Autor: Elan Wagner Santos Chaves
INTRODUÇÃO
Hans Selye, na prefácio de seu livro ” The Stress of Life” – 1978, resumiu admiravelmente bem os mecanismos pelos quais tantas pessoas podem adoecer – “a vida é principalmente, um processo de adaptação às circunstâncias em meio às quais nós todos existimos. O segredo da saúde e da felicidade está no sucesso com que nós conseguimos nos adaptar às infindáveis mudanças que ocorrem no nosso mundo. Quando não conseguimos nos adaptar, ficamos doentes e sofremos”.
O que os homens são em cada momento histórico, o que produzem, como vivem e como morrem, depende de como organizam suas atividades produtivas. Desde seus primórdios até os dias atuais a forma como o trabalho é realizado depende e determina o que o homem é. O homem e o trabalho constituem os dois termos de uma relação de determinação reflexiva, na qual um não existe sem o outro e na qual um se define pelo outro, em conseqüência, quando estamos tratando da organização do trabalho, o que está subjacente é a definição da vida de cada um de nós.
A relação homem-Trabalho tem se mostrado muito conflitante aos olhos da sociedade e do próprio trabalhador, que é o que mais sai perdendo nessa relação, necessitamos de uma organização e divisão de trabalho mais justa. Dr. Roberto Shinyashiki, em seu livro O sucesso é ser feliz descreve muito bem essa relação: – ” a luta pela sobrevivência está brutalizando o ser humano. As pessoas vivem extremamente pressionadas. A competição tem servido como justificativa para todos os tipo de absurdos. Milhões de anos depois dos homens das cavernas, a vida continua a ser um campo de batalha. As pessoas destroem a si mesma e às outras, para atingir suas metas. O preço de tudo isso tem sido alto. Há empresas cujos gerentes com mais de dez anos de casa, sofrem infarto. Em muitas delas, as pessoas são consumidas como laranjas: espreme-se o e joga-se o que sobrou, o bagaço. A sociedade se transformou em triturador de sonhos”. Portanto, não é apenas a mesa ou a cadeira de trabalho, fora dos padrões considerados adequados, que contribuem para o aparecimento de sintomas dolorosos nos digitadores e em profissionais de diversas áreas. A tensão, produzida pelo estabelecimento de prazos, muitas vezes irrealistas, quanto à possibilidade de finalização das tarefas, a presença de ambiente hostil e restritivo, no que diz respeito às possibilidades de crescimento individual e de satisfação de necessidades pessoais, o estresse resultante das mudanças econômicas profundas e ameaçadoras, que colocam em risco a segurança pessoal do trabalhador. Tudo isso exerce influência no aparecimento do sofrimento, tantas vezes percebido como DOR.
MECANISMO CAUSADOR DE LER/DORT – INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA.
(ESCOLA FRANCESA DE ERGONOMIA)
1.0- DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Em toda história da humanidade a divisão do trabalho se fez presente, e sempre foi uma atividade social realizada em conjunto, de forma cooperativa, compartilhada. Uma divisão do trabalho que implicava numa organização temporal das diversas atividades, envolvendo equipamentos, homens e materiais. Desde do início essa divisão diferenciava e subjugava umas classes às outras, hierarquizava funções.
A divisão e organização do trabalho sempre sofreu influência de faraós, imperadores, reis, filósofos, estudiosos, religiões, como a Igreja Católica, organizações militares e governantes. Através dos séculos cada um deles adicionaram idéias, princípios, estratégias e teorias, mas no século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e a sua aplicação à produção, surgiu uma nova concepção de trabalho que modificou completamente a estrutura organizacional do trabalho provocando profundas e rápidas mudanças de ordem econômica, política e principalmente social que, em um lapso de um século, foram maiores do que as mudanças ocorridas em todo o milênio anterior. Todo esse processo foi chamada de Revolução Industrial, atingiu seu ímpeto a partir do século XIX, e como uma bola de neve em aceleração crescente não parou mais, mecanizando a agricultura, a industria, desenvolvendo o sistema fabril que acabou aniquilando o pequeno artesão e sua oficina patronal. Essa calma produção de artesanato, em que operários se conheciam e eram organizados em corporações de ofício regidas por estatutos, tudo isso substituído pelo regime de produção por meio de máquinas, dentro de grandes fábricas. A mecanização do trabalho levou à uma nova divisão do trabalho, ocorrendo uma simplificação das operações, substituindo os ofícios tradicionais por tarefas semi-automatizadas e repetitivas. Até o momento esse crescimento industrial era improvisado e baseado em empirismo. Sendo assim a Revolução Industrial, embora tenha provocado uma profunda mudança na estrutura empresarial e econômica da época, não chegou a influenciar diretamente os princípios organizacionais das empresas então utilizados, a preocupação dos empresários se fixava na melhoria dos aspectos mecânicos e tecnológicos da produção, com objetivo de produzir quantidades maiores de produtos melhores e de menor custo. A gestão do pessoal e a coordenação do esforço produtivo eram aspectos de pouca ou nenhuma importância.
