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domingo, dezembro 22, 2024

O MOVIMENTO ESTUDANTIL E SUA COBERTURA PELA IMPRENSA

O movimento estudantil e sua cobertura pela imprensa brasileira: o congresso da UNE em 1968

Universidade de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes

Introdução

A imprensa brasileira é vítima de um forte processo de polarização e centralização político-ideológica, proveniente da posse dos grandes meios de comunicação por empresários do alto escalão da iniciativa privada. Historicamente, o desenvolvimento da política no Brasil esteve vinculado à classe dominante, e a utilização da máquina pública como instrumento para a defesa de seus interesses é um fator recorrente nesse processo político, sendo a população em si, mais do que em outros países, excluída dele. Nesse contexto, o jornalismo deveria exercer mais do que nunca um papel de defesa dos interesses populares e assim o faria se não estivesse, entretanto, vinculado tão fortemente a esse mesmo capital privado que manda e desmanda nos acordos políticos nacionais. Reflexo desse processo é a hegemonia de grupos midiáticos como a Rede Globo, o Grupo Folha de São Paulo ou a Editora Abril, empresas jornalísticas cujos históricos estiveram sempre ligados ao grande capital que financia partidos políticos e suas campanhas eleitorais e é, dessa forma, beneficiado pelos mesmos. Nesse contexto é que se pode dizer que a imprensa brasileira é vítima: enquanto uma instância maior da democracia e dos direitos que toda sociedade tem a liberdade de expressão e opinião, ela é coagida muitas vezes por um partidarismo velado, contrário à imparcialidade que deveria ser a base da cobertura jornalística, contribuindo negativamente para o principal propósito do jornalismo: informar.
Durante o século XX, o surgimento do Movimento Estudantil brasileiro foi significativo para efetivar a participação política dos estudantes na vida do país. Apesar de ter sido cada vez mais noticioso esse envolvido, e crescente a representatividade dos estudantes pelo M.E. (até chegar ao momento político atual, onde entidades como a UNE, a UMES e a UBES são totalmente “chapa branca”), a cobertura da imprensa de sua militância foi prioritariamente negativa. Quando o golpe militar de 1964 foi dado e, posteriormente, em 1968, foi instaurado o Ato Institucional nº5, vivemos dois momentos que tocam profundamente os temas abordados nesse trabalho: a UNE torna-se uma organização clandestina e a imprensa passa a sofrer uma cruel censura. Nesse âmbito, o objetivo do trabalho foi enunciar, através de duas matérias de capa da Folha de São Paulo e da revista Veja sobre o congresso clandestino realizado pela UNE em 1968 na cidade de Ibiúna, como a imprensa da época dava um respaldo à sociedade sobre a organização política de seus estudantes e utilizava, quando lhe interessava ou não, da subjetividade para defender ou atacar nas entrelinhas esse movimento.

