Introdução
A economia liberal é a força maior do desenvolvimento do mercado de drogas legais e ilegais. O consumo delas é “regulado” pela Lei de oferta e demanda. Mas, além disso, há uma carga ideológica e emocional em torno do assunto, que criou o mito da droga, disseminado pela mídia e acolhido pelo imaginário social, a partir de uma estratégia dos países capitalistas, responsáveis pela demanda por drogas no mercado internacional.
Segundo a criminóloga venezuelana Rosa del Olmo, nos EUA, questões econômicas têm sido transformadas em problemas sociais que se expressam em conflitos sobre drogas. Na verdade, o problema da droga é econômico e ideológico. Com a transnacionalização da economia, materializavam-se novas formas de controle. Foi criado um sistema jurídico-penal com o fim de criminalizar e punir determinadas drogas. É curioso observar que se pune sobretudo aquelas vindas das economias periféricas (maconha e cocaína, produzidas na América Latina) enquanto se permite as ligadas à grande indústria (álcool e anfetamina).
O sistema neoliberal produz uma visão esquizofrênica das drogas, especialmente a cocaína. Por um lado, estimula a produção e circulação dela; e por outro lado constrói um arsenal jurídico e ideológico de demonização e criminalização desta mercadoria.
Para compreender o impacto da cocaína dos anos 70 em diante, é importante mencionar a crise mundial a partir de 1967 e o modelo recessivo que se segue até 1982, com o aumento de inflação e desemprego gerando uma reestruturação da economia mundial. A rentável coca passa a contar com um sistema de divisão de trabalho. Algumas regiões da América Latina se especializam na produção de folhas, outras na fabricação da pasta e refino, outras na comercialização.
Na América Latina devido a essa grande disseminação, os meios de comunicação passam a disseminar o pânico e as leis de mercado se encarregam de recrutar a juventude pobre para os riscos do trabalho no comércio ilegal.
Num contexto de aprofundamento de uma economia recessiva e de enfraquecimento das políticas sociais básicas, um contingente cada vez maior de jovens pobres vai sendo recrutado a cumprir sua triste sina, seu papel trágico na nova divisão internacional do trabalho. A coca- a droga neoliberal, símbolo de êxito e de status entre seus consumidores (jovens empresários, executivos ) tem como contrapartida a destruição da juventude pobre das nossas favelas, lançada pela lei de mercado, à criminalização e ao círculo vicioso da violência urbana.
Existe um feudo bilionário e poderoso, controlado por alguns dos maiores criminosos do mundo. Ele produz e distribui tóxicos; compra, vende e controla governos; possui frotas de navios, espiões e altos executivos; sequestra e mata.
Os habitantes da Terra gastam mais dinheiro em drogas ilícitas do que em alimentação, moradias, roupas … ou qualquer outro produto ou serviço. A indústria internacional de narcóticos é a de maior crescimento no mundo (só não é maior que a de armas ). Sua renda anual excede meio trilhão de dólares.
Os lucros da indústria de entorpecentes, secretamente depositados em países competidores do ramo, rendem juros que excedem 3 milhões de dólares por hora.
A indústria de narcóticos, na verdade, não é uma indústria, mas um império. Soberano, arrogante e expansionista e em muitos casos tolerado ou incentivados pelos governos. Um Império Subterrâneo. Esse Império mantém seus próprios exércitos, diplomatas, serviços de informações, bancos, frotas mercantes e linhas aéreas. Procura estender seu domínio por quaisquer meios, da subversão clandestina aos conflitos armados em aberto. Nações o combatem dentro de suas fronteiras, porém ignoram, efetivamente, seu poderio internacional.
Por exemplo, o governo dos EUA, enquanto desencadeia «guerras» cosméticas ao crime e às drogas, raramente atacou o Império no exterior, jamais reduziu substancialmente sua força internacional, e hoje não desafia sua crescente ameaça à estabilidade mundial.
América Latina
A Amazônia internacional compreende uma área de 7 milhões de km quadrados, dos quais 4,7 milhões pertencem à Amazônia Brasileira. O Brasil tem 16 mil quilômetros de fronteiras com a Colômbia, o Peru, a Bolívia, mas dispõe de um número pequeno de policiais para combater o narcotráfico (cerca de 1000, afirmou em nov./91 o Superintendente da Polícia Federal, Romeu Tuma).
