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segunda-feira, dezembro 23, 2024

MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

1. INTRODUÇÃO

O Direito das coisas é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, sejam elas móveis ou imóveis. De modo geral, compreende os bens materiais, ou seja, a propriedade e seus desmembramentos.

O Código de Napoleão, que exerceu forte influência nos séculos XIX e XX, contempla a propriedade como “um direito de dispor das coisas de forma absoluta, desde que não se faça dela uso proibido pelas leis”.

Sob a influência da industrialização e o consumismo dos tempos atuais, os bens móveis passam a ter nova dimensão quanto à sua importância, que é intensificada com os chamados bens de consumo, que cada vez mais passam a ser transitórios e descartáveis, contudo vitais para a subsistência do homem em nossa atual sociedade.

No presente trabalho analisaremos os modos de aquisição da propriedade móvel, isto é, a ocupação, a especificação, a confusão, a comistão, a adjunção, a usucapião e a tradição.

2. NOÇÕES GERAIS

Conforme nos ensina o renomado doutrinador Silvio Venosa, o Código de 2002 estabelece a seguinte ordem, a partir do art. 1.260: usucapião, ocupação, achado do tesouro, tradição, especificação, confusão, comissão e adjunção. Modalidades originárias de aquisição são a ocupação e o usucapião. A invenção ou descoberta como regra geral não permite a aquisição da propriedade. As demais são derivadas.

Assim como a aquisição da propriedade imóvel, também a propriedade dos bens móveis se opera por um meio comum, ordinário e também por meios extraordinários, como veremos a seguir.

3. OCUPAÇÃO

Ocupar é se tornar proprietário de coisa móvel sem dono ou de coisa abandonada.

Coisas sem dono dão todos os bens que nunca tiveram dono, ou a cuja propriedade o dono renunciou. Os primeiros denominam-se res nullius, ou coisas de ninguém; os segundos, res derelictae ou coisas abandonadas ou renunciadas.

É importante pontuar que coisa sem dono e coisa abandonada são coisas
diferentes, enquanto as primeiras nunca foram objeto de assenhoramento, as segundas, para que fiquem caracterizadas, torna-se necessário que haja intenção de seu dono de se despojar dela. Destarte, não se pode falar em “coisa sem dono” quando, em razão de tempestade, se lança ao mar a carga de um navio com o fim de diminuir o peso em decorrência do perigo que representa e caso os objetos cheguem à costa, o seu proprietário tem o direito de reclamar-lhe a entrega. Com relação à coisa abandonada, faz-se necessário que o dono tenha emitido vontade no sentido de renunciar ao direito de propriedade, não tendo, o simples fato de uma coisa ter sido encontrada na rua, o condão para caracterizar que tenha sido abandonada ou renunciada. Pode tratar-se de res perdita, pois as coisas perdidas não podem ser apropriadas pela ocupação, mas sim devem ser devolvidas ao dono.

A perda da coisa não implica perda da propriedade. Diz o ditado popular achado não é
roubado, o que não pode ser tido como verdadeiro, não podendo a coisa perdida ser ocupada pelo descobridor, sob pena de crime, nos termos do art. 169, § único, II, do Código Penal Brasileiro.

Deve o descobridor agir conforme preleciona o art. 1.233 do Código Civil, quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. O descobridor de devolver a coisa achada ao seu dono ou legítimo possuidor e não o encontrando deverá entregar à autoridade competente, posto que previsto no parágrafo único do artigo acima.

Prevê o art. 1.234 do Código Civil:

Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.

Analisando o artigo acima, o descobridor tem direito a uma recompensa (achádego é o nome dessa recompensa), salvo se o dono da coisa preferir abandoná-la, hipótese em que o descobridor pode ocupar a coisa por se tratar, agora, de res derelictae. Assim, o artigo acima consagra uma obrigação facultativa do dono da coisa/devedor da recompensa. É notório que se o descobridor passar a usar a coisa terminará adquirindo-a pela usucapião e o passar do tempo irá também beneficiá-lo com a prescrição do aludido crime do Código Penal.