O congresso da UNE em 1968

Logo após o golpe militar de 1964, a União Nacional dos Estudantes, ou UNE, teve sua sede no Rio de Janeiro incendiada. Como qualquer outra organização popular que contasse com mais de 10 pessoas, ela foi fechada oficialmente e passou agir na ilegalidade.
Em outubro de 1968, os estudantes se organizaram em um congresso que foi realizado em um sítio na cidade de Ibiúna, reunindo diversas diligências do movimento estudantil bem como algumas lideranças importantes, dentre elas José Dirceu, Luís Travassos e Vladimir Palmeira. O congresso visava decidir os rumos do M.E. no Brasil bem como qual seria a partir dali sua linha de atuação política no combate à ditadura militar.
As deliberações sequer chegaram a ser efetivadas uma vez que a Polícia Militar descobriu o congresso por meio de uma denúncia feita por um delegado local e invadiu o sítio onde os estudantes se concentravam, levando todos eles para São Paulo, onde foram presos, em sua maioria por até uma semana, e submetidos a interrogatórios.
À época, alguns repórteres estiveram presentes no congresso que, apesar de ter os estudantes como seu principal público, estava repleto de jornalistas, tanto por serem partidários da organização estudantil como por estarem lá à trabalho, fazendo a cobertura clandestina do evento.
A capa da revista VEJA: “Todos presos”.
“(…) Assim terminou o Congresso da EX-UNE. Todos presos”. Era essa a manchete que enunciava o fim do Congresso na capa da revista VEJA de Outubro de 1968. De acordo com a revista, os estudantes que se encontravam no congresso não eram, nem de longe, “(…) parecidos com os perigosos subversivos ditos pelo governo (…)”. A cobertura feita pela revista tenta projetar os estudantes reunidos como jovens idealistas sem, entretanto, terem real noção do porquê de sua militância e os aponta como vítimas de lideranças ambiciosas que envolviam o M.E. à época:
“(…) O soldado o reconheceu: era Luís Travassos, presidente da ex-UNE. Foi levado até o coronel Ivo Barsotti, comandante da operação anti-Congresso. O Coronel apontou novo rumo para Travassos: a Rural, em que já estava José Dirceu, ex-presidente da ex-UEE paulista. Dirceu – cabelo comprido, barba por fazer, olhar cansado -, disse a seu velho rival na disputa pela liderança na ex-UNE: “Dentro de um mês fazemos um novo Congresso (…)””.
A revista enfatiza as condições precárias em que o congresso se deu, ressaltando que os estudantes se amontoavam em chiqueiros para dormir e não possuíam nenhuma condição de higiene ou asseio para passarem os dias que passaram ali. Ela transmite também a sensação de que a reunião era feita por militantes ingênuos, sem qualquer tipo de precaução com o que poderia vir a acontecer com todos aqueles estudantes ali reunidos e também sem qualquer tipo de prevenção para evitar que sua presença ali fosse denunciada – em suma, trata-os como um grupo de garotos urbanos de classe média que resolveram de algum modo atuar politicamente.
“(…) E o fato é que o movimento estudantil se tornou a vanguarda de todo movimento progressista no Brasil. Nós temos acesso à cultura e ainda por cima pertencemos à classe dominante. Se um estudante é preso, o País inteiro fala dele através de jornais e de um intercâmbio de protestos interfaculdades. Quem não é estudante pode ser preso e espancado que ninguém fala dele (…)”.
A revista atenta ainda para a organização da UNE até a gestão de João Goulart na presidência da república. Disserta sobre a contribuição governamental que a organização estudantil recebia do até então presidente e como ela havia se distanciado do real propósito dos estudantes até aquela época, tornando-se um órgão político cujo referencial de atuação mudara de campo.
“(…) O casarão cinzento da Praia do Flamengo ruiu em chamas no mesmo dia da queda do Governo Goulart e marcou o fim de um período de vida da ex-UNE. Ao ser fechada por decreto mais tarde conhecido como Lei Suplicy, a UNE se modificou e abandonou a política vinculada ao Ministério da Educação. O Ministro que assinou a Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964, Professor Flávio Suplicy de Lacerda, hoje reitor da Universidade do Paraná, lançou na época um desafio: “A UNE poderá continuar existindo, mas como organização civil. Se sobreviver nessas condições, terá dado prova de capacidade e autenticidade de representação, pois sobreviverá sem o estímulo de gordas e fáceis dotações federais (…)”.
