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terça-feira, novembro 19, 2024

PROLAPSO RETAL

Autor: John H. Pemberton

O prolapso retal é uma condição desabilitante incomum, que há muito tempo fascina os cirurgiões. Poucas doenças clínicas têm gerado número tão grande de procedimentos cirúrgicos, com graus tão variados de sucessos de resultados, como o prolapso retal. Somente nas últimas décadas começamos a compreender melhor a fisiopatologia do prolapso retal, e, com essa compreensão melhor, têm surgido técnicas cirúrgicas mais racionais, que têm melhorado as taxas de sucessos a longo prazo.

Para iniciar, a terminologia é um dos maiores problemas na abordagem do prolapso retal, gerando confusões em suas referências. O termo deve ser distinguido do prolapso mucoso, da intussuscepção interna (prolapso retal oculto) e prolapso retal completo (procidência). O prolapso mucoso é causado por uma frouxidão ou desabamento do tecido conjuntivo entre a mucosa do reto e do canal anal e os músculos adjacentes. Esse processo começa, geralmente, ao nível do canal anal, sendo, nas formas precoces, representado pelo complexo hemorroidário. Com a evolução clínica, mais mucosa do canal anal (hemorróidas) e mais mucosa retal distal protrundem, levando ao quadro característico dos sulcos lineares de mucosa e ausência do sulco perianal (junção cutaneomucosa). Nunca o prolapso mucoso progride para atingir a forma de um prolapso retal completo, devendo, antes de tudo, ser considerado uma faceta da doença hemorroidária.

Intussuscepção interna do reto (prolapso oculto do reto) é uma entidade clínica distinta, que pode ser considerada um precursor do prolapso retal completo. Somente pode ser diagnosticado com confiança através da defecografia. Pacientes com intussuscepção interna do reto não devem ser submetidos a cirurgia; as anormalidades básicas que a compõe ao nível das disfunções do assoalho pélvico não podem ser abordadas por cirurgias.

O prolapso retal completo é definido com uma protrusão de toda espessura da parede retal, incluindo todas as suas camadas parietais, através do orifício anal. É sobre essa entidade clínica que os variados processos cirúrgicos serão descritos doravante.

A finalidade da cirurgia para o prolapso retal é corrigir o prolapso para evitar a incontinência fecal e a constipação intestinal, não podendo, para isto, acarretar índices consideráveis de mortalidade e morbidade. As operações para prolapso retal são divididas em duas grandes categorias: cirurgias abdominais e cirurgias pélvicas; disputando, cada uma delas, adeptos ardorosos e inimigos figadais.

Embora todos pareçam pensar que tenho o “pulo do gato” para curar o prolapso, o melhor que temos a fazer é escolher uma das várias operações que parecem dar um maior alívio ao paciente, a longo prazo, e que tenham uma morbidade e uma mortalidade aceitáveis, e que não criem mais problemas para o paciente que aqueles que o cirurgião tenta resolver.

Este capítulo descreve vários procedimentos abdominais e perineais para o reparo do prolapso retal. As operações que mais pratico são as ressecções anteriores e as retossigmoidectomias perineais, preferindo as ressecções anteriores para pacientes jovens e saudáveis, relegando as retossigmoidectomias perineais aos pacientes com condições clínicas opostas.

Reparo Abdominal

Ressecção Anterior

Há muitos procedimentos cirúrgicos abdominais para abordar o prolapso retal. Acredito que o ponto central visado por tais operações, em última instância, repousa na fibrose do espaço pré-sacro para curar o prolapso.

Dando seguimento ao preparo intestinal mecânico e à cobertura antibiótica adequada, e colocando o paciente em posição combinada, o cirurgião faz uma laparotomia mediana. Segue-se uma mobilização rápida e segura do reto, com muito cuidado para preservar a inervação e a vascularização, e afastando a possibilidade de perfurar a parede retal, o que se consegue (1) progredindo a dissecção no espaço retrorretal para trás da artéria hemorroidária superior; (2) seccionando o ligamento retossacral; (3) avançando com a dissecção anterior, profundamente, até a fáscia de Denonvilliers;1e (4) completando as dissecções posterior e anterior antes de fazer as ligaduras dos ligamentos laterais.

