Introdução
Até 2000, a rotina de inspeções no GVS-VIII concernente a asilos ou ILPI (Institutos de Longa Permanência) da região de Mogi das Cruzes-SP, com 09 municípios, 73 asilos, média de 2556 internos, de 60 a 102 anos, (2,79% da população idosa) compunha-se de lavratura de autos de infração e interdições de estabelecimentos, com remoção de idosos para lugares não sabidos.
Os proprietários mudavam de bairro ou de cidade, arrastando consigo, em situação de precariedade os vulneráveis idosos e, após algumas semanas eram novamente denunciados. Lugares não sinalizados, de difícil acesso, foco de incontáveis tipos de desrespeito à pessoa humana, configurando-se em desafio até para policiais. Não obstante já a condição impingida pela institucionalização, quase sempre compulsória, havia igualmente a violência perpretada pelos atos administrativos emanados justamente pelas autoridades encarregadas da defesa desses grupos. Fazia-se necessária a diminuição de tais locais, buscando-se a regularidade dos já existentes. Iniciou-se uma nova dinâmica do fazer profissional, não apenas coercitiva, ou fiscalizadora, mas igualmente esclarecedora.
Despertou-se a comunidade para a condição inumana em que viviam tais pessoas, para que não fossem apenas encaixotados em asilos sofrendo absurdas penas sociais pelo fato de não servirem mais como mão-de-obra, mas resgatando-lhes o mínimo de condição da cidadania o qual ajudaram a construir.
Condizente às novas legislações, os técnicos em Vigilância em Saúde, iniciaram um ciclo de palestras educacionais direcionadas aos proprietários e responsáveis técnicos de ILPIs, representantes de Conselhos e Secretárias de Promoção Sociais, além de parcerias com as Vigilâncias em Saúde Municipais.
Objetivando a defesa dos direitos dos idosos e a sistematização do atendimento nas instituições, foram organizados os principais itens normatizadores da funcionalidade ideal e oferecidos às Promotorias do Idoso, como documento técnico de Proposta de Ajuste de Conduta para os estabelecimentos que reuniam as maiores precariedades. Indicou-se igualmente os aspectos que pudessem subsidiar intervenções efetivas dos serviços de atenção social, envolvendo os já existentes e induzindo a necessidade de criação onde não os houvesse. Convidados para participarem das inspeções alguns promotores conheceram consternados, a dura realidade em que vivem os nossos idosos.
Levando-se em conta que a educação pode mudar a conduta humana, buscou-se também, uma sensibilização junto à rede de ensino, abrangendo um total de 1800 alunos dos níveis fundamental e médio, num projeto piloto e igualmente, a abordagem num Seminário de Direito, com 60 alunos de graduação.
Através de dinâmicas de percepção, foi ressaltada a importância da pessoa idosa no contexto sócio-cultural. Estimulados, os alunos passaram a visitar asilos criando relações inter-geracionais altamente significativas para o bem estar dos idosos institucionalizados da região.
Objetivos
Buscar resoluções humanas para os idosos institucionalizados, visando minimizar a violência a que são submetidos.
Sensibilizar a opinião pública para as questões sociais e éticas que levam ao degredo pessoas não consideradas úteis à sociedade.
Forjar parcerias com os poderes instituídos e criar mecanismos de controle para cumprimento das leis pertinentes.
Conter o crescimento de asilos clandestinos ou não.
Facilitar a denúncia de todas as formas de violência e a obtenção de apoio ou ajuda dos órgãos legais.
Promover luta anti-asilar, privilegiando o reduto familiar ao institucional.
Descrição das técnicas, métodos ou processo de trabalho adotado:
Iniciou-se processo esclarecedor com 17 estabelecimentos, por serem os mais renitentes às mudanças, reunindo maiores inadequações em todos os níveis, dando-lhes prazo para as adequações, findo o qual, enviou-se documento para as Promotorias de Justiça com os itens necessários para Ajustes de Conduta. Os demais estabelecimentos, foram convidados para discussão com o Ministério Público, Conselhos, Secretaria de Promoção Social e Vigilância em Saúde Municipais, onde compareceram cerca de 800 pessoas. Legislações sanitárias foram esclarecidas sob os aspectos administrativos. Continuando, foi a vez dos profissionais responsáveis pelos projetos arquitetônicos das residências não-adaptadas, que compõem a maioria dos asilos, configurando-se em locais com barreiras ergonômicas, que põem em risco a segurança dos idosos. Ao evento compareceram 11 arquitetos e engenheiros.
Através de fotos foram analisadas as principais dificuldades observadas nesses locais. Nesse ínterim, reforçou-se a comunicação com as Promotorias de Idosos, ressaltando a necessidade da intervenção dos Conselhos Municipais de Idosos e Assistência Social, nos estabelecimentos já existentes.
Assim, em atenção ao Estatuto do Idoso, foram criados 6 Conselhos. Persistindo na mobilização social, organizou-se, em agosto de 2006, Seminário sobre Idosos Institucionalizados, realizado por um asilo, cujo diretor é juiz de direito, e foram abordados temas, entre os quais, sexo na melhor idade, prevenção de doenças pulmonares, importância da dieta equilibrada, entre outros, reunindo donos de asilos, promotores de justiça, autoridades e profissionais envolvidos nos cuidados com os idosos.
