela comunicação. Partindo do pressuposto de que o ser humano não vive sem a arte, a pessoa participante da massa informe e ignóbil também tem sua estética, que está seja nos pagodes, na música sertaneja, na MPB, na televisão, nos jornais, nas revistas, ou nos livros, porém é pichada de arte da redundância, de descartável, de produto da indústria cultural. Desta postura nasce também o endeusamento do livro, como única forma de expressão literária e o congelamento dos gêneros literários. No limiar do século XXI, ainda há gente que despreza a revista e o jornal. Exemplo claro disso é a exigência das academias de letras, pois só pode participar delas quem já escreveu um livro, e ainda se critica quem está nela porque escreveu livros de caráter científico.
Costuma-se diferenciar dois tipos de literatura, com regras distintas de produção e consumo: a “culta” e a de “massa” (leia-se também best-seller ou folhetim). O estilo culto implicaria uma intervenção pessoal do escritor, tanto na técnica romanesca corrente quanto na língua nacional escrita. O autor, de certo modo, criaria uma língua própria ao escrever. Seus textos não seriam comandados por fatos reais da história, conteúdos informativos ou pedagógicos que pretendessem chegar como “verdadeiros” à consciência do leitor. Já na literatura considerada de massa, o que importa são os conteúdos “fabulativos” (a intriga com a estrutura clássica de princípio-tensão, clímax, desfecho e catarse), destinados a mobilizar a consciência do leitor, exacerbando sua sensibilidade.
Enquanto produto da literatura de massa ou folhetinesca, o best-seller é resultado do processo de industrialização mercantil e efeito da ação capitalista sobre a cultura, sendo produto das exigências geradas pela sociedade moderna e inscrevendo, em sua produção, as diretrizes ideológicas dominantes de “interpretação e reconhecimento do sujeito humano. A preservação da retórica culta está presente na literatura de entretenimento trivial pela estrutura e pelo conteúdo. A enumeração dos conteúdos explícitos e dos elementos estruturais encontrados na literatura de massa ajuda a iluminar o fenômeno da indústria cultural, mas não o caracterizam de forma definitiva, pois todos os elementos enumerados também podem ser encontrados esporadicamente na chamada alta literatura.
Analisando ainda as pesquisas brasileiras sobre o consumo da literatura de massa e os estímulos que esta pode estar transmitindo, aliados aos da mídia em geral, observa-se determinada incoerência. Se os textos têm como objetivo final serem lidos pelo maior número possível de pessoas, por que até muito recentemente quase não se pesquisava sobre a crítica do leitor ‘comum’ acerca dos textos lidos? Ao se prosseguir nessa linha de raciocínio, identifica-se uma prática que de certa forma denota inversão de valores: analisa-se o texto, como arte ou não, relegando a segundo plano o objetivo primeiro: ser lido por alguém, ou o leitor. Tal prática até recentemente colaborou para que os estudos, postulados e teses sobre leitura ficassem mais no nível teórico, na crítica de conteúdo, relegando o leitor a um patamar secundário, especulativo. Apesar do enfoque de estudos nas ciências sociais na atualidade ter-se direcionado para o individual, a subjetividade, alteridade e também o cotidiano, a realidade é que ainda são pouquíssimas as linhas de pensamento e pesquisas desenvolvidas com o intuito de levantar a crítica e o gosto do leitor.
No Brasil, são encontrados na literatura específica poucos trabalhos que pesquisaram as preferências de leitura de determinadas comunidades. O primeiro a ser publicado, trata-se de um conjunto de três pesquisas realizadas por Medina (1975) sob encomenda do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais e o Sindicato Nacional de Editores de Livros, visando detectar, respectivamente: o gosto de leitura em algumas capitais do país. Porém é o estudo de Bosi em 1978 é sem dúvida o mais conhecido e funciona até os dias atuais como elemento catalisador nas discussões sobre leitura popular, pois levanta, pela primeira vez no Brasil, o gosto de leitura de operárias da Grande São Paulo. A investigação define de forma diferente tanto o objetivo, ao estabelecer que pretende investigar modos de ler texto e imagens interagentes, quanto a metodologia, baseada em uma leitura solicitada. Os resultados mostram as facetas do neo-leitor, ou seja, reconheceu-se aquele que lê imagens, televisão, artes plásticas, vídeos, mídia, enfim, todas as formas, canais e suportes físicos pelos quais se pode adquirir cultura e informação. Mas ainda se limita a traçar o perfil do leitor, as obras preferidas. Atualmente e com as possibilidades fornecidas pelas tecnologias da comunicação, existem vários indicadores que demonstram o que está sendo lido. Consistem basicamente de listas de livros mais vendidos mas, infelizmente, não fazem uma ligação entre quem está lendo e o quê está sendo lido. Às vezes, são observados os pontos de venda e traçados perfis rudimentares do comprador. Vale destacar a pesquisa realizada por Orsini (1997)para a Infoglobo, porque observou-se uma mudança na preferência, ou perfil, dos leitores: houve uma ligeira queda na venda de romances em relação ao ano anterior e aumentou consideravelmente o número das publicações que versam sobre auto-ajuda. Também é de interesse outro novo dado detectado: o aquecimento do mercado livreiro em relação aos leitores que percebem menos de dez salários mínimos.