Após liberar o cólon sigmóide de qualquer aderência à parede abdominal lateral, a “linha branca” é seccionada e os vasos gonádicos e o ureter esquerdo são afastados lateralmente (Fig. 7-1). O cirurgião puxa a alça sigmoideana para cima, de modo a estirar a artéria mesentérica inferior, identificando a artéria hemorroidária superior com maior facilidade (Fig. 7-2). Com uma pinça os tecidos em volta da artéria mesentérica superior são afastados diretamente para trás, abrindo-se uma janela no mesossigmóide imediatamente abaixo da artéria hemorroidária superior, ao nível da bifurcação aórtica. Os tecidos separados da artéria hemorroidária superior com essa manobra contêm o plexo aórtico e a origem dos nervos pré-sacrais, além de ramos nervosos hipogástricos esquerdos (Fig. 7-2).

O arco da artéria hemorrodária superior é seguido para frente, em direção ao reto, que é tracionado vigorosamente para cima, sendo orientado nos sentidos anterior e posterior. Novamente, com auxílio de pinça e tesoura, os tecidos atrás da artéria hemorroidária superior são empurrados para baixo, e, uma vez ultrapassado o promontório, o cirurgião ganha acesso, facilmente, ao espaço pré-sacral.

Com auxílio de tesoura, esse espaço é dissecado para baixo, até a altura de S3, e, então, para baixo e para frente à fáscia retossacral de Waldeyer,2 ao nível de S4. Sendo a fáscia de Waldeyer bem visível, ela é incisada; não sendo, a dissecção prossegue posterior e lateralmente, afastando o tecido gorduroso perirretal, com facilidade, com suaves movimentos manuais. O cirurgião, então, secciona a fáscia reto-sacra, possibilitando dissecção digital cega e segura até o nível dos elevadores (Fig. 7-3). Usando-se esta técnica de adentrar a pelve por trás do reto, os nervos e o plexo hipogástricos ficam protegidos em todo o seu percurso, não sendo lesados.

O peritônio é seccionado em ambos os lados do reto, encontrando-se as duas incisões na linha média da face anterior do reto, no fundo-de-saco retovesical (fundo-de-saco de Retzius)3 ou retovaginal (Fig. 7-4). Com suaves movimentos da mão, de trás para os lados, de ambos os lados do reto, os tecidos perirretais são divulsionados com facilidade, com vantagem de se evitar hemorragia, uma vez que nesse plano não há vasos, que predominam nos lados da pelve, próximos aos ureteres. Tracionado-se o reto para cima e para fora da pelve, os ligamentos laterais podem ser mais bem identificados.

Após a incisão do peritônio sobre fundo retovaginal ou retovesical (Fig. 7-5), o cirurgião prossegue com a dissecção posteriormente, em direção ao reto, incisando a fáscia de Denonvilliers. A dissecção progride entre o reto e a fáscia de Denonvilliers, até o nível da parte inferior da próstata (no homem) ou da parte média da vagina (na mulher). O plexo periprostático fica adjacente a essa dissecção, mas as fibras que suprem a genitália e a próstata ficam mais profundamente situadas em relação à fáscia de Denonvilliers, e devem, portanto, ser protegidas, mantendo-se o plano de dissecção próximo ao reto (Figs. 7-6 e 7-7).

Somente depois de as dissecções anterior e posterior estarem completas, é que os ligamentos laterais são adequadamente visualizados e mobilizados (Fig. 7-8). Isso, porque a tração do reto não traz os ligamentos para cima, enquanto as aderências retais posteriores e anteriores estiverem ainda presentes. Os ligamentos são identificados pela dissecção digital, são afrouxados, mas não seccionados. A mobilização retal completa para o reparo do prolapso retal, então, exige mobilização anterior até a altura média da próstata e da vagina, e posterior até o cóccix, apenas afrouxando os ligamentos laterais, especialmente nos homens. É muito importante lembrar-se que plexo nervoso prostático é bem lateral, ficando adjacente aos lados da pelve, e que, mesmo uma mobilização relativamente agressiva dos ligamentos laterais, particularmente próximo ao reto, não resulta em danos ou lesões nervosas. Nesse ponto a artéria hemorroidária superior e, da mesma forma, a veia hemorroidária inferior são pinçadas e ligadas, tomando-se cuidado para se confirmar que o ureter esquerdo não está englobado entre as pinças (Fig. 7-9).

