O filme O nome da Rosa, dirigido por Jean-Jacques Annaud, é uma obra cinematográfica baseada no livro de mesmo nome do professor e escritor Umberto Eco. Annaud, diretor francês, já produziu vários filmes de sucesso. Sua fama é maior na Europa e, por isso, seu nome não é o primeiro fator responsável por despertar interesse nos espectadores brasileiros. Quem já tiver conhecimento de suas produções saberá que se trata de um filme rico em detalhes e com peculiaridades do cinema europeu – que em alguns caso é tido como mais artístico que o “hollywoodiano”1. Mas o que primeiro desperta a curiosidade é o fato do filme ter sido baseado no best-seller de Eco, nome muito mais famoso no Brasil2. Diferente do que acontece em alguns casos, O nome da Rosa não foi criado para ser uma adaptação fiel ao livro. O que Annaud propõe é um novo olhar sobre a obra, uma interpretação dele. Dessa forma o filme, independente do livro, cumpre o dever de uma boa produção ao surpreender e intrigar o espectador.
A narrativa começa com as memórias que Adson Von Melk escreve em seu testamento. Adson é um monge franciscano já idoso mas o filme retrata a época em que ele era o jovem noviço do também monge franciscano Guilherme de Baskerville, interpretado por Sean Connery. Estes são os protagonistas da trama. Ao chegar numa abadia no Norte da Itália, no ano de 1327, Guilherme é encarregado de investigar a morte misteriosa de um jovem monge para acalmar os demais moradores da abadia. Inicialmente Guilherme não pretendia se envolver muito com o caso por alguns problemas que ele havia enfrentado no passado, mas pelo seu amor à ciência e à sabedoria ele se entusiasma e acaba investigando o acontecido junto com seu aprendiz. Seu objetivo principal é provar a verdade com base na razão e não fazer o que os demais já estavam fazendo: pela natureza estranha da morte estavam colocando a culpa em algo sobrenatural, diabólico.
A segunda causa, a sobrenatural, é muito mais aceita pelos religiosos e isso prejudica as investigações de Guilherme. A situação fica ainda mais complicada quando outras mortes estranhas começam a acontecer aparentemente sem ligação sem a primeira e, na crença dos monges, seguindo as profecias do livro bíblico do Apocalipse. Mesmo com todas as evidências místicas, o franciscano segue suas investigações sem se deixar influenciar – sempre se baseado na razão, lembrando o que ele aprendera com os filósofos gregos e sempre passando lições para seu noviço.
Durante as investigações o jovem Adson acaba se encantando por uma pobre garota simplesmente ao vê-la. Trata-se de uma camponesa que mora do lado de fora dos muros da abadia levando uma vida precária junto com outro pobres. O encanto se transforma em paixão no segundo e único encontro dos dois. A paixão é contra os princípios do noviço, mas ele não se vê capaz de controlar tal emoção. Mesmo impedido de vê-la novamente, ele não consegue parar de pensar nela e a deseja profundamente.
Com a inclusão de personagens misteriosos – como o bibliotecário Malaquias e seu ajudante Berengário que impendem o acesso de qualquer pessoa à biblioteca e o irmão Severino, o monge responsável por estudar os corpos dos mortos, que ajuda a Adson e ao seu mestre a investigar o caso – e com mais mortes acontecendo o mistério vai se tornando cada vez mais complexo. Mas o franciscano Guilherme surpreende a todos com as evidências necessárias para a provável solução do acontecido. Porém sua teoria não é aceita pelas autoridades da abadia, pois teria de se admitir que os próprios monges tinham parcela de culpa pelas próprias mortes ao serem autores de atos inadequados. Nesse momento surge o personagem Bernardo Gui, da Inquisição, que havia sido enviado pelo papa para solucionar de uma vez por todas o mistério que atormentava a Igreja.
Desse ponto em diante valiosas descobertas vão sendo feitas por Guilherme – sempre se baseando na razão – ao mesmo tempo que Bernando Gui também faz suas descobertas porém, sempre baseado no misticismo. Todas as indagações vão sendo aos poucos esclarecidas e o espectador é levado a um final emocionante.
O Nome da Rosa tem o diferencial de ser um filme de detetive em plena Idade Média. A forma com que o mistério se desenrola é cativante. Não é à toa que Guilherme de Baskerville e Adson Von Melk é comparado com “Um Sherlock Holmes medieval e seu aprendiz, Dr. Watson”3. Ao mesmo tempo que cumpre a tarefa de desvendar o mistério dos assassinatos a narrativa vai derrubando aos poucos a imagem da ordem religiosa santa que seria o ideal da época. No lugar de monges castos, puros e inocentes aparecem personagens libertinos e pecadores. Não só os noviços como também as próprias autoridades da Igreja. Mostra o cenário de preconceito existente na época tecendo críticas ao sistema e mostrando, tando direto como indiretamente, os prejuízos caudados por esse cenário.
O espectador é levado a tirar as próprias conclusões a partir de cenas que vão se encaixando com o desenvolver da história para encontrar seu sentido maior nos pontos de clímax do filme. Dessa forma que pode-se perceber várias oposições entre diferentes valores muito discutidos na época e ainda hoje, mesmo de forma diferente, deixando o filme atual. Percebemos a oposição entre a razão de Guilherme e as superstições dos monges. Vemos que a paixão excessiva pela ciência não é algo realmente valioso, assim como a cegueira pela superstição é também bastante prejudicial. Percebemos também a oposição entre a coragem inexperiente da juventude no jovem Adson com a experiência sempre prudente de seu Mestre. Percebemos também os problemas da irracionalidade da Inquisição e a fraqueza da ciência da época para combatê-la.
Há um fator que pode incomodar o espectador em primeira instância: em alguns momentos o personagem Guilherme de Baskerville age de uma forma ingênua que parece não se encaixar no caráter de um investigador. Mas esse não é um ponto negativo, pois basta um olhar um pouco mais atento para perceber que não se trata de um investigador propriamente dito. O personagem é antes de tudo um monge e algumas cenas reforçam esse fato. Mesmo com seu amor à razão o monge não deixa de lado sua fé e suas crenças. Por isso as atitudes aparentemente ingênuas são facilmente justificadas.
O Nome da Rosa cumpre o seu dever tanto como obra de arte quanto como ferramenta de entretenimento. É um cânone4 artístico não junto, mas em paralelo com o livro que o deu origem. É, por isso, indispensável não só para os amantes do cinema mas também para qualquer indivíduo que busque conhecer o melhor da arte cinematográfica.