Em 1912 um engenheiro americano chamado Frederick Winslow Taylor publicou uma obra denominada Princípios de Administração Científica, nela Taylor defendia que o trabalho deveria ser cientificamente observado de modo que, para cada tarefa, fosse estabelecido o método correto de executá-la, com um tempo determinado, usando as ferramentas corretas. Os trabalhadores deveriam ser controlados, medindo-se a produtividade de cada um e pagando- se incentivos àqueles mais produtivos. Essa nova divisão do trabalho seguia por dois sentidos. Um vertical que consistia em separar as atividades intelectuais do trabalho manual e essa norma caracterizava um dos pilares das idéias de Taylor, para ele o trabalhador seria incapaz de elaborar com uma compreensão “científica” suas tarefas, ficando estas atribuídas a um corpo de especialistas. O outro sentido era o horizontal, dividindo o ofício do artesão em múltiplas tarefas. No artesanato era preciso ser artesão para ensinar como se faz um trabalho, no taylorismo, basta ser um hábil manipulador do cronômetro. Quanto mais avançava essas duas divisões do trabalho menos conteúdo intelectual exigia a tarefa e mais se aprofundava a “distância’ entre o funcionário e o seu chefe. Com isso a qualificação exigida dos trabalhadores restando apenas o suficiente para se realizar tarefas simples.
Para Taylor, o operário não tinha capacidade, nem formação, nem meios para analisar cientificamente seu trabalho e estabelecer racionalmente o método ou processo mais eficiente. Por isso ele desenvolveu a Organização racional do trabalho (ORT), que buscava substituir métodos empíricos e rudimentares pelos métodos científicos. Geralmente, o supervisor deixava ao critério de cada operário a escolha do método de execução de seu trabalho isso levava tempo, o que Taylor fez foi buscas instrumentos, ferramentas mais adequada que possibilitassem uma maior rapidez nas tarefas isso foi feito através de uma acurada análise científica de tempos e movimentos. De um modo geral a ORT se fundamentava em: Análise do Trabalho e Estudo dos tempos e movimentos; Divisão do Trabalho e Especialização do Operário; Incentivos Salariais e Prêmios de Produção; Condições de Trabalho; Padronização; Supervisão Funcional.
Esse fundamentos foram adaptados por Henry Ford, que foi uns dos primeiros a seguir essa linha de pensamento de Taylor, uma das características do fodismo era uma estrutura ocupacional hierarquizada, rígida e a gerência autoritária e inflexível sobre a massa de trabalhadores. Tal modelo ainda é utilizado em larga escala, especialmente em países de capitalismo tardio e periférico como o brasil. Foi Ford que desenvolveu a linha de montagem visando a produção em grande escala, estandardizada, voltada para o consumo de massa.
A evolução da grande indústria capitalista ao longo deste século vem acompanhada de formas de controle e organização do processo de trabalho, que aprimoraram as técnicas de gestão sobre a força de trabalho. Os modelos taylorista e fordistas deram origem a sistemas organizacionais de produção e do trabalho extremamente autoritários, tornando praticamente impossível o desenvolvimento das potencialidades humanas individuais e subjetivas. Tal evolução trouxe repercussões abrangentes no mundo do trabalho e na sociedade e na sociedade como um todo.
