No universo dos projetos para espaços de funções diversificadas existem três profissionais responsáveis por coordenar os projetos para a qualidade do ambiente construído: o arquiteto, o designer de interiores e o ergonomista. Definir o papel e o momento deles atuarem no projeto é uma questão que deve é estudada com cautela.
O ergonomista atua provocando a demanda e definindo cada vez mais seus serviços junto a outros profissionais, de maneira a garantir sua participação desde o início do projeto de novas situações de trabalho.
Infelizmente no Brasil, a ergonomia não aparece como ferramenta importante na concepção dos projetos, mas como recurso posterior, e mesmo assim, é muito pouco aplicada junto aos profissionais de design de interiores.
A ergonomia vem aos poucos ganhando importância como ferramenta fundamental para o design de interiores, que pode e deve trabalhar desde a formalização das idéias preliminares até o produto final, ou seja, na negociação do escopo do contrato, estudo preliminar, detalhamento do projeto, tomadas de orçamentos, acompanhamento da execução do projeto e na avaliação pós-ocupação.
O design de interiores está presente numa ampla tipologia de ambientes: de um evento cultural até hospitais e aeroportos e seu objetivo principal está na busca do conforto e do fácil deslocamento dos espaços.
Os designers necessitam de um profundo conhecimento, permitindo assim que façam projetos para indivíduos com diversos níveis de habilidades. Por essa necessidade é que surgem os métodos e processos ergonômicos, permitindo soluções para um grande número de pessoas, garantindo o conforto e o bem estar dos usuários.
Esse trabalho busca definir as principais atribuições desses profissionais e como essa interseção de funções funciona durante a concepção de um projeto.
TEMÁTICA CENTRAL
Estou sentado em uma poltrona giratória velha que range, como as que acostumavam ser vistas nas salas dos editores de jornais, ela tem uma almofada de espuma surrada. Quando uso o telefone, eu me reclino e me sinto Pat O’Brien em A primeira página.
Como a cadeira tem rodinhas, posso me locomover e alcançar os livros, revistas, lápis e grampos que estão à minha volta. Tudo que é necessário está à mão, como em qualquer local de trabalho bem organizado, seja ele uma sala de um escritor ou a cabine de um jumbo.
É claro que o tipo de organização necessária para se escrever um livro não é o mesmo que se precisa para pilotar um avião. Apesar de alguns escritores sentirem conforto com uma escrivaninha bem-arrumada, a minha está coberta por três camadas de livros semi-abertos, enciclopédias, dicionários, revistas, folhas de papel e recortes de jornal. (RYBCZYNSKI, 2002)
Esta epígrafe mostra claramente o papel da ergonomia para o design de interiores e sua abrangência em vários tipos de ambientes.
A ergonomia é um campo de atuação em amplo crescimento e engloba diversos ramos de atividades, com objetivo comum que é o conforto de usuários. Segundo GRANDJEAN (1998) trata-se de uma ciência interdisciplinar. Compreende a fisiologia e a psicologia do trabalho, bem como a antropometria é a sociedade no trabalho.
Seu objetivo prático é a adaptação do posto de trabalho, dos instrumentos, das máquinas, dos horários, do meio ambiente às exigências do homem. A realização de tais objetivos, a nível industrial, propicia uma facilidade do trabalho e um rendimento do esforço humano.
Pode ser classificada em três categorias distintas: ergonomia cognitiva, organizacional e física. A ergonomia cognitiva atua na percepção, memória e resposta motora do ser humano. Isto inclui o estudo da carga mental de trabalho, desempenho especializado, interação homem-computador, stress e treinamento relacionado a projetos envolvendo seres humanos e sistemas.
A ergonomia organizacional refere-se principalmente a otimização dos sistemas sócio-técnicos, incluindo suas estruturas organizacionais e políticas. Os tópicos relevantes incluem comunicações, projeto e organização temporal do trabalho, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, cultura organizacional, organizações em rede, tele-trabalho e gestão da qualidade.