Ressalte-se que ocupar coisa imóvel sem dono ou abandonada gera posse e não propriedade, posse que pode virar propriedade pela usucapião. A diferença encontra-se no fato de que as coisas imóveis têm mais importância econômica do que as móveis, desse modo, a aquisição dos imóveis pela ocupação exige mais requisitos.

Em decorrência de que não são freqüentes as coisas sem dono, a ocupação como modalidade aquisitiva, atualmente, ficou muito reduzida. Entre as hipóteses remanescentes temos: caça, pesca e tesouro, estando as duas primeiras regidas por lei especial e a última pelo Código Civil.

3.1. CAÇA

As sociedades primitivas tiveram a caça como sua principal atividade de subsistência. Hoje, a caça é disciplinada pelo Código de Caça, Lei nº 5.197/67, que substituiu o Decreto nº 5.894/43. A época em que a caça é permitida, proibida, expedição de licença pelas autoridades públicas, sistema de punição para os infratores, etc. é tratado pelo Direito Administrativo, salvo o que diz respeito às modalidades aquisitiva da propriedade.

Observadas as normas regulamentares e especiais, a caça poderá ser exercida nas terras públicas, assim como nas particulares, desde que com licença do proprietário. Entretanto, pertence ao caçador o animal por ele apreendido ou ferido, quando for em seu encalço, ainda que outrem o tenha apanhado. Caso o animal ferido ingresse em terreno de outrem, se este não permitir o ingresso do caçador, terá que expelir ou entregar a caça, sob pena de não o fazendo, ou seja, impedindo o caçador de adquirir a propriedade do animal atingido, fará jus à indenização daquele que se recusou a entregá-lo. Como já dito, o caçador não pode penetrar em terreno alheio, sem licença do dono, sob pena de perder para este a caça, além de responder por dano que tenha causado.

3.2. PESCA

Nos dias atuais, a pesca possui relevância econômica, sendo meio de subsistência e sobrevivência principal de muitos povos.

Do mesmo modo que a caça, o exercício da pesca também é subordinado a leis especiais e regulamentos, além de convenções e tratados internacionais, que regulam a pesca em alto-mar e a realizada nas plataformas submarinas, seja em águas territoriais como extraterritoriais (Código de Pesca, Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967).

Desde que observadas as normas neste sentido, é lícito pescar em águas públicas, assim como nas particulares, desde que com a licença do dono, operando a aquisição da propriedade do peixe que pescar, como do que o pescador perseguir arpoado ou farpado.

Como regra, em águas públicas o pescador tem direito ao que pescar, ficando ressalvadas a existência de disposição em contrário. É permitida a pesca em alto-mar em todo o mundo.

Trata-se de matéria de direito público a regulamentação da pesca profissional . Ausente a licença do dono, aquele que exercer a pesca em caráter profissional ou desportivo em águas particulares, perde para este o que apanha, respondendo ainda por perdas e danos.

Nos ensina com brilhantismo o mestre Caio Mário,

Se o curso d´água atravessar terrenos pertencentes a diversos donos, cada um dos proprietários ribeirinhos tem direito a exercitar a pesca do seu lado, e na extensão de suas terras marginais, limitada a sua ação até o meio do rio. Mas se forem públicas as águas, vigorará o princípio da liberdade de pesca, resguardando tão-somente o direito do proprietário ribeirinho à porção da margem que lhe pertence.

3.3. TESOURO

Conforme a doutrina, o tesouro é definido como o depósito antigo de moedas ou coisas preciosas, ocultado ou enterrado, de cujo dono não haja memória. Assim, conforme o Código Civil, temos:

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

Desse modo, para que seja configurado o tesouro é necessário que os requisitos abaixo estejam presentes:

a) ser um depósito de coisas móveis preciosas ou moedas, feito por mão humana, não sendo considerado tesouro o acúmulo de objetos valiosos ocasionados por fenômeno natural;

b) estar o depósito enterrado ou oculto, p.ex.: se o depósito for encontrado ao se escavar um terreno ou demolir um prédio;

c) ser antigo, ou seja, sua ancianidade, de forma a ser tão antigo que se haja perdido a memória de quem seja o proprietário. Não basta que seja desconhecido, mas também é mister se trate de coisa que já não mais possua dono;

d) ser seu encontro meramente casual, conforme mencionado no final do artigo supracitado. Assim, não se pode falar em tesouro no caso da pessoa ter sido contratada para achar coisas,sendo, no caso, uma relação negocial.