A década de 80, na qual as LER/DORT se manifesta com maior intensidade presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações decorrentes da crise mundial da maioria dos países capitalistas e socialistas. Em países capitalistas mais avançados, os padrões tayloristas-fordistas de organização do trabalho vêm sendo substituído por formas mais participativas, integradas, descentralizadas e flexíveis, baseadas na adoção dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) e da experiência japonesa (toyotismo). O modelo Toyotista, é mais participativo, mais manipulatório, acarreta a intensificação da exploração do trabalho, na medida em que possibilita que um operário possa operar simultaneamente várias máquinas, intensificando o ritmo de trabalho e diminuindo a chamada “porosidade”, a produção segue o modelo just in time produzindo somente o necessário e no menor tempo possível.
Todos esse fundamentos e modelos trouxeram de certa forma alguma conseqüência ao trabalhador, as contradições e crises decorrentes de tais formas de organização do trabalho, bem como as próprias transformações tecnológicas e cientificas e a evolução dos sistemas de produção resultaram em transformações bastante profunda e abrangentes.
2.0 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO GERANDO LER/DORT.
Uma organização de trabalho conflitante potencializa efeitos patogênicos das más condições físicas, químicas, e biológicas, ou seja, é a causa de uma fragilização somática, que predispõe ao adoecimento de várias maneiras, mas existem vários distúrbios que sua gênese além de está associado a fatores organizacionais do trabalho, eles dependem da ação combinada de outros fatores, como fatores biomecânicos, fatores físicos pessoais, fatores físicos, ambientais e fatores psicológicos
Os fatores organizacionais são amplamente reconhecidos como importantes na explicação da gênese da LER/DORT, como exemplos temos: pouca autonomia do trabalhador no desenvolvimento das tarefas, ritmos acelerados de trabalho impostos pelas máquinas exigindo esforços exagerados, pressão para manter a produtividade, tensão entre as chefias e os subordinados, excesso de trabalho e horas extras, ambiente de trabalho inadequados (muito frio, pouca luz, pouco espaço, muito calor, ruídos excessivos), fragmentação do trabalho, monotonia, fadiga, relacionamento interpessoal, estresse e ausências de pausas em tarefas que exigem descansos.
Dos vários exemplos citados acima, a pressão exercida pelo hierarquia, está freqüentemente associada ao aumento de tensão e aumento do ritmo de trabalho. A sensação de estar sendo vigiado constantemente aparece com freqüência nos depoimento de funcionários, essa vigilância permanente vêm gerando o medo de perder o emprego, o medo de ser repreendido e humilhado diante do colegas, o medo de errar ou de não alcançar a produção exigida. Face a essa situação as primeiras reações são de tremor, nervosismo, ansiedade, estresse, fadiga, gerando sobrecargas físicas criando condições favoráveis ao surgimento das LER/DORT e o risco aumentado de acidente de trabalho.
3.0 ERGONOMIA E NOVA FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO NA PREVENÇÃO DAS LER/DORT.
A Escola francesa tem demonstrado em suas análises da organização de trabalho, os determinantes mediatos da situação de trabalho, apesar de imateriais, constituem os determinantes preponderantes sobre os “fatores” imediatos. Sendo assim enquanto as dimensões organizacionais, estruturas essenciais da situação de trabalho, forem consideradas apenas como mais um “fator” dentre outros, como acontece nas abordagens tradicionais, a LER/DORT permanecerá como um problema incompreensível e as tentativas de sua prevenção, inefetivas. Por isso a necessidade de humanizar o trabalho buscando novas formas de organização do trabalho, em que não seja necessário exercer controles rígidos sobre cada atividade, mas dê margem para que cada um possa exercitar suas habilidades com sentimento de auto-realização. As pessoas devem sentir-se respeitadas, sem discriminação, tendo um relacionamento amigável com seus colegas e superiores, na medida do possível a organização do trabalho deve ser feita com a participação dos próprios trabalhadores, que são os maiores interessados.