Finalmente, a ergonomia física está relacionada com as características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação à atividade física. Seus tópicos incluem o estudo da postura no trabalho, manuseio de materiais, movimentos repetitivos (LER), distúrbios músculo-esqueletais relacionados ao trabalho, segurança e saúde.
A ergonomia se propõe a desenvolver novos métodos, adquirir competência em negociação e desenvolver uma rede de interação com setores de empresas e seus fornecedores. Tudo isto em prol de sua participação na evolução do trabalho. Atualmente, esta ciência vem sendo considerada uma poderosa ferramenta diferencial tanto na concepção dos produtos, como na otimização dos ambientes como um todo.
O ergonomista atua provocando a demanda e definindo cada vez mais seus serviços junto a outros profissionais, de maneira a garantir sua participação desde o início do projeto de novas situações de trabalho. A entrada da ergonomia após a formalização do projeto é restrita e sem grandes resultados, uma vez que sua atuação se resume a uma consultoria ou fornecimento de dados sobre a atividade no trabalho.
Infelizmente no Brasil, a ergonomia não aparece como ferramenta importante na concepção dos projetos, mas como recurso posterior, e mesmo assim, é muito pouco aplicada em áreas como o design de interiores.
Segundo FILHO (2004), o uso dos conhecimentos da ergonomia encontra-se hoje no Brasil mais difundido e com numerosos exemplos nos setores industriais. Sua aplicação propicia facilidade do trabalho e rendimento do esforço humano.
Está ligada à organização do trabalho, destacando-se em diversos setores dos sistemas de produção, como por exemplo, nos objetivos de racionalização do trabalho para aumento de produtividade; na segurança, visando à prevenção de acidentes de trabalho; na organização de linhas de produção, ambientes e postos de trabalho, correção de equipamentos de uso individual e geral, entre outros.
O design de interiores é um campo de atuação bastante visado atualmente, e engloba conhecimentos muito específicos a tudo que se refere ao espaço interno de uma edificação. Alguns cursos ainda oferecem a disciplina paisagismo em sua grade curricular1, dando oportunidade do aluno intervir também em ambientes externos de pequena escala.
Assim como o paisagismo, a ergonomia também é uma das disciplinas oferecidas nos cursos de design de interiores. Desta forma, são apresentados os principais conhecimentos das técnicas ergonômicas na concepção de um projeto conforme as necessidades de seus usuários.
Durante a formulação de um layout de um ambiente, por exemplo, a ergonomia garante excelentes resultados no que diz respeito a luminotécnica, cor, design de móveis, conforto térmico, ou seja, todos os fatores a serem considerados num projeto de interiores.
A funcionalidade do layout está ligada à organização dos componentes no interior do espaço, de forma a gerar uma melhor praticidade funcional. Isto se dá basicamente através da mais lógica organização do espaço. Um espaço mal projetado pode prejudicar o cotidiano dos usuários na medida em que dificulta passagens, atrasa tarefas, ocupa mais espaço ou faz com que o espaço pareça menor.
O conforto ambiental considera as condições naturais e/ou artificiais que concorrem para a segurança, comodidade, bem estar e a própria saúde dos usuários. É proporcionado por meios artificiais (exaustão, ar-condicionado) e considera condições ergonomicamente adequadas de climatização. Tudo isso envolve sistemas de iluminação, ventilação natural, exaustão, refrigeração, calefação, sistemas de proteção acústica e térmica, sempre de acordo com as funções de cada espaço.
A iluminação é um fator relevante. Ambientes mal iluminados muitas vezes parecem menores, prejudicam a visão e criam áreas de sombra desconfortáveis. Já ambientes exageradamente iluminados, também causam desconforto em função da reflexão excessiva. O grande desafio é chegar a um projeto de iluminação equilibrado.
A acústica (níveis sonoros, fontes de ruídos e conversas indesejadas) também é um ponto relevante. A taxa de reverberação sendo elevada acarreta com o tempo, problemas como stress e perda auditiva. A garantia de um bom projeto de acústica é que a comunicação entre os usuários seja feita de forma clara e segura.
A seguir, será apresentada de que forma a ergonomia pode ser inserida num sistema de produção de um projeto, neste caso em design de interiores.
