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sábado, dezembro 21, 2024

O Ateneu – Raul Pompéia

O Ateneu – Raul Pompéia

Em O Ateneu, Sérgio, narrador e personagem principal, relata, num tom de pessimismo, os dois anos vividos no Ateneu, um internato para meninos. A excelência da escola, dirigida pelo severo pedagogo Aristarco Argolo de Ramos, no Rio de Janeiro, era conhecida nacionalmente. Por isso, tinha em suas classes alunos provenientes de respeitáveis famílias cariocas e também de outros estados.

No início do ano letivo, Sérgio, então com 11 anos de idade, chega ao colégio pelas mãos do pai que, profeticamente, lhe diz: ‘Vais encontrar o mundo […]. Coragem para a luta’. Quando o pai vai embora, deixando-o só, ele chora. Criança que, até então, vivera sob o doce aconchego do amparo familiar, Sérgio logo vivenciará o verdadeiro significado da premonição paterna, percebendo que por trás da nobre pedagogia e da pompa dos dias de festa – ele o visitara em dois desses dias -, existia um mundo hostil, hipócrita e egoísta.

O edifício do Ateneu era fechado e triste, apesar da natureza verdejante ao redor. Logo no início das aulas, o professor Mânlio recomenda Sérgio a Rebelo, o mais sério de seus alunos, que o adverte da necessidade de ser homem e forte ali, e, para tanto, Sérgio deveria começar não admitindo protetores. Os meninos tímidos e ingênuos eram automaticamente colocados no grupo dos fracos, sendo então dominados, pervertidos como meninas ao desamparo, que precisavam de ‘protetores’ – meninos fisicamente fortes que protegiam os mais fracos em troca, principalmente, de favores sexuais.

Os colegas de classe, cerca de vinte tipos divertidos, são descritos como deprimentes. Franco, menino pobre, agressivo e problemático, era considerado por todos o bode expiatório, sendo por isso alvo de severas punições. Barbalho, de cara amarela, olhos vesgos e gordura balofa, sentava-se no fundo, e, sempre que possível, com um riso cínico, fazia chacota de Sérgio que, um dia, não suportando mais, rolou com ele em uma briga feroz. Outra fonte de constrangimento explícito, no Ateneu, era a leitura das notas todas as manhãs por Aristarco que, com veemência, enaltecia os mais fortes e, sem piedade, desmoralizava os mais fracos.

No quintal do Ateneu havia uma piscina, ‘vasta toalha d’água ao rés da terra’, escoando para o Rio Comprido. Ali, no calor, em meio a uma grande algazarra e alegria, os meninos se banhavam. Um dia, alguém, talvez o próprio Sanches, para se aproximar de Sérgio, puxa-o, maldosamente, pelas pernas, fazendo-o afundar e se afogar. Sanches o salva, a partir de então, devendo-lhe a vida, demonstra toda gratidão para com ele.

Angustiado e acovardado, Sérgio indaga qual o seu destino ‘naquela sociedade que o Rebelo descrevera horrorizado, com meias frases de mistério, suscitando temores indefinidos, recomendando energia, como se coleguismo fosse hostilidade’. Rompendo com a decisão de não admitir para si um ‘protetor’, passa a desejar que alguém o socorra, e o inteligente Sanches desempenhará esse papel. Primeiro aluno da classe, além de proteção, o auxilia nos estudos, que passa a demonstrar melhoras no rendimento escolar. Apesar de amigos, Sérgio sente um certo asco pelo jeito pegajoso do companheiro que tenta mais e mais se encostar nele. Um dia, não aguentando mais as pressões sexuais de Sanches, o menino se afasta.

Após o susto da piscina e o rompimento com Sanches, Sérgio vivencia um período místico muito pessoal. Santa Rosália, cuja gravura em cartão traz dentro da blusa de brim, em santo contato, torna-se sua padroeira mor. Além da religião, busca também consolo nos astros. Adora as aulas noturnas de Astronomia de Aristarco.

Nesse período, o traço marginal de Franco também o atrai, aproximando-se dele acaba participando de uma traquinagem sórdida. Para vingar-se da punição recebida no caso da urina na bomba do poço e, consequentemente, na água de lavar pratos, Franco convida Sérgio para irem aos arredores da escola, onde juntaram algumas garrafas velhas que trouxeram até a piscina. Ali Franco quebrou-as e jogou os cacos no tanque para que todos se machucassem no dia seguinte. No desespero, atormentado pelo remorso e pela cumplicidade, Sérgio perde o sono e se põe a rezar freneticamente para sua padroeira na capela, onde adormece rezando. Por um feliz acaso, no dia seguinte, o tanque foi esvaziado e os meninos se banharam no chuveiro.