Ainda nessa matéria, a revista enuncia um questionamento: “Até onde chegam os perigosos caminhos dessa União?”. É possível enxergar que, de acordo com a linha editorial da revista Veja, o congresso não foi uma reunião subversiva como pregava o regime militar, mas uma reunião de leigos e ingênuos estudantes com uma diretoria, essa sim subversiva, proveniente de uma organização falida.
A matéria de capa da Folha de São Paulo: o mesmo título.
A Folha de São Paulo começa sua reportagem sobre o ocorrido com o mesmo título utilizado pela revista Veja: “Todos presos”. Entretanto, em sua cobertura, ela evita fazer qualquer análise do Movimento Estudantil ou da atuação da UNE. Continua bastante concisa na apresentação das informações, se prendendo aos dados como número de estudantes envolvidos, onde foram presos, etc.
“(…) Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinadamente num sitio, em Ibiuna, no Sul do Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS (…) A denuncia de um caboclo, que fora barrado ao tentar chegar até o sitio Muduru, onde estavam os estudantes, fortaleceu a convicção da Policia de que o congresso seria realizado ali. Depois de avançar alguns quilômetros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada, 215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para intimidá-los (…)”
A Folha termina ainda sua curta reportagem com uma declaração do governador Abreu Sodré, onde fica mais evidente uma tentativa de combater a censura e ampliar a imparcialidade jornalística sobre o caso.
“(…) E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: “Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE (…)”
À época em que o congresso foi realizado, o grupo Folha ainda não havia unificado suas edições. Existia ainda uma outra edição do jornal, a Folha da Tarde, cuja edição saía no fim da tarde e era destinada especialmente aos trabalhadores e operários que saíam da fábrica após cumprirem uma jornada inteira de trabalho. Nessa edição, o jornal publicou o texto de um repórter que estivera presente no congresso da UNE e viu de perto, sendo inclusive preso com os outros estudantes, todo o processo a que foram submetidos. À partir daí, ele faz uma análise bastante consistente de todo o processo em um estilo textual que é, muitas vezes, o mais parcial possível: o relato.
“(…) O momento de maior apreensão foi quando chegamos a uma clareira onde esperamos transportes requisitados pela polícia para seguirmos até Ibiúna. Sentados na grama molhada, alguns dormiam. Um cabo foi passando de soldado a soldado, eles faziam um círculo em torno de nós. O cabo dizia qualquer coisa aos soldados e estes tiravam seus cassetetes e ficavam balançando-os em nossa direção. Um sargento começou a travar e destravar sua metralhadora. Longe, ouvíamos a voz de alguém que mandava em posição de sentido, levar os fuzis aos ombros e marchar em nossa direção. Alguns pensaram em fuzilamento. Outros acreditavam apenas ser espancados. A maioria tinha certeza ser apenas uma pequena guerra de nervos. E era isso mesmo (…)”.
Apesar da parcialidade contida no relato, ele é importante no contexto em que se encontrava a imprensa na época. Por meio dele, a Folha da Tarde torna possível a divulgação da arbitrariedade com que a Polícia Militar continha manifestações de qualquer ordem, bem como os maus-tratos sofridos pelos estudantes detidos preventivamente sem qualquer possibilidade de defesa. Ao término do texto, o repórter diz ainda estar bastante chocado com o que passou e, mostrando-se solidário, leva o leitor a pensar sobre aqueles que ainda se encontravam presos no momento em que o jornal era publicado.
“(…)Após o depoimento fomos libertados. Saímos do DOPS a passos calmos. Lembrávamos os companheiros do mesmo cárcere que estavam no presídio enfrentando a fome, o frio e, como nós, sujos de lama.
– Precisamos avisar aos outros estudantes para que levem agasalhos e alguma coisa de comer para que a turma não passe mais fome do que a que têm passado – comentei com o colega da “Veja”. Um táxi parou a um sinal que fizemos. Fomos até um restaurante onde matamos a fome de um dia inteiro sem comer……………………………………………………………..
Enquanto seguia para casa lembrava que teria uma cama com colchão e um cobertor, ao invés do chão frio e da umidade da penitenciária Tiradentes onde ficaram mais de 700 estudantes(…)”