A OCASIÃO DA CONTRIBUIÇÃO ERGONÔMICA
Segundo WISNER (1997), a contribuição ergonômica pode ser classificada em: ergonomia de concepção, correção e de conscientização.
A primeira ocorre durante a fase inicial do ambiente. Requer um conhecimento profundo do programa visto que todas as decisões são tomadas em função de situações hipotéticas. Para um melhor conhecimento da situação inicial podem ser utilizadas metodologias sistêmicas de avaliação como a avaliação pós-ocupação (APO).2
Já a ergonomia de correção é aplicada em situações previamente existentes. Muitas vezes deixa de ser feita em sua totalidade, gerando resultados insatisfatórios em função dos custos elevados para sua aplicação.
A terceira, ergonomia de conscientização, ocorre em função das alterações sofridas pelo ambiente através de reformas, manutenção, etc. Sua importância é essencial para o correto funcionamento das fases anteriores.
Considerando a ergonomia de concepção a mais importante dentre as demais, serão apresentados dois estudos de caso onde esta foi aplicada com sucesso.
Objetivando a concepção de projetos são estudadas à partir da metodologia ergonômica (estudo da situação existente), as atividades do trabalho a ser projetado. É detalhado todo o processo de tratamento das informações, assim como avaliadas as interações entre os vários profissionais, e o nível de cooperação necessário dentro do processo de trabalho. Estes dados são o ponto central do estudo ergonômico e servem de base para o desenvolvimento de todos os projetos que se seguiram à este. Os usuários participam ativamente da concepção do projeto, à partir de críticas e sugestões dos anteprojetos e maquetes.
O design de interiores com a sua metodologia realiza o levantamento de dados (normas, levantamento físico, estudo de funções e áreas necessárias) para o desenvolvimento do projeto simultaneamente ao estudo de ergonomia.
PROJETO DA REDAÇÃO DE UM JORNAL DIÁRIO NO RIO DE JANEIRO
O projeto da redação foi desenvolvido através do trabalho conjunto de ergonomistas, arquitetos e outros profissionais, utilizando uma metodologia de projeto, que contempla a consideração do trabalho humano na concepção de ambientes de trabalho. O projeto ergonômico foi incorporado no processo projetual e teve por finalidade definir conceitualmente o trabalho, estabelecendo referências para sua evolução, gerando subsídios para o projeto do ambiente físico, softwares, planejamento da organização do trabalho.
Durante a fase de concepção do projeto, as funções do ergonomista e do designer de interiores foram divididas por etapas.
Numa primeira fase, a equipe de ergonomia foi responsável pelas especificações dos parâmetros a serem desenvolvidos, ou seja, um estudo relativo a organização do trabalho de uma redação de jornal.
Concomitantemente, os designers de interiores ficaram responsáveis por toda a parte de especificações de materiais de acabamento e pelo processo de criação e layout do espaço em questão.
Concluídas essas etapas, as equipes se uniram na gestão, conceituação e idealização do projeto, desenhos e maquete.
A seguir, houve uma nova separação das equipes. Os ergonomistas ficaram responsáveis pelo estudo do mobiliário, adaptações ao trabalho e interação humana, enquanto que os designers de interiores pelo enfoque do todo, espaço e a coordenação dos projetos de instalações.
O sucesso deste projeto se deve a introdução de conceitos ergonômicos na adequação dos ambientes às atividades de trabalho. É através do projeto e concepção do trabalho humano que se define o ambiente. O projeto teve como base à cooperação humana que é fundamental em uma redação para um trabalho de qualidade.
Este projeto recebeu a menção honrosa na premiação anual do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) em 2000. A parceria ergonomista-designer de interiores foi considerada positiva, principalmente em função da satisfação dos clientes observada no interesse de apresentar o resultado em diversos eventos internacionais.
PROJETO DE UMA SALA DE CONTROLE DE UMA INDÚSTRIA DE CELULOSE EM VITÓRIA – ES.
Neste caso, houve um posicionamento diferenciado de funções, o designer de interiores ficou subordinado ao ergonomista, visto que este último detinha o conhecimento de todas as especificidades do ambiente a ser projetado.