A anastomose deve ser feita ao nível da parede abdominal, o que se consegue tracionando o reto, firmemente, para cima e para fora da pelve e seccionando-o ao nível da parede abdominal (Fig. 7-10). O ponto de secção da transição cólon descendente/sigmóide é determinado puxando-se o cólon para fora do abdome, firmemente, e seccionando-o ao nível da parede abdominal. Dessa forma o cólon sigmóide redundante é ressecado, seguindo-se a anastomose, que é feita com sutura manual (ver capítulo 2) (Fig. 7-11). Em decorrência do fato de os níveis de dissecção do reto superior e da parte superior do cólon descendente serem determinados dessa forma, quando a anastomose é recolocada dentro da pelve, o reto repousará, naturalmente, na curvatura sacral, dentro da pelve (Fig. 7-12). Esse tipo de anastomose é, portanto, uma típica anastomose de ressecção anterior alta. A fixação do reto ao sacro corrigindo o prolapso decorre da fibrose pós-operatória na pelve, em volta da região anastomosada. Finalmente o fundo pélvico é drenado por dois cateteres de sucção (Fig. 7-12). Eu prefiro manter a pelve drenada até que o funcionamento intestinal seja restabelecido.

Nota: pacientes portadores antigos de constipação intestinal idiopática de trânsito lento, diagnosticada por estudos funcionais colorretais pré-operatórios, devem ser submetidos à colectomia abdominal com anastomose ileorretal para tratamento do prolapso retal completo. A correção do prolapso retal pela ressecção anterior descrita não alivia o paciente dos sintomas decorrentes do trânsito colônico lento, podendo, tal cirurgia, agravar a constipação intestinal pós-operatoriamente. Ao contrário, removendo-se todo o cólon e fazendo-se uma anastomose ileorretal, tanto o prolapso retal quanto a constipação intestinal são tratados com eficiência, simultaneamente.

Fixação Sacra

A manobra de fixação sacra é uma técnica complementar, acrescentada à ressecção anterior, por alguns cirurgiões, para se assegurarem de que o reto fique fixo ao sacro. A operação de ressecção anterior e a retopexia concomitante têm o sentido de melhorar a fixação do reto ao sacro. A fixação retosacral com pontos pode ser importante, e parece ser uma técnica excepcional; todavia, os pontos não devem ser colocados simplesmente porque o cirurgião sente que eles é que curam o prolapso; na verdade, é a fibrose que vai se desenvolver na região descolada que fixa o reto ao sacro. Nunca se deve pensar que um par de pontos pode substituir uma fibrose.

Reparo Perineal

Retossigmoidectomia Perineal

Quase invariavelmente, a retossigmoidectomia perineal é realizada em paciente submetido a anestesia geral e colocado em posição de litotomia, posição que facilita o prolapso retal. A melhor maneira de se exteriorizar o prolapso retal é tracioná-lo, pelo ânus, com uma pinça de Babcock4

A cirurgia inicia com uma incisão mucosa, ao longo da circunferência do prolapso, com eletrocautério, 1 cm acima da linha pectínea (Fig. 7-13). Essa linha de incisão circular é marcada pelo eletrocautério para se ter certeza de que ela ficará eqüidistante da linha circunferencial pectínea (1 cm). Essa porção da parede retal é mais espessado que se pode imaginar, devendo a incisão se aprofundar até que a gordura extra-retal seja visível. A mobilização do reto é realizada seccionando-se os tecidos em volta de toda circunferência do intestino prolapsado (Fig. 7-14). Pinças em ângulo reto ajudam muito nessa manobra. O reto é mais mobilizado usando-se tração suave, e à medida que mais prolapso vai sendo puxado para fora, mais fica conspícua a hérnia de deslizamento anterior do fundo-de-saco. Esse saco peritoneal é aberto e ressuturado a si mesmo. Pode-se usar, para essa manobra, o auto-afastador de Lone-Star5 (Fig. 7-15). Uma vez aberto o saco peritoneal, mais sigmóide e mais reto podem ser ressecados, seccionando-se o mesossigmóide entre duas pinças.

