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domingo, dezembro 22, 2024

O Estado

Etimologicamente, de “status”, o termo dá idéia de permanência, de condição do indivíduo. Na França medieval, a expressão era usada para representar os diversos tipos de categoriais sociais. No tempo do Renascimento, seu conceito passou a confundir-se com o de República. Nessa época, a República não tinha a concepção de forma de governo. Seu significado mais moderno nos foi legado por Maquiavel, quando usou o termo pela primeira vez em “ O Príncipe”, afirmando que todos os domínios que têm exercido “imperium” sobre as pessoas, ou são Estados, impérios ou principados.

Na Itália, a expressão passou a ser usada sempre que se referia a uma cidade independente. Na Espanha, a denominação era dada também às grandes propriedades rurais particulares.

No sentido moderno, a fim de indicar a existência de uma sociedade política organizada, a expressão Estado é fruto da Renascença. Ela teria surgido das ruínas do feudalismo, apesar de sabermos que a mentalidade feudal sobreviveu até o século passado. Mesmo extinta a predominância dos feudos, as idéias que sustentavam o feudalismo prevaleceram por muito tempo ainda. Mesmo nos tempos hodiernos, ainda vemos exemplos desses modelos feudais. A Rússia, até fins do século XIX, sustentava a estrutura feudal, assim como o Japão.

São diversas as correntes de opinião, desde a antiguidade até as modernas concepções, conforme a ótica com que cada estudioso observou o aparecimento do Estado.

Há uma corrente de opinião, por exemplo, que admite ter sempre existido o Estado, assim como a sociedade, pois o homem, em qualquer época, sempre se integrou em uma organização social, dotada de autoridade e poder, , a regularem o comportamento grupal.

Para outros, a sociedade precedeu ao Estado, por determinado tempo, vindo este a se constituir face às necessidades grupais que iam surgindo.

Outra concepção é a dos que apenas admitem como Estado a sociedade política, devidamente provida de características peculiares.

Ao examinar essas diversas teorias, podemos extrair dois grandes grupos doutrinários, como assevera Dalmo Dallari, ao tratar do assunto, em sua obra “Elementos da Teoria Geral do Estado”: um grupo que defende a formação natural ou espontânea do Estado e outro, que defende sua formação contratual. Para os primeiros, mesmo que as causas que lhe deram origem não tenham sido as mesmas, existe uma concepção comum de que o Estado tenha se formado de modo espontâneo, sem qualquer interferência de um ato puro de vontade. Para o segundo grupo, que diverge também com relação às causas que lhe deram origem, admitem ter sido por ato da vontade humana que surgiu o conceito de Estado.

Kant, na “Metafísica dos Costumes”, conceitua o Estado como “ a reunião de muitas pessoas, vivendo sob a égide do direito”. Conceito este, pelo seu formalismo, recebeu severas críticas de Shopenhauer, para quem a Teoria do Estado teria sido a parte mais vulnerável da obra de Kant. No conceito de Bordeau, parece existir maior validade, quando ele afirma que o Estado resulta da institucionalização jurídica do poder, dentro da sociedade. Tal institucionalização se afirmaria no poder que se transfere de um indivíduo para uma instituição. A essência do poder repousaria, assim, na instituição e não na pessoa. Essa despersonalização do poder é o que caracterizaria o Estado.

Kelsen vem nos trazer a conceituação do Estado como um sistema de leis, o que vem identificar o Direito com o Estado. Assim, o Estado é um dever-ser ( Sollen), arrimado em uma Zwang (coação) . Será, destarte, uma ordem normativa e coativa. Para ele, os tradicionais elementos constitutivos do Estado não existem, passando o povo e o territrio, por exemplo, a meros ambientes pessoais e espaciais sobre os quais se processa a incidência da norma.