O gosto pela leitura taxada de popular, está na atualidade sendo pesquisada por alguns pensadores. Na área cultural, Bourdieu (1979), desenvolveu um estudo sobre os consumidores dos bens culturais e suas preferências, o gosto na escolha desses bens, demonstrando, através da observação científica, que as necessidades e práticas culturais, tais como freqüência a museus, concertos e exposições, preferências em matéria de literatura, leitura, pintura e música são um produto da educação, estando estreitamente ligados ao nível de instrução, e não à origem social do sujeito. O estudioso desmistifica assim um determinismo social, segundo o qual o gosto é delimitado pelo lugar social das pessoas. Esse lugar social é, no entanto, determinado pelas classes tidas como superiores, a partir de seus balizadores privilegiados. Ao risco de parecer sacrificado aos ‘efeitos fáceis’ que estigmatizam o ‘gosto puro’, pode-se mostrar que toda a linguagem da estética está restrita pela principal recusa do fácil, entendido dentro do sentido que a ética e a estética burguesas dão a esta palavra. Além disso, o gosto ‘puro’ tem por premissa recusar o degustar, que em primeira instância é visceral e se manifesta por tudo que é fácil, como se diz de uma música ou de um efeito estilístico. A recusa do que é fácil, no sentido de simples, portanto sem profundidade, e ainda barato, fundamenta-se no princípio de que, se a decifração é fácil e culturalmente pouco custosa, esta conduz à certeza e por conseguinte à recusa natural por parte dos intelectuais. Estes, ainda segundo Bourdieu, recusam tudo aquilo que é fácil ao senso ético ou estético, a tudo que oferece prazeres imediatamente acessíveis e que induz à descredibilidade, por serem esses prazeres infantis ou primitivos, em oposição aos diferenciados da arte ‘legítima’. A recusa do que é fácil, no sentido de simples, portanto sem profundidade, e ainda barato, fundamenta-se no princípio de que, se a decifração é fácil e culturalmente pouco custosa, esta conduz à certeza e por conseguinte à recusa natural por parte dos intelectuais. Estes, ainda segundo Bourdieu, recusam tudo aquilo que é fácil ao senso ético ou estético, a tudo que oferece prazeres imediatamente acessíveis e que induz à descredibilidade, por serem esses prazeres infantis ou primitivos, em oposição aos diferenciados da arte ‘legítima’. Conseqüentemente, nesta linha de raciocínio, na cultura de massas há um impulso em direção ao conformismo e ao produto padrão, enquanto na literatura há um impulso em direção à criação artística e à livre invenção.
Mas o que, de fato, o mercado editorial tem feito para popularizar o hábito de leitura e reduzir preços de livro no Brasil? A resposta se limita a algumas ações isoladas e até pouco conhecidas. A Câmara Brasileira do Livro (CBL), que é uma “entidade independente, sem fins lucrativos e com a missão de estimular a leitura no País” – como define seu estatuto –, promete para breve o início de um amplo programa nacional de popularização do livro.
Bibliografia
Beltrão, Luiz. Literatura de elite/Literatura de massa. Revista de Cultura Vozes. Petrópolis, nº 4, p. 281-290, maio, 1970.
Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo, Britânica do Brasil Publicações, 1987, v.11, p. 5703.
BARTHES, Roland et alii. Escrever .. para quê? Para quem?. Trad. Raquel Silva. Lisboa:Edições 70, 1975.