A plástica do elevador é geralmente realizada durante a retossigmoidectomia perineal, preferindo eu fazer o reparo anterior, mas podendo ser feitos, ao mesmo tempo, reparos anterior e posterior, de preferência, com pontos de Vicryl 2-0. O cirurgião deve estar atento para o risco de formação de uma barra posterior (que pode causar dispareunia), caso a plástica anterior dos elevadores fique muito firme. A figura 7-16 mostra o segmento retossigmoideano totalmente exteriorizado.

As fases seguintes e finais dessa operação são mostradas nas figuras 7-17, 7-18 e 7-19. O nível da secção proximal do sigmóide alto é determinado pelo limite de imobilização de cólon sigmóide, aplicando-se aqui, pontos de reparo (Fig. 7-17). A incisão no sigmóide é estendida para ambos os lados, em volta de toda a alça intestinal, que é completamente >seccionada. A anastomose é feita dividida em quadrantes, para maior segurança (Fig. 7-18), aplicam-se quatro pontos de reparo eqüidistantes, e aplicam-se os demais pontos entre os quatro reparos, usando-se pontos separados com Vicryl 2-0, envolvendo toda a espessura da parede intestinal, completando-se a anastomose em quatro seções. No final da sutura os quadrantes estarão suturados, remanescendo os quatros pontos de reparo, que são seccionados após conferência da anastomose. A necessidade de se fazer essa anastomose em quatro quadrantes decorre de o sigmóide ter tendência em ser puxado para dentro da pelve. Alternativamente, a anastomose pode ser feita com um grampeador circular. A anastomose completa é ilustrada na figura 7-19.

Técnica de Delormeé

Usando se um afastador bivalve ou um afastador ranhurado de Buie,6 a mucosa do reto é infiltrada circunferencialmente com lidocaína em solução com epinefrina. A mucosa, em toda sua circunferência, a partir de 1 cm acima da linha pectínea, é descolada da musculatura, de maneira muito parecida com a mucosectomia para anastomose ileoanal (Fig. 7-20A).

A interface mucosa/submucosa é, de alguma forma, confundida no reto distal, em paciente portador de prolapso retal, mas pode ser facilmente identificada, seguindo-se o plano anatômico de dissecção. À medida que a dissecção progride, circunferencialmente, é possível liberar a intussuscepção para fora do reto, o que torna a liberação circunferencial da mucosa ainda mais fácil (Fig. 7-20B).

Quando a dissecção chega ao limite superior, há necessidade que o tubo muscular, que foi prolapsado para permitir mais mucosectomia, seja reposicionado (Fig.7-20C). Usando-se esse técnica, pode-se remover cerca de 10 a 20 cm de comprimento da mucosa. Aplicam-se, superiormente, pontos separados com Vicryl 2-0, ao longo da camada externa do tubo muscular, a partir do limite superior da mucosectomia e da extremidade cortada da bainha muscular (Fig. 7-21A). Uma vez atingido o ápice, a sutura continua para baixo, ao longo da fáscia externa do tubo muscular, aplicando-se um ponto em cada um dos quatros quadrantes (Fig. 7-21B). Desta forma, completa-se a anastomose cólon-anal, como ilustra a Fig. 7-22.

Técnica de Thiersch7

A grande vantagem da técnica de Thiersch é que ela é feita com o paciente sob anestesia local, colocado em posição de litotomia ou em posição prona “em canivete”. São feitas, geralmente, duas incisões cutâneas, uma anterior e outra posterior ao ânus, ao nível do orifício anal. Um fio de algum material resistente (e.g., seda, fáscia, tendão, Nylon, Teflon, Dacron ou Silastic) é passado, através da fossa isquiorretal, bilateralmente, através pelo espaço pós-anal profundo (Fig. 7-23) e amarrado por sobre o dedo do cirurgião, como é mostrado na figura 7-24. O material de sutura permanece abraçando toda a circunferência do aparelho esfincteriano, como é mostrado na figura 7-25, sendo as incisões suturadas com pontos separados.

Há poucas dúvidas sobre os motivos pelos quais a cirurgia de Thiersch foi esquecida: ou o material ou o paciente torna-se obstruído. Este procedimento é descrito apenas com propósitos históricos, uma vez que, atualmente, com a retossigmoidectomia perineal facilmente realizável, há muito poucas razões para se lembrar de Thiersch.

