1. Conceito:
De acordo com os ensinamentos da Drª Maria Paula Dallari Bucci, políticas públicas são “programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.
Políticas públicas são metas coletivas conscientes, conforme lição de Hugo Assman, e assim, um problema de direito público. Cada vez mais o tema das políticas públicas vai se infiltrando entre as preocupações dos juristas, havendo, no entanto, poucas obras nessa área.
O terreno das políticas públicas seria o espaço institucional para a explicitação dos fatores reais do poder, ativos na sociedade em determinado momento histórico, em relação a um objeto de interesse público, não se conotando a política partidária, mas política num sentido amplo, como atividade de conhecimento e organização do poder.
2. Políticas públicas e dirigismo estatal:
A maior dificuldade em se relacionar o tema políticas públicas com o direito, está na relação entre o direito e o modelo de Estado.
O direito típico do Estado moderno, baseado no direito liberal do século XIX, este calcado na norma geral e abstrata, na separação dos poderes, na distinção entre direito público e direito privado, acaba dando lugar a uma sucessão de modelos de Estado que se caracterizam por diferentes graus e modos de intervenção nas esferas privadas, e conforme entendimento de Charles-Albert Morand: “um direito do Estado-providência, baseado na idéia de prestações do Estado ( serviços públicos ); um direito do Estado propulsivo, centrado nos programas finalísticos; um direito do Estado reflexivo, cuja expressão são programas relacionais; e finalmente um direito do Estado incitador, fundado em atos incitadores, que combinam norma e persuasão”.
Não há um lapso temporal entre as fases acima citadas, o que há são técnicas de intervenção jurídica que vão sendo criadas e modificadas. Essas diversas técnicas de intervenção são utilizadas ao mesmo tempo. E, mais do que isso, são utilizadas diferentemente segundo a atividade social em questão, fazendo conviver modos de ação do Estado liberal, do Estado intervencionista e do Estado propulsivo, num mesmo espaço e tempo. O que ocorre é que determinadas atividades sociais são mais propícias a uma ou outra técnica.
A noção de política pública é válida no esquema conceitual do Estado social de direito, absorvendo algumas das figuras criadas com o Estado de bem-estar, dando a elas um novo sentido, agora não mais de intervenção sobre a atividade privada, mas de diretriz geral, tanto para a ação de indivíduos e organizações, como para o próprio Estado.
3. Articulação entre direito constitucional e direito administrativo em torno das políticas públicas:
O direito administrativo incumbe-se da racionalização formal do exercício do poder no interior do aparelho estatal, isto é, na Administração Pública, em sua relação com os cidadãos. De acordo com García Enterría, em sua obra “La Constituicion como Norma”, o direito administrativo é “o direito constitucional concretizado, levado à sua aplicação última”.
O direito administrativo é a área do direito que se ocupa com o estudo da instituição estatal, em sua vertente executiva, enquanto o direito constitucional trata da organização do poder e dos direitos dos cidadãos, estes, como balizas negativas e positivas para o exercício do poder estatal.
José Eduardo Faria entende ter havido uma evolução do direito administrativo e constitucional, do direito liberal para o direito administrativo regulador, que consistiria na utilização do direito público para a implementação e execução de programas econômicos e políticas de desenvolvimento. Seria esse o direito das políticas públicas.
Compete aos representantes do povo, isto é, ao Poder Legislativo, e à direção política do governo a decisão sobre as políticas públicas. Por sua vez, à Administração compete a sua execução. Entretanto, o fato de ser a política pública um quadro normativo de ação informado por elementos de poder público, elementos de expertise e elementos que tendem a constituir uma ordem local, faz com que a Administração desempenhe um papel importante na análise e na elaboração dos pressupostos que dão base a política pública.
Quanto mais se conhece o objetivo da política pública, maior é a possibilidade de efetividade de um programa de ação governamental: a eficácia de políticas públicas consistentes, depende diretamente do grau de articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos.
Conhecer, portanto, os princípios jurídicos da Administração, os condicionamentos legais à contratação de funcionários ou serviços, as formas de organização jurídica da Administração direta e indireta, além dos dados materiais geridos pela Administração em seu cotidiano, são operações que necessariamente fazem parte do processo de formulação da política pública. Por outro lado, esse processo representa o modo de formação da vontade administrativa no campo da ação discricionária, especialmente num país de regime presidencialista, em que os aparelhos do governo e da Administração se confundem no Poder Executivo. Conclui-se assim, que o direito administrativo interessa às políticas públicas, assim como as políticas públicas interessam ao direito administrativo.
4. Conceito de política pública e sua positivação no ordenamento jurídico:
Conforme Müller e Surel, em uma dimensão prática, factual, tem-se como política pública ” o programa de ação governamental para um setor da sociedade ou um espaço geográfico”.