Ressaltamos os seguintes aspectos:

• achado o depósito, em sendo provado por alguém ser seu proprietário, deixará de ser considerado tesouro;

• se quem o encontrar for o dono do terreno, a ele pertencerá o tesouro por inteiro;

• se quem o encontrar for empregado do dono do prédio, mandado em busca de tesouro, uma vez achado pertencerá ao dono do prédio;

• se quem o encontrou o fez de forma casual, independentemente de ser ou não empregado do dono do prédio, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o dono do prédio;

• se o descobridor for pessoa não autorizada pelo dono do prédio, a este pertencerá todo o tesouro.

3.4. INVENÇÃO OU DESCOBERTA

O termo invenção era tratado no Código de 1916 como sendo a achada de coisas perdidas, alterando o atual Código Civil, nos arts. 1.233 a 1237 a nomenclatura para “descoberta”. Tratam-se de coisas móveis perdidas pelo dono, mas não abandonadas.

Conforme previsão no art.1.233 do atual código, quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Destarte, não é pelo fato do desconhecimento do dono ou de seu legítimo possuidor que não terá o dever de tudo fazer para descobri-lo, mediante comunicação às pessoas conhecidas ou aos prováveis interessados, consulta aos anúncios em jornais, afixação de avisos pela imprensa,etc, até que apareça quem a ela tenha direito.

Caso compareçam várias pessoas com pretensão á coisa, será feita a entrega ao que demonstre o direito, e, na dúvida, ao que a perdeu. Sem êxito, cumpre ao descobridor entregar o achado à respectiva autoridade competente. Entretanto, ao ser restituído o objeto, é devida ao descobridor uma recompensa, gratificação ou achádego, nos termos do art. 1.234, do CC, não devendo ser inferior a 5% do valor da coisa, sendo também devido o reembolso das despesas oriundas de sua conservação e transporte, abrindo-se ao dono a alternativa de pagar ou abandoná-la. É ressalvado os casos em que o descobridor proceder com dolo e causar dano ao proprietário ou possuidor legítimo, respondendo, neste caso, por perdas e danos.

Após 60 (sessenta) dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, sem se apresentar quem demonstre direito à coisa, será esta vendida em hasta pública, sendo que, do produto da venda serão deduzidas as despesas e a recompensa ao descobridor, sendo devido o saldo remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido, sendo facultado ao Município, conforme previsão legal, ser abandonada a coisa de valor diminuto em prol do descobridor.

4. ESPECIFICAÇÃO

A manipulação de matéria-prima pode dar origem a modalidade aquisitiva de propriedade mobiliária, nos termos do art. 1.269, do CC.

Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior.

A especificação ocorre quando existe o lavor e não pode a coisa retornar à espécie anterior. Desse modo, ocorre especificação quando alguém, manipulando matéria-prima transforma de forma definitiva de matéria-prima em espécie nova, mediante o trabalho ou indústria do especificador (art. 1.269, do CC). Exemplo: pedra, madeira, couro, barro, ferro, etc, obtém espécies novas, tais como: escultura, carranca, sapato, boneco, ferramenta.

Não constitui especificação a transformação meramente acidental ou que respeite a forma antiga, exigindo-se, contudo, um ato real do homem, e não um ato jurídico ou declaração de vontade.

É notório, que em pertencendo a matéria-prima ao especificador, este será o dono da obra que criou, posto que já era seu o material utilizado em sua criação.

Destarte, para que seja configurada a especificação, torna-se imprescindível que a matéria-prima não pertença ao especificador, que seja transformada em uma coisa nova e que não seja possível retornar à espécie anterior.