Segundo Hegel, o Estado é “ a realidade da idéia moral” ( Die Wirklichkeit der sittlichen Idee). Objetivando demonstrar esta sua concepção filosófica sobre o Estado, Hegel compôs o seu sistema dialético. , partindo da idéia ou espírito subjetivo (em si) – que seria a Tese, espírito este exteriorizado no espírito objetivo – Antítese, ensejando já um sentido de pluralidade. O espírito objetivo, na dialética hegeliana, compreenderia , por sua vez, a família ( Tese), a sociedade ( Antítese) e o Estado ( Síntese). Esta última culminaria todo o processo da vida social. No entendimento de Hegel, acima do Estado, restaria apenas o Absoluto. Assim, para ele, o Estado deve ser entendido como o mais alto ente ético . Enfim, concluindo sua trilogia, no ápice desta trilogia estaria o Espírito Absoluto ( Síntese), agrupando em si a Idéia e a Natureza, voltando para suas origens. É o Espírito em si e para si.

Esta breve referência “em passant” à dialética hegeliana tem a única intenção de manifestar que, para este filósofo, o Estado é uma totalidade ética.

Passemos a apreciar alguns conceitos de ordem sociológica a respeito do Estado:

Oppenheimer afirma que o Estado, em sua essência, é a única instituição em que , num plano interno, um grupo dominante se impõe sobre um grupo vencido, objetivando perpetuar essa dominação; e, externamente, ele se propõe a conservar sua dominação perante dominações semelhantes. O vencedor, casta dominante, que subjuga o vencido; e , seu poder se torna assim institucionalizado.

Ainda, segundo o mesmo Oppenheimer, no que diz respeito à forma, o Estado é coação e, no tocante ao conteúdo, é dominação das classes exploradoras.

Outros pensadores, como Duguit, Von Ihering, o próprio Marx, irão afirmar a existência desse substratum comum, quando confirmam tratar-se de um produto da violência organizada e sistematizada pela sociedade.

Max Weber nos apresenta uma formulação mais razoável, ao asseverar que nós temos, não Estado, uma comunidade humana que conseguiu, com êxito, legitimar o monopólio da coação no meio social. Seria, pois, o Estado o legítimo titular desse monopólio da coação. Apenas ao Estado compete executar essa violência legitimada.

Jellinek reconhece, de modo bem mais coerente, os elementos fundamentais do Estado: território e povo – elemento material e o poder – elemento formal. Ele afirma ser o Estado “a comunidade de um povo, fixada em determinado território, e dotada de poder originário de mando”. Estaria o cerne do conceito nesse poder originário de mando, poder soberano, , constituinte e não constituído. Esta, a essência da estatalidade.

Em Teoria do Estado, é comum afirmar-se que o Estado é um “fenômeno integrativo”, por serem unificados os seus focos de poder. Daí, sua característica de soberania. Com o desaparecimento do localismo e da dispersão, que predominaram na ordem jurídica medieval, o Estado passa a constituir-se em um “todo integrado e unificado”. Nesta centralização e concentração de poder haveremos de encontrar, sem dúvida, as origens do Estado moderno.

A centralização é territorial, porque o Estado passa a gravitar em torno de um centro. Ele é unitário, simples, indivisível. O Estado-membro de um Estado federal não o subdivide. Ele permanece soberano. Assim, podemos afirmar que o conceito de concentração se apóia na absorção do poder por parte da autoridade. No Estado absoluto, esse poder de concentração era total. No Estado moderno, ele é apenas centralizado, à exceção dos regimes ditatoriais.

Assim, o Estado moderno é centralizado, nacional e soberano. Possui poder dotado de soberania e legitimidade. Faz-se mister que estabeleçamos essa distinção. A soberania, abrangendo o todo, é a União. A autonomia é é termo aplicado aos Estados – membros. Estes, por possuírem auto-faculdade constitutiva, são, por isso, dotados de autonomia constitucional. Daí, podermos chamar de Estados essas unidades-membros da Federação.