Análise dos conteúdos: a subjetividade e a objetividade usadas.

A subjetividade na revista Veja
Dentre as formações estilísticas, os termos e a abordagem utilizada, podemos destacar uma característica que diferencia essencialmente as matérias da revista Veja e da Folha de São Paulo: enquanto a Folha procura enxugar seu texto de considerações sobre o congresso dos estudantes, a revista Veja elabora uma reportagem baseada essencialmente em análise de conteúdo, traçando um histórico do movimento estudantil e uma narrativa do que precedeu ao ocorrido, bem como um perfil dos estudantes que o compõe.
Dessa forma, é possível lançar um questionamento: qual o objetivo da revista Veja em escrever sua reportagem dessa forma?
Em seu livro “Poder no Jornalismo”, a professora Mayra Rodrigues Gomes faz uma citação interessante à respeito do papel da imprensa em um contexto histórico:
“(…) O jornalismo tem, entre outras, uma origem panfletária que conclama à ação política, que congrega em torno de ideais e mobiliza em direção à lutas. Se ele conserva esta veia, ainda que muitas vezes só insinuada pela posição ideológica das empresas jornalísticas, ela se revela no que aparece como evidente marca das últimas décadas: a visada da crítica, da denúncia, da vigilância, do apelo às justiças, que lhe é vital (…)” (GOMES, 2002: 15-16)
Logicamente, como bem observado pela professora Mayra, o jornalismo tem em sua essência um papel de crítica oriundo de uma posição político-ideológica. No âmbito da revista Veja, essa posição mostra-se clara pelo desenvolvimento do perfil editorial dessa revista ao longo dos anos, mas a intenção em expor tal visão não é objetiva na reportagem sobre o congresso da UNE. Por meio das histórias que anteviram o congresso, pelo destaque dado à personagens envolvidos (como os líderes estudantis José Dirceu e Luís Travassos) e, prioritariamente, pela composição do perfil do estudante que é militante do M.E., a reportagem não repreende o congresso da UNE, tampouco o classifica como subversivo ou perigoso; entretanto, utilizando da exposição dos dados da classe que o compõe, ela desvaloriza a organização dessa união, tentando descaracterizar seus membros.
“(…) Para se ter um retrato de quem é o estudante universitário no Brasil, foi feito um trabalho pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, em 1965, no qual se verifica que os pais dos universitários têm, na maioria, atividades remuneradas de nível alto e médio; que a maioria tem irmãos que estudaram; que a maioria das mães não trabalha; que em grande número fizeram o curso médio em escolas pagas; que apenas 8,52% deles têm pais operários; que a idade média dos primeiranistas é 22,11 anos (a idade média ideal é considerada entre dezessete e dezenove anos); que 44,12% deles trabalham; que 62,49% têm ajuda financeira da família; e que 27,75% das famílias têm carro(…)”
Enunciando sua origem familiar, sua classe social e suas atividades remuneradas, a reportagem busca prioritariamente mostrar que a UNE não condiz com sua linha ideológica que basicamente esteve sempre ligada ao marxismo ou, mais amplamente, à esquerda. Desse modo, o leitor poderia julgar o movimento como não sendo genuíno em sua luta, mas sim fruto de uma rebeldia juvenil ou mesmo de certa “alienação reversa”, como se os estudantes, na ânsia de ser lançaram a uma luta em face de um regime antidemocrático, passassem a obedecer cegamente alguns diligentes específicos (no caso, os recorrentemente citados líderes do M.E.).
A subjetividade na Folha da Tarde.