Maria Helena Diniz, em sua obra Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas, enumera as seguintes questões, tomando como base a quem pertence a matéria-prima, a propriedade será:

• do especificador, se a matéria-prima pertencer só em parte ao especificador e não puder voltar à sua forma anterior (art. 1.269, do CC);

• do dono da matéria-prima, que não perde a propriedade, se o material pertencer apenas em parte ao especificador, podendo ser restituído à forma anterior (art. 1.269, do CC);

• do especificador, em estando de boa-fé, se toda a matéria-prima for de outrem e não puder ser reduzida à forma precedente, contudo será do dono do material, em estando de má-fé (art. 1.270, §1º, do CC);

• do dono da matéria-prima, se o material pertencer totalmente a outrem e puder voltar à forma anterior (art. 1.270, § 1º, do CC);

• do especificador, se o material for inteiramente pertencente a outrem, podendo ou não ser reduzido à forma precedente, estando ou não o especificador de boa-fé, excedendo-se o preço da mão-de-obra consideravelmente ao valor da matéria-prima, tendo em vista o interesse social de ser preservado, p.ex., uma obra de arte de grande valor (art. 1.270, § 2º, do CC).

Nos casos acima, nos termos do art. 1.271 do Código Civil, a aquisição da propriedade deverá ser acompanhada de uma indenização aos que foram prejudicados com o fato.

Como vimos, caso a matéria prima seja do especificador, a lei faz prevalecer a inteligência, criatividade, o trabalho intelectual e manual sobre a matéria-prima, conforme preleciona o art. 1.270, § 2º, do Código Civil.

5. CONFUSÃO, COMISTÃO E ADJUNÇÃO

São três modos diferentes e raros de aquisição da propriedade, tratados pelo Código Civil numa seção única.

Tratam-se da mistura de coisas de proprietários diferentes e que depois não podem ser separadas, ou seja, quando ocorre de coisas de diversos donos mesclarem-se.

A confusão é a mistura de coisas líquidas, como, p.ex, vinho com refrigerante, álcool com água. Ressalte-se que não se deve confundir com a confusão de direitos prevista no art. 381, do CC, que são modos de extinção das obrigações, sendo que no caso em tela a confusão é referente à coisa.

Já a comistão é a mistura de coisas sólidas, tais como: sal com açúcar; sal com areia.

E a adjunção é a união de coisas, não seria a mistura, mas sim a união, a justaposição de coisas que não podem ser separadas sem estragar, como podemos verificar nos exemplos: o selo colado num álbum, uma peça soldada num motor, um diamante incrustado num anel, entre outros.

As coisas sob confusão, comistão ou adjunção, obedecem a três regras básicas:

a) as coisas vão pertencer aos respectivos donos se puderem ser separadas sem danificação (CC, art. 1.272, caput);

b) se a separação for impossível ou muito onerosa, surgirá um condomínio forçado entre os donos das coisas (CC, art. 1.272, § 1o);

c) se uma das coisas puder ser considerada principal (ex: sal com areia mas que ainda
serve para alimento do gado; diamante em relação ao anel), o dono desta será
dono do todo e indenizará os demais (CC, art. 1.272, § 2o).

Entretanto, estas regras são supletivas, ou seja, tais regras não são imperativas e
podem ser modificadas pelas partes, pois no direito patrimonial privado predomina o princípio da autonomia da vontade.

Ressalte-se que, tal fenômeno tem que ser involuntário, ou seja, acidental, como ocorre no caso de um caminhão de açúcar virar em cima da areia de uma construção. Entretanto, se ocorrer má-fé ex: virar o caminhão de propósito em cima da areia, aplica-se o preceituado no art. 1.273 do já mencionado diploma legal. Em sendo voluntário, os donos das coisas têm que disciplinar isso em contrato, como acontece, p. ex., em uma experiência para fazer nova bebida da mistura de vinho com cerveja.

6. USUCAPIÃO DA COISA MÓVEL

Os princípios e finalidades que inspiram o usucapião de coisas imóveis é o mesmo que inspiram o presente usucapião, sendo, contudo, a importância dos segundos (móveis) é muito menos ampla do que para os primeiros (imóveis) .

Aplica-se aos móveis e também aos semoventes, isto é, bens suscetíveis de movimento próprio, como um boi, um cavalo (CC, art 82). Esta usucapião de móveis mantém os mesmos fundamentos e requisitos da usucapião de imóveis.