Aplicação de Material Artificial

As aplicações de faixas envolvente de Ivalon e a técnica de Ripstein8 são, basicamente, as mesmas, embora usem materiais diferentes com finalidade de ancorar o reto e de causar um processo de escarificação extensa ao nível de espaço pré-sacral para prevenir um futuro prolapso.

O reto e o cólon sigmóide são mobilizados de maneira eletiva já descrita: até o cóccix posteriormente, até a parte média da vagina ou da próstata anteriormente, e até os pedículos laterais, que são mobilizados completamente. A seguir coloca-se uma faixa envoltória de Ivalon (usada apenas nas Europa) ou de Marlex, com largura aproximada de 5 cm e 12 a 15 cm de comprimento, que é afixada ao sacro, através de pontos separados com Prolene 2-0 (Figs. 7-26 e7-27).

Talvez a parte mais importante da cirurgia é a adaptação da faixa ao reto. Envolver completamente o reto com material artificial é um erro técnico, que não deve ser realizado, porque pode causar estreitamento. As extremidades ou “asas” do material artificial são posicionadas de tal forma que elas não envolvem completamente a circunferência retal, sendo acoladas à parede retal anterior, com falha de mais ou menos 2 cm uma da outra, quase envolvendo o reto totalmente (Fig. 7-28). O peritônio deve ser sempre reconstruído após quaisquer dos procedimentos descritos.

A posição do reto mobilizado dentro da pelve após o procedimento de Ripstein é mostrada na figura 7-28. Há muitas variações de retopexia, mas o procedimento clássico de retopexia de Ripstein não inclui ressecção do cólon sigmóide, motivo pelo qual não fazemos essa operação, pois estamos convencidos de que a ressecção anterior com a retopexia conjunta constitui o procedimento de escolha para esta abordagem.

Anastomose Cólon-Anal por Úlcera Retal Solitária

As abordagens-padrão para reparo do prolapso retal não são sempre apropriadas para pacientes portadores de úlcera retal, uma vez que a úlcera causa inflamação intensa em volta dos tecidos perirretais. O segmento retal onde se localiza a úlcera deve ser ressecado, particularmente se ocorre sangramento ou estenose, e não apenas mobilizado; assim é indicada anastomose cólon-anal, embora seja bastante agressiva.

A mobilização do reto de afastar posteriormente o cóccix, a parte baixa da vagina e a parte da próstata anteriormente deve ser realizada de forma idêntica àquela descrita para colite ulcerativa (ver capítulo 12). A ressecção da mucosa é feita usando-se os afastadores de Lone-Star ou Geldi, começando aproximadamente 1 a 2 cm acima da linha pectínea e prolongando-se por uma distância aproximadamente de 5 a 6 cm (Fig. 7-29). A figura 7-30 mostra o exato local de uma úlcera retal solitária na parte baixa do reto.

Para o uso de bolsa colônica em J depende-se de a região do cólon abaixado à linha pectínea ser o sigmóide ou o descendente. Se for o cólon sigmóide pode ser feita a bolsa em J de uma maneira relativamente fácil exibida na figura 7-31: aplica-se um grampeador reto fechando a extremidade distal do cólon sigmóide a uma distância de 6 a 7 cm do ângulo formado pelos ramos proximal e distal, fazendo-se a anastomose do ápice da bolsa com o reto com grampeador circular. A anastomose cólon-anal geralmente é feita com sutura manual (Fig. 7-32). Após completada a anastomose ela fica como mostra a figura 7-33. Alternativamente pode-se usar o grampeador circular (Fig. 7-34), completada a anastomose cólonanal por qualquer método deve-se fazer uma derivação intestinal com ileostomia em alça e aplicar se um dreno de sucção transabdominal.