A Folha da Tarde, como já dito anteriormente, era um jornal destinado a um outro público alvo, isto é, os trabalhadores recém-saídos de suas jornadas de trabalho, que não haviam tido tempo de ler o jornal pela manhã. Para anunciar o congresso da UNE, a Folha da Tarde optou pelo relato de seu repórter Antônio Mello, que esteve presente no evento. Em sua essência, um relato já é um registro bastante tendencioso porque permite ao autor expressar claramente as visões pessoais. No caso ainda mais específico do repórter Antônio de Mello, ele foi, assim como os outros estudantes, preso, humilhado, sendo vítima de fome, frio e maus tratos. Nesse contexto, ele desenvolve, claramente, uma posição fraternal com os membros da UNE presentes ao congresso, impossibilitando um posicionamento frio perante os fatos.
“(…) Lá encontramos Vladimir Palmeira, José Dirceu e Antonio Ribas, este presidente da entidade dos secundaristas que fora libertado três dias antes de ser preso de novo. Vladimir tremia de frio. Os olhos estavam injetados de sangue e ele tremia de frio. Sua respiração irregular denunciava que ele devia ter sofrido outro ataque de asma(…)”.
Dessa forma, a Folha da Tarde consegue publicar uma visão bastante pessoal do ocorrido e seu registro ganha um vigor de realismo porque teve um repórter presente no momento, vivenciando toda a situação. Sumariamente, a diferença entre fazer a reportagem depois do fato e tê-la vivido enquanto ele acontecia possui a mesma diferença que existe entre contar uma história da qual você ouviu falar e uma outra que aconteceu com você (vale ressaltar que esse é um dos enunciados do New Journalism ou do Jornalismo Literário).
Há ainda outro ponto destacável nessa reportagem que diz respeito a linguagem utilizada. O relato de Antônio de Mello se caracteriza por uma informalidade tremenda que coincide inclusive com a utilização de termos próprios do M.E. ou de qualquer outra entidade de classe mobilizada (“companheiros”, “pelegos”, etc…). Em sua “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire defende a utilização de termos referentes à realidade do trabalhador bem como uma grafia correspondente à fala, para promover sua alfabetização. Esse paralelo nada mais é do que uma tentativa de trazer a elaboração teórica à prática cotidiana por meio da linguagem. O mesmo é feito pelo repórter, que busca, relatando situações inclusive de forma bem-humorada e usando coloquialismos, é capaz de trazer o fato frente a realidade do leitor alvo da Folha da Tarde.
“(…)Os conchavos se intensificavam de todas as partes. A delegação do Ceará não me pareceu que ia ficar com o José Dirceu (…) Outro reclamava contra o local que havia escolhido para o congresso. Dizia que “era muito escondido. De outras vezes vocês podiam escolher um lugarzinho melhor. Não precisa ser no meio do mato” Um estudante respondeu que o próximo Congresso vai ser realizado no “Othon Palace” (…)”
A objetividade na Folha de São Paulo.

Buscando uma análise meramente factual do congresso da UNE, a Folha de São Paulo se prende majoritariamente aos dados, tendo publicado, à época, uma matéria bastante resoluta de pouco mais que duas colunas. O informe dado pelo jornal, que tinha um público alvo diferente do seu companheiro Folha da Tarde, buscava meramente comentar a prisão dos estudantes e de alguns líderes estudantis. Ao final da matéria, a entrevista com Abreu Sodré busca somente finalizar e ponderar as ações tomadas pela força pública na tentativa de contenção de qualquer organização que o governador chama de “subversiva”.
“(…)Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados aos ônibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de “manter a paz e a tranqüilidade para a população que deseja trabalhar”. E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: “Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE” (…)”.
Os termos utilizados propõe uma provável indiferença ao fato do ponto de vista editorial, que poderia inclusive denunciar um não apoio aos estudantes. É válido lembrar que a Folha de São Paulo apoio o golpe de 1964, como eles próprios afirmam em seu histórico público.
Essa indiferença em relação ao conteúdo anunciado, entretanto, pode também estar respeitando um acordo com a linha editorial adotada pelo Grupo Folha: a busca de diferentes pontos de vista por meio de reportagens diversas, feitas por diferentes autores sobre o mesmo terma. Dessa forma, a Folha de São Paulo ao publicar uma matéria que se propõe somente a disponibilizar dados concisos se contrapõe ao relato da Folha da Tarde, proporcionando uma espécie de balança ideológica que, teoricamente, resultaria em sua almejada imparcialidade.