A usucapião de móveis é mais rara e é menor o tempo previsto em lei para sua aquisição, tendo em vista a maior importância econômica dos imóveis em nossas vidas. Para os imóveis a usucapião se dá entre 05 (cinco) e 15 (quinze) anos, já para os móveis se dá entre 03 (três) e (05) cinco anos, logo, em um prazo muito inferior.

Como espécies de usucapião móvel, temos:

a) Ordinária (CC, art. 1.260).

Nas palavras de Maria Helena Diniz,

Ter-se-á o usucapião ordinário quando alguém possuir como sua uma coisa móvel, ininterruptamente e sem oposição, durante 3 anos (CC, art. 1.260).

Exige posse, então não é possível a mera detenção prevista no art. 1.198 ou a tolerância do art. 1.208, ambos do Código Civil. Há a exigência do animus domini, o que corresponde ao “como sua” do art. 1.260, do CC; “incontestadamente”, que significa mansa, pacífica e pública; também exige justo título e boa-fé, pois o prazo é menor, apenas de 03 (três) anos;

b) Extraordinária (CC, art. 1.261).

Possui as mesmas exigências da ordinária (posse mansa, pacífica e pública com animus domini) , só que o prazo é maior, de 05 (cinco) anos, tendo em vista que dispensa a boa-fé.

Estamos diante de usucapião de móveis que beneficia o ladrão e o descobridor de coisa perdida.

O nosso ordenamento assegura ao possuidor ter a coisa como sua, salvo o direito de terceiro que dê as provas de ser o proprietário. Entretanto, a presunção não impede a reivindicação dos móveis perdidos ou roubados.

7. TRADIÇÃO

Nosso ordenamento jurídico manteve a sistemática romana quanto aos bens móveis. Enquanto no Direito Francês o contrato de alienação é maio suficiente para se transferir a propriedade, para o nosso Direito, o domínio dos bens móveis só se transfere pela tradição.

A tradição é a entrega efetiva da coisa móvel feita pelo proprietário-alienante ao adquirente, em virtude de um contrato, com a intenção de transferir o domínio. A tradição completa o contrato, posto que tem em vista a importância da propriedade para o direito, sendo necessário que, para se desfazer de um bem, além de um contrato, a coisa seja concretamente entregue ao adquirente, confirmando o contrato (CC, arts. 1.226 e 1.267).

Celebrado o contrato, o comprador, donatário, etc. tornam-se detentores de direito de crédito contra o alienante, só se transformando em direito real de propriedade pela traditio rei ou tradição da coisa.

O mestre Silvio Venosa, em sua obra Direito Civil: Direitos Reais, nos ensina que costumam ser separadas em três os modos de tradição:

• A real, que consiste na efetiva entrega material da coisa feita pelo alienante ao adquirente, mesmo ocorrendo por procuradores ou núncios;

• A simbólica, que é tão somente representativa, não ocorre materialmente;

• O constituto possessório, que é tradição ficta, pois que o alienante continua na posse do móvel, mas altera-se seu animus, isto é, possuía como dono e passa a possuir a outro título. Por exemplo: vende a coisa e permanece com ela como locatário. Da mesma forma é ficta a tradição breve manu, quando a coisa já está em mãos de quem deve recebê-la, como previsto no atual Código, operando-se apenas a mudança do título: o locatário passa a possuir como proprietário pelo ato de alienação.

Com a tradição, o direito pessoal decorrente do contrato, torna-se direito real. O alienante (vendedor, doador) tem que ser dono da coisa, nos termos do Código Civil:

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1o Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

§ 2o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo.

Como verificamos, conforme a parte inicial do artigo acima, a tradição deverá ser realizada pelo proprietário, podendo essa alienação ser gratuita (doação) ou onerosa (compra e venda). Contudo, a tradição só terá o condão de transferir a propriedade da coisa se o tradens for capaz e for o titular do domínio. O contrato tem que ser válido para eficácia da tradição. Como regra geral temos que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Se vier a adquirir esse direito, não há razão para macular a alienação feita a outrem de boa-fé, cuja eficácia retroage à data do ato, sendo a boa-fé analisada no momento da tradição. Deve a aquisição ser de boa-fé, sendo, desse modo, possível a alienação de coisas futuras.

