O Cão Sem Plumas – João Cabral de Melo Neto
Escrito em Barcelona, inicia um ciclo de poemas em que o poeta explicita sua preocupação com a realidade nordestina e a denúncia da miséria. Busca , em meio uma atmosfera mineral, a vida possível. Essa ênfase participante se desdobrará em O Rio e Morte e Vida Severina.
Ressalta-se na redundância , na duplicação de palavras e ritmos, o poema sugere a cadência da prosa e a monotonia das águas barrentas do Capibaribe, cão sem pêlo ou pluma, reduzido só a detritos e lama.
Paisagem do Capibaribe
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul.
da fonte cor-de-rosa
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.