Após este acontecimento, o garoto passa ver a religião de outra maneira. Conclui que o misticismo estava degradando-o e ‘a convivência fácil com o Franco era a prova’. Para ele nada era mais melancólico que a morte certa, o inferno para sempre, juízo final rigoroso. Rebaixando a função de Santa Rosália para uma mera marcadora de livros, leva o cartão à sala de estudos e coloca-o entre as páginas de um livro. Pouco tempo depois, ele desaparece. Sérgio acredita que algum apaixonado por gravuras a levara. Nesse período, graças à intervenção discreta do pai a seu favor, as condições no colégio melhoram para ele. Mais confiante, passa a olhar os inimigos de cima.

Funda-se no colégio o Grêmio Literário Amor ao Saber para exercício da retórica. Ali Nearco da Fonseca, aluno novo, que nos esportes era um fracasso, revela-se excelente orador. Bento Alves, rapaz bom, forte e misterioso, é o bibliotecário do Grêmio. Torna-se conhecido e respeitado por ter segurado o assassino de um dos funcionários da escola. O crime foi passional e Ângela, camareira da esposa do diretor, tinha sido a causa. Nas reuniões, Sérgio aproxima-se do bibliotecário, e logo se tornam companheiros, vendo seu relacionamento dessa forma: ‘estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer; porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo’.

Barbalho, inimigo antigo de Sérgio, estava de olho nas gentilezas e olhares afetuosos entre Bento e o novo amigo. Conta o que vê a Malheiro, para que este, rival de Bento Alves, provoque-o. Em meio a uma sessão solene do Grêmio, Bento Alves e Malheiro brigam violentamente. Malheiro toma uma surra, Bento Alves é preso e Sérgio, sem favores sexuais, aceita melhor o papel de ‘dama romântica’, mergulhada no desespero.

Um pouco antes de terminar o ano, o Ateneu era um tédio. Terminam as provas, nas quais Sérgio se sai bem, e finalmente chegam as férias. Nesses dois meses, o menino reflete sobre o mundo exterior, sobre o trabalho do tempo e, ao voltar, sente-se mais presidiário do que nunca. As excursões do internato ao Corcovado e ao Jardim Botânico eram momentos de festa, alegria e liberdade temporária.
Nessa volta, o comportamento de Bento muda. Assim que vê o amigo, passa a agredi-lo. Em luta feroz, rolam no vão da escada, sem perceber a presença de Aristarco. Sem ligar muito, o diretor silencia sobre o que vira. Bento Alves acaba saindo do Ateneu.

Um pequeno escândalo acontece no colégio, dois garotos estão namorando, e Aristarco, que tinha a carta amorosa de ambos, arma um clima de terror e medo entre os alunos. Além disso, estoura mais uma celeuma; ‘a revolta da falsa goiabada’. Aristarco, empresário frio e ambicioso, teve que se desculpar, porque os meninos tinham razão; estavam comendo ‘goiabada de banana’ há três meses, e a ‘paz’ volta a reinar.

Sérgio consegue uma nova e verdadeira amizade. Egbert é um formoso garoto de origem inglesa. Tudo nele causa admiração: do coração à correção das formas. Passam a fazer tudo juntos; eram inseparáveis. Graças às boas notas obtidas, como prêmio, os amigos recebem um convite para jantar na casa do diretor, e Sérgio volta totalmente encantado por Dona Ema, a mulher de Aristarco. Esta, que até então era algo distante e motivo de boatos entre os alunos, surge nos seus sonhos como uma imagem ambígua, misto de ‘mãe’ e ‘mulher’ Algo ocorre em seu íntimo também; passa a perceber Egbert como uma recordação distante. A amizade e o elo fraternal entre o dois começam a esfriar.

A mudança para o dormitório dos maiores o afasta ainda mais de Egbert. A camareira Ângela desperta nele e nos outros meninos uma incontrolável sensualidade. Lembrando-se de Franco, Sérgio vai visitá-lo. Encontra-o doente, com febre após sua última prisão; expusera-se propositalmente ao sereno. Diz que não é nada; um dia sem condições para se levantar, recebe a visita do médico duas vezes. Morre, alguns dias depois. Ao desmancharem a cama, cai dos lençóis um cartão: uma gravura de Santa Rosália; a padroeira desaparecida.

A preparação das solenidades de fim de ano ocupa a todos. A festividade conta com a presença de figuras de vulto da cidade. Entre elas: a princesa Regente e o Ministro do Império. Aristarco discursa empolgado e, após a entrega das medalhas e menções honrosas, é homenageado com o seu busto em bronze.

Logo depois da festa de educação física, Sérgio adoece; esta com sarampo. Devido a isso e à enfermidade do pai que viajara com toda a família para a Europa, tem de ficar na enfermaria da escola no período de férias. Sob os cuidados de Dona Ema, um clima de doçura, amor maternal, amor filial, erotismo paira sobre eles, intensificando seus conflitos internos.

Um grito faz Sérgio estremecer no leito e escancarar a janela; o Ateneu está em chamas. Américo, um menino estranho, que ficara na escola, obrigado pela família e que sumira dali, é o principal suspeito do incêndio. Desaparecera também a senhora do diretor que, desconsolado, presencia tristemente sua obra sucumbir.

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