A conclusão é quase automática: há um intenso movimento de drogas, via selva amazônica, entre os centros produtores e o Brasil. Estimativas feitas em julho de 1991 pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes indicavam a existência de pelo menos 1000 pistas de pouso instaladas em meio à floresta na região. E 60% são utilizadas pelo narcotráfico, principalmente em áreas drenada pelo rio Solimões, onde estão instalados laboratórios para o refino da cocaína. Ainda de acordo com essas estimativas, 60 toneladas de drogas passam por ano pela Amazônia brasileira com destino à Europa e os EUA. O Solimões é usado no transporte de cocaína e pasta-base para Manaus e Tabatinga, de onde se faz a exportação. As cidades normalmente usadas como rotas pelo narcotráfico são, além de Tabatinga e Manaus: Letícia (um importante centro do narcotráfico), Cacoal, Costa Marques(RO), Cuiabá (MT), Corumbá(MS).
A droga chega a essas cidades geralmente sob a forma de pasta que é refinada em laboratórios locais e transportada de carro ou caminhões para SP, RJ e Santos, uma parte para venda no país e outra para exportação. O narcotráfico no Brasil era controlado, desde 1984, pelo Cartel de Medellín, em associação com chefões da máfia italiana. Esse esquema foi desvendado. A cordilheira Central do Peru andino era, juntamente com a Bolívia, a sede das plantações de cocaína, ou seja, onde ela começou. Toda indústria de cocaína tinha suas bases no Peru e na Bolívia. Entrelaçava-se na oligarquia peruana, onde ricas famílias, alicerçadas por gerações de influência, controlavam não só as raízes da indústria da coca, mas também, por outros meios, o próprio país. A chave do negócio não é tanto a produção. Ex.: a Colômbia domina o mercado de drogas, mas a coca do Peru e da Bolívia é, inclusive, mais produtiva, e é desses países que provem grande parte da pasta básica que os colombianos refinam e exportam.
A parte do leão porém fica com quem controla a industrialização final e transporte da cocaína para o maior mercado consumidor, os EUA. O México aparece como possível grande competidor da Colômbia, porque é onde se concentra o Know-How da entrada ilegal nos EUA. A Colômbia chegou ao domínio do mercado da droga pela capacidade empresarial dos seus traficantes. O narcotráfico pode não ser a origem da criminalidade, mas é um enorme fator de potencialização e articulação dos vários tipos de violências e ilegalidades, pelas grandes fortunas que movimenta.
O crime organizado dá um salto qualitativo, passa a dispor de uma fonte de renda que lhe possibilita importar as melhores armas, subornar a polícia e populações inteiras, constituem uma grande fonte de “emprego”, com suas extensas redes de “aviões”, olheiros, seguranças, “mulas”, cúmplices. A Colômbia exporta bilhões emprega 300 mil famílias na produção de folhas de coca, quase a mesma quantidade que o café, principal produto de exportação nacional. Os enormes lucros levaram a formação de máfias. O filé-mignon do tráfico é o domínio das rotas entre os três grandes produtores de coca – Bolívia, Peru e Colômbia – e os centros Norte-americanos de consumo. É interessante também dizer que na Colômbia inicialmente a única forma empregada para punir os narcotraficantes era extraditá-los aos EUA, o que significava uma declaração de impotência por parte da justiça colombiana. Não bastasse isso, Pablo Escobar mostrou que podia impor os termos da sua própria “prisão” e obrigar até mesmo a Assembléia Constituinte do país a adotar Leis que lhe interessavam(como a da proibição da extradição de narcotraficantes para os EUA). Depois de “preso”, fugiu na hora que bem entendeu. Todos sabem na Colômbia que a maior parte de sua economia legal(indústria, lojas, agriculturas…) é sustentada pelos narcodólares.
A pressão exercida por Washington sobres os governos do Peru, da Colômbia e da Bolívia, para aumentar o envolvimento militar no combate ao narcotráfico, ameaça a sobrevivência das frágeis democracias desses países. A razão é simples: a militarização do combate ao narcotráfico contribui para desmoralizar as instituições normas da democracia, e, como consequência enfraquece o apoio da sociedade civil ao Estado. Mas a atividade desenfreada das máfias narcotraficantes também ameaça a sobrevivência da democracia, por desmoralizar a noção de que o Estado deve ser regido por uma Lei, que deve ser acatada e respeitada por todos.
Os cartéis, formam Estados dentro de Estados. Na Bolívia, as verbas destinadas à substituição das culturas de coca passaram a ser utilizadas na ampliação dessas mesmas culturas. Os camponeses simplesmente não aceitam Ter de abandonar um cultivo lucrativo e tradicional, apenas por imposição de uma potência estrangeira. Sendo assim, a única forma utilizada para substituir as plantações é o emprego da força e da mais estrita vigilância policial. Com isso, a noção de democracia simplesmente deixa de existir.