Federação (foedus=aliança) significava entre os gregos a aliança de suas cidades, objetivando a sobrevivência e defesa comuns. Emm “A Cidade antiga”, Foustel de Coullanges demonstra como se processava essa aliança entre as cidades gregas. Nos tempos modernos, semelhante concepção é dada à confederação, porque simboliza essa aliança e implica em sacrificar a face externa da soberania, preservando-lhe a face interna. Vale dizer que os Estados-membros são autônomos, mas não soberanos.

Prevaleceu, na Idade Média, como princípio preponderante, o da autoridade. Criticado nos tempos modernos, quando a erudição filosófica trouxe a lume a descoberta de diversas informações alimentadas pelo espírito crítico. Uma delas, por todos considerada intocável, foi a Bíblia, que também passou a ser objeto de estudos críticos, o que ensejou novas conotações à noção de autoridade, vista agora sob um prisma liberal. O tradicionalismo medieval foi cedendo lugar ao racionalismo e ao criticismo.

Daí afirmarmos que, nos primeiros tempos, o Direito era detentor de maior importância que nos tempos modernos. O direito teocêntrico (centrado na divindade) passa a ser juscêntrico ( tendo por base a própria justiça). É de Dante o seguinte conceito de direito: “ relação real e pessoal de homem para homem , a qual, uma vez mantida, manteria a sociedade; uma vez rompida, destruiria essa sociedade”. Era a vontade divina feita norma, i.é, o direito, assim como o poder, tinha origem divina. E esssa norma, emanada da divindade, recebia a chancela da sociedade. E o direito consuetudinário e tradicional dos tempos medievais não admitia outras normas que se originassem de tratamentos legislativos. Era ele, por natureza, refratário à norma escrita.

Foi a época dos chamados pluralismos. Um direito disperso em diversas jurisdições, com diferentes autoridades.

O princípio teocrático do poder, acima referido, encontraria sua explicação na afirmação de São Paulo, em uma carta aos romanos: “todo poder vem de Deus”. A afirmação, interpretada literalmente, teria levado à concepção de que Deus é que haveria de determinar quem assumiria o poder. Essa doutrina da origem divina do poder não foi do pleno agrado de Santo Tomás de Aquino e outros pensadores cristãos. Para estes, a afirmação consistiria tão somente em que o princípio do Poder é que deriva da vontade de Deus, como Autor supremo que é de todas as coisas. E assim , modificaram a frase de São Paulo para: “ Todo poder vem de Deus , através do povo”.

A tese dos pensadores cristãos, de que todo poder tem origem na vontade popular encontrou eco na história da democracia, cuja discussão vem ressurgir no século XVIII, o século do liberalismo, por excelência. E essa forma de governo, que melhor atendesse à liberdade individual, teria levado os pensadores a discutir sobre qual seria, realmente, a melhor forma de governar. Em “ O Contrato social”, J. J. Rousseau formula a teoria pura da democracia, afirmando que só é legítimo o governo democrático. Para Rousseau, os homens só viveriam em sociedade, sem perder os seus direitos naturais, se pudessem ser, num só tempo, soberanos do Estado. Assim, só seria considerado legítimo o governo, se suas decisões fundamentais fossem tomadas pela vontade coletiva. É Rousseau mesmo que afirma que, se existisse um povo de deuses, esses governariam democraticamente.

Segundo Dalmo de Abreu Dallari, nas formas de Estado mais primitivas, encontravam-se duas características fundamentais: religiosidade e natureza unitária. O fator religioso, que se afirmava na autoridade dos governantes e se traduzia nas normas de comportamento emanadas da vontade divina, seria característica do Estado teocrático. Estado e Divindade estariam, assim, em íntima relação, de tal modo que a vontade do governante seria confundida com a vontade divina. A natureza unitária do Estado foi uma constante em toda a política da Antiguidade.

Aquilo que se denominou Estado-grego (polis – cidade estado), constituiu-se em uma sociedade política na expressão maior do termo. Nela prevaleceu o princípio da auto-suficiência e os seus cidadãos, que representam pequena parcela da população, tinham participação efetiva nas grandes decisões políticas.