Condições de trabalho adequadas contribuem para a segurança e a saúde do trabalhador e também para melhorar o trabalho nas empresas. A Ergonomia age na organização do trabalho aumentando o grau de liberdade para a realização da tarefa, reduzindo a fragmentação e a repetição de movimentos, permitindo maior controle do trabalhador sobre seu trabalho, estabelecendo pausar, quando e onde são cabíveis durante a jornada de trabalho para relaxar, distensionar e permitir a livre movimentação sem o aumento do ritmo ou carga de trabalho ou da carga de trabalho, enriquecer o conteúdo do trabalho, nas tarefas e locais de trabalho, para que a criatividade e a realização profissional sejam objetivos comuns das empresas e dos trabalhadores, controle de horas-extras, adequação do número de pessoas por postos, evitar estruturação rígida do posto de trabalho. A variabilidade dos posto de trabalho tem sido uma medida recomendável à empresas, pois resgata o papel do homem como sujeito desse processo, buscando o equilíbrio entre suas capacidades e seus limites.
A redação Norma Regulamentadora 17 (NR-17) do Ministério do Trabalho no item 17.6.1- trata-se exclusivamente da organização do trabalho, ela estabelece que:
A organização do trabalho deve ser adequada as características psicio-fisiológicas dos trabalhadores e a natureza do trabalho a ser executado.
O processo de reconstrução produtiva que se dá de forma mais intensa a partir dos anos 90 no Brasil, tem ocasionado modificações significativas na estrutura do mercado de trabalho, sendo que uma das formas de redução dos custos e aumento da eficiência e produtividade é a “terceirização”, é uma tendência crescente, resultando na descentralização de inúmeras atividades empresariais ligadas à produção, além daquelas de despesas à segurança, saúde, limpeza e alimentação. Os grupos semi-autônomos (GSA) surgem como uma forma de flexibilizar e adequar a forma de organização do trabalho, os trabalhadores são organizados em grupos, aos quais se atribuem as responsabilidades pela divisão interna do trabalho. A empresa japonesa Toyota desenvolveu um sistema de rotação de trabalhadores, baseados na organização de pequenas unidades produtivas, chamadas células de produção. Esta se baseiam no princípio de que todos os trabalhadores de uma célula são capazes de operar as máquinas da mesma. A principal vantagem desse sistema é a redução da monotonia e combate à fadiga. Foi observado que estas novas formas de organização do trabalho, antes de constituem formas de superação da Organização Científica do Trabalho, são de fato, seus complementos ou arranjos no interior da mesma lógica, não rompendo com a divisão hierárquica do trabalho entre quem organiza e quem executa e não concedem, necessariamente, maior autonomia aos trabalhadores.
4.0 CONCLUSÃO
Hoje não há nenhum estudo sobre a LER/DORT que não pretenda incidir sobre os aspectos relacionados à organização do trabalho, os fatores organizacionais são amplamente reconhecidos como importantes na explicação da gênese da LER/DORT. Em a Organização do Futuro de Peter F. Drucke, ele se expressa muito bem, sobre o papel das organizações em relação às pessoas que nelas trabalham: ” A organização é mais do que uma máquina, como na estrutura de Taylor. Ela é mais do que econômica, definida pelos resultados alcançados no mercado. A organização é acima de tudo, social. São pessoas. Seu propósito deve ser o de tornar eficazes os pontos fortes das pessoas e irrelevantes os seus pontos fracos. Na verdade, essa é a única coisa que a organização pode fazer e a única razão pela qual existe e precisamos dela”. Precisamos aliar cada vez mais conhecimentos de saúde ocupacional com o desenvolvimento de processos administrativos e técnicas de produção que permitam implementar ações voltadas para a qualidade de vida do ser humano no trabalho, de maneira a permitir que o maior número possível de pessoas perceba o trabalhar como instrumento de realização pessoal.
5.0 BIBLIOGRAFIA
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CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6º edição. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000.
COUTO, Hudson de Araújo. Como gerenciar a questão das LER/DORT. 1º edição. Belo Horizonte: ed. Ergo, 1998.
IIDA, Itiro. Ergonomia – Projeto e Produção. São Paulo: Editora Edgar Blücher Ltda., 1990.
OLIVEIRA, Chrysóstomo Rocha de. & Cols. Manual Prático de LER. 2º edição. Belo Horizonte: Livraria e Editora Health, 1998.