As políticas são instrumentos de ação dos governos. A função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social – é o núcleo da idéia de política pública, redirecionando o eixo de organização do governo da lei para as políticas.
Como ensina Ronald Dworking, “a política, contraposta a noção de princípio, designa aquela espécie de padrão de conduta que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil. Daí porque as argumentações jurídicas de princípios tendem a estabelecer um direito individual, enquanto as argumentações jurídicas de políticas visam a estabelecer uma meta ou finalidade coletiva”.
Observa-se, no entanto, que não há um padrão jurídico quanto a exteriorização da política pública. Há exemplos dessa diversidade, como a lei que instituiu a Agência Nacional de Águas (ANA), que a incumbe de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, baixada por outra lei, a de número 9.433/97, embora com a criação da ANA a competência para formular a política na área tenha recaído sobre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; já a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) foi criada tendo, entre outras atribuições, a de executar a Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República; por sua vez o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), foi criado pela Emenda Constitucional nº 14/96; isso tudo sem se falar de programas instituídos por ato administrativo ou por programas que resultam de uma combinação de atos administrativos, ordenados num procedimento ou não, que é o que ocorre nos sistemas de transporte municipal de grandes metrópoles, em que o regime jurídico dado aos contratos administrativos de concessão de serviço público, as cláusulas remuneratórias, as condições de oferta do serviço, podem atender ao interesse predominante das companhias de ônibus ou dos usuários, desse equilíbrio resultando a conformação da política de transporte municipal.
5. Políticas públicas como processo de definição dos fins da ação pública (escolha de prioridades e identificação dos interesses públicos):
As políticas públicas devem ser vistas também como processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição dos interesses públicos reconhecidos pelo direito.
A temática das políticas públicas, como processo de formação do interesse público, está ligada à questão da discricionariedade do administrador, na medida em que o momento essencial da discricionariedade é aquele em que se individualizam e se confrontam os vários interesses concorrentes. E um interesse é reconhecível como interesse público, quando é assim qualificado pela lei ou pelo direito .
As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio de discricionariedade, na medida em que exigem a apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão, em conseqüência da qual se desencadeia a ação administrativa.
A escolha das diretrizes da política, os objetivos de determinado programa não são simples princípios de ação, mas são os vetores para a implementação concreta de certas formas de agir do Poder Público, que levarão a resultados desejados. E essa é a conexão das políticas públicas com o direito administrativo. Cada vez mais os atos, contratos, regulamentos e operações materiais encetados pela Administração Pública, mesmo no exercício de competências discricionárias, devem exprimir não a decisão isolada e pessoal do agente político, mas escolhas politicamente informadas que por essa via demonstrem os interesses públicos a concretizar.
A formulação da política consistiria, portanto, num processo, e os programas de ação do governo seriam as decisões decorrentes desse processo.
Finalmente, o adjetivo “pública” deve indicar tanto os destinatários como os autores da política. Uma política é pública quando contempla os interesses públicos, isto é, da coletividade, como realização desejada pela coletividade. Mas uma política pública também deve ser expressão de um processo público, no sentido de abertura à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo.
6. Políticas públicas e separação de poderes:
Prevalece que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob a forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das atividades estatais em legislativa, executiva e judiciária. No entanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade formadora do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições.
Nessa esteira, Fábio Konder Comparato menciona que “não foi apenas pela forma de governar que o Estado contemporâneo reforçou os poderes do ramo executivo. Foi também pelo conteúdo da própria ação governamental. Doravante e sempre mais, em todos os países, governar não significa tão-só a administração do presente, isto é, a gestão de fatos conjunturais, mas também e sobretudo o planejamento do futuro, pelo estabelecimento de políticas a médio e longo prazo”.
Por derradeiro, a interpenetração das atividades legislativa, governativa e executiva, com a formulação das políticas públicas, coloca o problema do modo de controle dos programas pelo Poder Judiciário. José Reinaldo de Lima Lopes considerou que a eficácia dos direitos sociais depende, mais que da possibilidade de agir em juízo em face do Estado, mas da própria ação concreta do Estado.
Ocorre que é difícil se delimitar a atuação do Poder Judiciário em casos concretos, pois este não pode acabar privilegiando uma política pública em detrimento de outra, escolhendo uma como mais relevante que a outra, ordenando assim ao Poder Executivo que use seus recursos financeiros de determinada maneira, pois ocorreria a franca invasão de uma esfera de poder à outra, em detrimento do preconizado no artigo 2º de Constituição Federal, já que o juízo de conveniência e oportunidade para a realização de atos de administração é dos administradores.
Fonte de pesquisa:
Bucci, Maria Paula Dallari – Direito Administrativo e Políticas Públicas, Ed Saraiva, 2005.