Como conseqüências práticas da tradição temos, p.ex., se eu compro uma TV para pagar a prazo, coloco a TV no meu carro e sou roubado na esquina, não posso deixar de pagar as prestações, pois a TV já era minha, já tinha ocorrido a tradição; ao contrário, se eu compro uma geladeira à vista e aguardo em casa o caminhão da loja chegar, e o caminhão é roubado, a loja vai ter que me entregar outra geladeira, já que a tradição não tinha ocorrido ainda. Em ambos os exemplos predominam o princípio res perit domino (a coisa perece para o dono).

A tradição é ato externo, público e corresponde ao registro para aquisição da propriedade imóvel. Diz-se que a tradição é o registro informal, isto é, sem solenidades. Só após a tradição é que haverá propriedade com todos os atributos inerente ao art. 1.228, do CC. Excepcionalmente pode ocorrer seqüela sem tradição, conforme previsto no art. 475 do mesmo diploma legal.

8. CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou acerca dos modos de aquisição da propriedade móvel, que são: a ocupação, a especificação, a confusão, a comistão, a adjunção, o usucapião, a tradição, sendo que, a ocupação e o usucapião são considerados modos originários, posto que neles não há qualquer ato volitivo de transmissibilidade, ao passo que as demais modalidades são vistas como modos derivados, já que só se perfazem com a manifestação do ato de vontade de transmitir a propriedade.

Vimos que a ocupação é aquisição de coisa móvel ou semovente, sem dono, por não ter sido apropriada ” res nullius”, ou por ter sido abandonada “res derelictae”, não sendo essa apropriação defesa por lei.

A apropriação pode se apresentar sob três formas: a ocupação propriamente dita, que tem por objeto seres vivos e coisas inanimadas e como principais manifestações a caça e a pesca, disciplinadas por leis especiais; a invenção, que é relativa a coisas perdidas e o tesouro, concernente à coisa achada.

A especificação é o modo de adquirir a propriedade mediante transformação de coisa móvel em espécie nova, em virtude do trabalho ou da indústria do especificador, desde que não seja possível reduzi-la à sua forma primitiva e, conforme previsão legal, poderão receber indenização por perdas e danos todos aqueles que forem lesados pela transformação de coisa móvel em espécie nova feita, com matéria-prima alheia, e somente não caberá indenização ao especificador que se utilizou de material de outrem através da má-fé.

Já a confusão, comistão e adjunção ocorrem quando coisas pertencentes à pessoas diversas se mesclarem de tal forma que seria impossível separá-las. Tem-se a confusão, se a mistura se der entre coisas líquidas; a comistão, se se der entre coisas secas ou sólidas; quando, tão-somente, houver uma justaposição de uma coisa a outra, que não torne mais possível destacar a acessória da principal, sem deterioração, dá-se a adjunção. Faz-se necessário que tais fenômenos ocorram de forma involuntária.

Em ocorrendo uma das hipóteses acima, deve-se observar se existe ou não a possibilidade de separar as coisas misturas, sem ameaça de deterioração. Não havendo a possibilidade de deterioração da coisa, poderá proceder-se a separação, devolvendo-se a cada um dos donos da matéria-prima o que lhe pertencia, sendo que as despesas da separação correrá por conta de quem deu causa a mistura.

Conforme verificamos no decorrer do trabalho, o usucapião é o modo originário de bens móveis; o fundamento em que se baseia o usucapião de bens móveis é o mesmo que inspira o dos imóveis, ou seja, a necessidade de ser dada juridicidade a situações de fato que se alongaram no tempo.

Finalizamos nosso trabalho abordando acerca da tradição, que vem a ser a entrega da coisa móvel ao adquirente, com a intenção de lhe transferir o domínio, em razão de título translativo de propriedade. O contrato, por si só, não é apto para transferir o domínio, contém apenas um direito pessoal. Somente com a tradição é que essa declaração translatícia de vontade se transforma em direito real.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Código Civil (2002). Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. 17 .ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.4.

FIUZA, César. Curso Completo de Direito Civil. 7.ed. Belo Horizonte: Delito Rey, 2003.

NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO. Coordenação Ricardo Fiúza. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direitos Reais. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 4.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.5.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 5.

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