Conclusão

As organizações sociais, que muitas vezes são movimentos espontâneos da sociedade frente a uma dificuldade enfrentada, nem sempre serão defendidas pela imprensa. Por mais que o papel do jornalismo seja estar ao lado do cidadão, atuando como uma voz que possa falar por aqueles que não a possuem, é discutível se ele encara essa atuação como legítima. Durante a ditadura militar, o movimento estudantil desempenhou um papel importante na luta pela redemocratização do país e a imprensa, que era e sempre será uma das mais interessadas na democracia e no livre uso da palavra, por vezes se colocou contra ele.
O questionamento da revista Veja acerca da legitimidade da participação dos estudantes da UNE no congresso e na luta política como um todo visa por em cheque a validade da indignação pequeno-burguesa. Entretanto, é válido lembrar que a democracia é um sistema intimamente ligado ao modelo liberal e, portanto, qualquer tipo de estímulo contra um regime autoritário e centralizador faz um imenso sentido.
“(…) Em compensação é freqüente que um movimento social provoque comportamentos de crise ou se apóie sobre eles. Uma crise econômica, a ameaça ou a realidade do desemprego provocam comportamentos coletivos que nem sempre estão associados a um questionamento de poder e que são diferentes de um movimento social, isto é, de um conflito de classes colocando em jogo o controle do sistema de ação histórica . O movimento estudantil na França, no decorrer dos anos recentes, foi fortemente associado a condutas de crise. É na faculdade de Letras, com recursos precários, com um ensino herdado da sociedade liberal, até mesmo de sociedades mais antigas, que ele se desenvolveu mais facilmente (…)” (FORACCHI e MARTINS, 1977: 337-338)
Mas ainda é válido ressaltar que a imprensa da época passava por uma rigorosa censura, que levou alguns outros veículos de comunicação a escapar dela por vias performáticas (à exemplo do Estado de São Paulo, que chegou a publicar receitas de bolo ou sonetos de Camões em lugar das manchetes). Nesse âmbito, é plausível que ambos os veículos, bem como todos aqueles que puderam e conseguiram noticiar um congresso estudantil, tenham feito reportagens completas e aprofundadas, cada um sobre seu viés ideológico e social.
Trata-se, portanto, de concluir que a imprensa é sempre capaz de seguir sua linha de pensamento editorial, mesmo em tempos de crise, mesmo quando a sua liberdade de expressão e opinião é velada, usando da objetividade ou da subjetividade para enunciar pontos que considere relevantes ou esmaecer nas entrelinhas das matérias determinados fatos que podem, ao seu modo, passar despercebidos. Afinal, fica claro que toda não ação já é uma ação, e, seguindo essa linha, toda não publicação já é uma publicação.
Ainda nesse contexto, é válido lembrar que a imprensa e a sociedade tornam-se, de um modo ou de outro, organismos confluentes e inseparáveis: um necessita do outro para seu funcionamento perfeito. Um primeiro sinal de que a organização social vigente caminha rumo à processos preocupantes é o estado de liberdade em que se encontra sua imprensa. A capacidade dela falar pelos fatos, à respeito deles, e julgá-los reflete essa necessidade de pontuar o fato e promover sua exposição – partilhar o que é individual com o coletivo, sem restrições, é, portanto, um dos principais objetivos do jornalismo.
Os jornais, as noticias, procedem por redundância pelo fato de nos dizerem o que é necessário pensar, reter, esperar, etc… a linguagem não é informativa nem comunicativa, não é comunicação de informação, mas – o que é bastante diferente – transmissão de palavras de ordem, seja de um encunciado a um outro, seja no interioro de cada enunciado, uma vez que o enunciado realiza um ato e que o ato se realizada no enunciado (DELEUZE e GUATTARI, 1995:16-17)

Bibliografia

Internet
http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/grupo_folha.shtml
http://veja.abril.com.br/arquivo.shtml
13 – Congresso da UNE – todos presos
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_16101968.shtml
http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_100.html

Página inicial

Livros
GOMES, MAYRA RODRIGUES. Poder no jornalismo. São Paulo: Edusp, 2003. 112 p.
GOMES, MAYRA RODRIGUES. Ética no jornalismo. Uma cartografia de valores. São Paulo: Editora Escrituras, 2002. 92 p.
DELEUZE, GILES E GUATTARI. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro. Editora 34, 1995
FORACCHI, MARIALICE MENCARINI e MARTINS, JOSÉ DE SOUZA. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1977.335 p.
FREIRE, PAULO. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995. 213 p.

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