Realizou-se igualmente, Seminário sobre Violência contra Idosos, numa instituição de direito, com 60 alunos de graduação, surgindo daí a idéia da continuidade para outros níveis educacionais. Através de intenso trabalho de educação específico a cada asilo, foram elaborados documentos para que os responsáveis cumprissem programas elaborados por profissionais fazendo com que os mesmos cumprissem os termos de acordos pactuados, sendo que em caso de não cumprimento, seriam multados. Em junho/2007, ministrou-se jogos de percepção da realidade de pessoas idosas na rede de ensino fundamental e médio, para 1800 alunos na faixa etária de 12 a 21 anos, e que, através de dinâmicas, discutiu-se a diferença entre os conceitos “ velho” e “idoso”.
Resultou no interesse dos jovens em conhecer 2 asilos da região, organizando grupos de canto e contagem de histórias, proporcionando alegria a idosos e diminuindo a distância geracional a 85 internos.
Promotores de justiças realizaram 8 inspeções a asilos em conjunto com os técnicos das vigilâncias, totalizando 19 procedimentos que resultaram em maior sensibilização para a questão ética e a obrigação legal a que estão expostos os profissionais de saúde no enfrentamento da violência.
Conclusões e recomendações para a saúde pública:
Sabedores que a prevenção e o combate a violência são funções inerentes ao Poder Público e ao Estado, devemo-nos empenhar na prevenção e controle da violência institucional, por meio de reuniões educativas com os proprietários de asilos ou ILPI, enfocando as legislações específicas.
A violência institucional, cuja maior expressão corresponde às instituições de longa permanência, sobretudo àquelas que fogem do controle dos órgãos competentes, é caracterizada não só pelos processos de maus-tratos a que os idosos são submetidos, como também pela falta e/ou inadequação de alimentos, de área física, omissão e falta de cuidados médicos específicos, causando danos à capacidade funcional e autonomia das pessoas ali abrigadas.
Essas instituições representam um modelo excludente, grave problema de saúde pública e fenômeno social de repercussões desastrosas por muitas gerações. Levando-se em conta que a violência apresenta um forte componente cultural, dificilmente superável por meio apenas de leis, abordar os aspectos humanitários que envolvem os cuidados com os idosos é conduta igualmente recomendável. Devemos envolver os jovens e crianças considerando-se que estes possam vir a tornar-se agentes de mudança de paradigmas.
Os profissionais da saúde e seus assistentes têm responsabilidade ética e legal de identificar e relatar a suspeita de abuso contra do paciente para as autoridades competentes, para que pesquisem a queixa e dêem início aos serviços de proteção ao idoso, fortalecendo ou criando condições de formação para as “redes de acolhimento”.
Sugere-se que os serviços de atendimento à população idosa sejam supervisionados pelos Conselhos do Idoso e Ministério Público, e não apenas pela Vigilância Sanitária. As entidades governamentais e não-governamentais devem ser responsabilizadas, caso os procedimentos realizados nas mesmas não estejam em consonância com as legislações federais, estaduais e municipais direcionadas ao atendimento do idoso.
Sobretudo que os órgãos de Promoção Social dos municípios tenham o cuidado de verificar se o asilo ao qual destinam o idoso, tenha no mínimo Licença de Funcionamento expedida pelo órgão sanitário competente. As políticas públicas devem redefinir, de forma humana, o lugar do idoso na sociedade, privilegiando o cuidado, a proteção e a sua subjetividade em nível familiar e institucional.
A educação familiar e o convívio inter-geracional são determinantes para a valorização da pessoa idosa e finalizando, opinamos por movimento anti-asilar, nos moldes do anti-manicomial, visto que a segregação e a violência imputada aos ocupantes desses espaços são muito parecidas. Na presente experiência, conseguiu-se não apenas diminuir em 18 o número de ILPI ou asilos irregulares, como também melhorar a qualidade do atendimento prestado aos idosos, nos diversos segmentos sociais.
Ainda não é o ideal, mas não nos omitimos diante da realidade observada.
O abrigamento de idosos, em locais inadequados constitui-se em grave problema de saúde pública e desrespeito aos direitos dessa população. Asilos ou ILPIs governamentais ou não devem ser regulares e oferecer o mínimo necessário para a manutenção do bem estar físico e mental de seus ocupantes. A conduta profissional na prevenção e o combate a violência institucional contra idosos, são funções do Poder Público, Estado e sociedade e devem pautar-se principalmente pela educação. Coube-nos, enquanto profissionais de saúde, fomentar os serviços de acolhimento, facilitar e investigar as denúncias de violência, e provocarmos as promotorias de idosos, no cumprimento das legislações, através dos Termos de Ajustes de Conduta. As inspeções conjuntas com os promotores e demais representantes de organismos da sociedade forjaram parcerias substanciais para maior visibilidade deste fenômeno social.
As demais medidas administrativas coercitivas e ou fiscalizatórias, não deixaram de ser aplicadas, levando-se em conta as infrações. Entretanto, a educação mostrou-se como ferramenta mais eficiente na prevenção e combate a violência que a própria imposição de normas. A excludência dos idosos deve ser objeto de políticas públicas, bem como a responsabilidade em níveis familiares e institucionais. Ao proporcionarmos espaço para a discussão entre os jovens do ensino fundamental e médio e superior, constatamos que a grande maioria desconhecia o nível de violência sofrida pelos mesmos nos asilos. O não-confinamento de idosos, deve ser uma meta a ser alcançada pelas sociedades civilizadas.
Bibliografia
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