O projeto de uma sala de controle configura-se como um grande salão, o qual abriga postos de trabalho com inúmeros monitores para o controle e visores, onde o processo industrial pode ser controlado. Próximo a esse salão estão os ambientes de apoio, como o de lazer e serviços dos controladores.
Para este caso especifico, o designer de interiores ficou responsável pela parte estética do ambiente, especificando os materiais de acabamento e as cores a serem utilizadas, já que o ergonomista era responsável por toda parte funcional e técnica do projeto.
O resultado foi um espaço funcional e esteticamente agradável, garantindo satisfação dos usuários e aumento da produtividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ergonomia vem aos poucos ganhando importância como ferramenta fundamental para o design de interiores e pode trabalhar desde a formalização das idéias preliminares até o produto final, ou seja, na negociação do escopo do contrato, estudo preliminar, detalhamento do projeto, tomadas de orçamentos, acompanhamento da execução do projeto, avaliação pós-ocupação.
Nesses estudos de casos acima apresentados, a parceria ergonomia-designer de interiores colaborou para a conceituação do trabalho futuro no processo de automação, para o conforto ambiental, funcionalidade do layout, criação de novas áreas, estética dos ambientes e concepção do mobiliário. Os ergonomistas também atuaram na especificação dos materiais, nos ajustes dos desenhos de execução, na redução dos custos e na negociação com as outras equipes de projeto.
Para a garantia de resultados eficazes, é importante ressaltar o papel da ergonomia desde a concepção preliminar de um projeto. O Ergonomista pode e deve participar do anteprojeto junto com o Design de Interiores, de maneira a garantir boas condições para o trabalho humano.
Neste trabalho, alguns fatores foram determinantes do sucesso, que devem aqui ser mencionados: a abrangência do contrato (que contemplava do projeto a sua implantação); a afinidade entre as pessoas da própria equipe de projeto e o bom relacionamento de todas as equipes.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CUIABANO, Ana Maria, SADIBA, Anis F., SANTOS, Venétia. Análise ergonômica do trabalho. Rio de Janeiro: Itsemap do Brasil, 1994
DAVIS, Gary. About: Ergonomics. The Design Council Disponível em: http://www.designcouncil.org.uk. Acesso em: abril de 2005
DEZIGNARÉ. Ergonomics, Barrier-Free Design, Universal Design,
Assistive Technology and Their Benefits Dezignaré Interior Design
Collective Disponível em:
http://www.dezignare.com/newsletter/ergonomics.html Acesso em: maio de 20
DUL, J. et WEERDMEESTER B. Ergonomia prática. São Paulo: Edgar Blucher, 1995.
FILHO, João Gomes. ergonomia do objeto: sistema técnico de leitura ergonômica. São Paulo: Escrituras editora, 2003.
___________________. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 2a edição. Reimpressão. São Paulo: escrituras, 2000.
GRADNJEAN, Etienne. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. Porto Alegre: Artes médicas sul, 1998.
IIDA, Itiro. Ergonomia, projeto e produção. São Paulo: Edgard Blucher, 1990.
MORAES, Anamaria; MONT’ALVÃO, Cláudia. Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.
ORNSTEIN, Sheila. Avaliação Pós-ocupação do Ambiente Construído. São Paulo: Studio Nobel, 1992.
RYBCZYNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma idéia. Rio de Janeiro: Record, 2002.
SANTOS, Venétia. Fazer ergonomia no Brasil. Ergonomia Disponível em:
http://www.ergonomia.com.br/ Acesso em: maio de 2005
1 O curso de Design de interiores da Escola de Design da Universidade Veiga de Almeida possui em sua grade curricular as disciplinas paisagismo I e II.
2 “A APO é uma das metodologias correntes de avaliação de desempenho de ambientes construídos. Difere de outras metodologias… pois mesmo resgatando como subsídios de análises a memória da produção do edifício, prioriza aspectos de uso, operação e manutenção, considerando essencial o ponto de vista dos usuários, in loco.” (ORNSTEIN, 1992 p.12)