Com os romanos, a civitas resultou da união de grupos familiares e, tal como no Estado grego, a noção de povo era também restrita. Os magistrados eram os governantes supremos e seus cargos geralmente ocupados por descendentes de famílias patrícias.

Foustel de Coullanges, n´”A cidade antiga”, ao contrario dos pensadores modernos, que atribuem às culturas Greco-romanas as características fundamentais de secularismo e liberdade como grande legado da antiguidade clássica ao mundo ocidental, prefere estudar aquelas civilizações justamente sob o aspecto da religiosidade. E afirma, então, que a religião doméstica, que antes proibia a união do culto entre famílias, permitiu que depois as famílias poderiam se reunir para celebrar um culto comum, sem prejuízo de seus cultos particulares. Era o que os gregos chamavam de fratria e os romanos de cúria.

Cada um desses ajuntamentos possuía seu chefe: o fratiarca e o curião. Tais organizações tinham poder de deliberar, promulgar decretos, reunir-se em assembléias. Quando, movidas pelas mesmas afinidades, as cúrias e/ou fratrias se grupavam , formavam um conjunto chamado tribo, que possuíam, por sua vez, seu culto comum, seu altar, seu chefe e seu tribunal. Essas tribos reuniram-se, depois, dentro de um respeito mútuo ao culto de cada uma, e formaram a cidade (polis ou civitas, grega ou romana). A cidade não era um mero agrupamento desordenado de pessoas, mas uma confederação de grupos organizados e politicamente definidos. Suas necessidades e sentimentos comuns fizeram-nas aproximar-se, dentro daqueles critérios que ensejaram a sua formação. Assim também as cidades se agruparam em torno desses objetivos comuns e constituíram o Estado. Em todo este processo gradativo vemos que foi a religião o grande sopro inspirador.

Na sociedade política medieval, três elementos se conjugaram para caracterizar o Estado: o cristianismo, inspirado nos princípios da universalidade, estimulando a afirmação do império como unidade política, com vistas à formação de um Império da Cristandade; as invasões bárbaras, criando profundas alterações na ordem social e, por fim, o feudalismo, com a excessiva valorização da posse da terra e conseqüente desenvolvimento de um sistema administrativo e militar, inteiramente vinculados à situação patrimonial.

Da instabilidade política, econômica e social, que caracterizara o pluralismo da ordem jurídica medieval, surge o Estado moderno, com as características básicas de unidade territorial dotada de um poder soberano. Soberania e territorialidade passam a ser os elementos fundamentais da constituição do Estado. Para Gropalli, além dos elementos tradicionais que constituíam o Estado – território, povo e poder – deveríamos acrescentar a finalidade, pois as pessoas só se unem sob o comando de uma autoridade, porque têm em vista um fim comum e o próprio Estado , para justificar sua existência, há de possuir também sua finalidade específica, que é o bem comum.

Com base nestas características – ordem jurídica, soberania, território, povo e finalidade – concluímos com o conceito de Dalmo Dallari, ao afirmar que o Estado é “uma ordem jurídica soberana, que tem por finalidade o bem comum de um povo, situado em determinado território”.

BIBLIOGRAFIA

– BONAVIDES, Paulo – “Ciência Política” – Ed. Forense, 3ª. Edição, Rio de Janeiro, 1976.
– COULLANGES, Foustel de – “ A cidade antiga” .
– DALLARI, Dalmo de Abreu – “Elementos de Teoria Geral do Estado” – Ed. Saraiva – São Paulo, 1973.
– HEGEL, G.W.F. – “La Phenomenólogie de l´Esprit”. Ambier, Editora Montaigne, Paris, 1951.
– KELSEN, Hans – “Teoria pura do direito” – Armênio Amado Ed. – 4ª. Edição, Coimbra, 1976.
– SALDANHA, Nelson – “O Estado moderno e o constitucionalismo” – Coleção Jurídica (26), J. Bushatsky, São Paulo, 1976.

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