Comentários Editoriais

Gosto muito da classificação de prolapso retal feita pelo Dr. Pemberton, em prolapso mucoso, intussuscepção interna (prolapso retal oculto) e prolapso retal completo (procidência). Todavia, acredito que o prolapso retal completo deva ser subdividido em prolapso retal completo curto e longo. O prolapso retal curto não inclui a bolsa perineal retovaginal dentro do prolapso, e, desta forma, a operação de retossigmoidectomia perineal torna-se, na verdade, muito difícil, porque o retossigmóide nunca é encontrado pela via perineal. Ao contrário, o prolapso completo longo apresenta uma saliência anterior, significando que o fundo-de-saco retovaginal ou retovesical protrunde para fora através do anorreto. Uma vez constatado esse sinal evidente, pode-se ficar totalmente certo de que a retossigmoidectomia perineal será feita adequadamente, que o fundo-de-saco peritoneal será facilmente aberto, e que o cólon sigmóide será facilmente liberado.Concordo literalmente com afirmação do Dr. Pemberton de que a intussuscepção interna não tem indicação terapêutica cirúrgica.

Vale a pena relembrar aos leitores que o prolapso retal completo associa-se, sempre, a um ânus volumoso, a função esfincteriana está sempre comprometida. Destarte, a decisão sobre a técnica cirúrgica mais apropriada deve levar em consideração o fato de que, embora alguma recuperação esfincteriana possa ocorrer após uma operação para prolapso retal, a continência pode permanecer comprometida.

Acredito que em alguns pacientes velhos e fragilizados, a operação para abordagem de prolapso retal possa ser levada a termo, satisfatoriamente e com mais segurança, sob anestesia epidural ou subdural.

Acho a designação “ressecção anterior” inapropriada e inadequada para a operação que o Dr. Pemberton descreve. Com efeito, Dr. Pemberton descreve uma retopexia completa sem suturar o reto à fáscia pré-sacral, associada a uma sigmoidectomia completa com anastomose descendente-retal. A principal objeção que faço à retossigmoidectomia perineal visando ao tratamento do prolapso retal repousa no risco de uma deiscência anastomóstica e no fato de que sendo a anastomose muito baixa, torna-se ela uma ameaça real ao paciente velho.

Embora a retopexia por ressecção seja a operação de escolha, ao nosso ver, para todos os pacientes que portam história de constipação intestinal coexistente ao prolapso completo, em nossa experiência a ressecção completa dos cólons é absolutamente desnecessária. Se o reto é mobilizado caudalmente, até a ponta do cóccix, e os ligamentos laterais são seccionados próximo ao reto, sem dúvida alguma todo o reto pode ser puxado sem comprometimento do fundo-de-saco retovaginal e sem dissecar o septo retoprostático. Abandonamos o uso de materiais sintéticos como o Ivalon e o Marlex, e confiamos inteiramente nas suturas feitas entre fáscia pré-sacral ao nível da linha media e no mesorreto depois de ter sido o reto vigorosamente puxado para cima para fora da pelve.

Em nossa instituição a retossigmoidectomia perineal é quase sempre feita com o paciente colocado em posição prona “em canivete”. Ao invés do uso da pinça de Babcock descrita pelo Dr. Pemberton, a nossa preferência é aplicar pontos de reparo através do prolapso retal, como uma forma de tração, pois achamos que aquela pinça causa mais lesão tissular. Usamos, também, uma quantidade liberal de bupivacaína com epinefrina (1:200.000), porque, sem dúvida alguma, essa manobra diminui a quantidade de sangramento, além de ajudar, de alguma forma, na analgesia pós-operatória. A infiltração de bupivacaína com epinefrina não deve ser confinada apenas à mucosa e a submucosa acima da linha pectínea, devendo estender-se ao assoalho pélvico. Seccionamos o mesorreto entre pinças arteriais curvas e seccionamos totalmente o intestino antes de ser realizada a plástica posterior e anterior dos elevadores. Deve-se tomar muito cuidado para se evitar que a plástica dos elevadores fique muito apertada, causando estenose, podendo ela ser testada com o dedo indicador introduzido dentro do intestino antes do sigmóide e do reto serem amputados e, portanto, antes de a anastomose cólon-anal ser realizada. Em nossa experiência o principal problema funcional da retossigmoidectomia perineal é que o paciente fica sem qualquer forma de reservatório retal. O diâmetro luminal do cólon sigmóide alto, usado para anastomose cólon-anal, é diminuto, o que resulta em anastomoses estreitas, podendo causar, nesses pacientes, a urgência evacuatória.

Temos muito pouca experiência com a operação de Delormé,9 e ficamos muito desencorajados de usá-la, em decorrência da elevada freqüência de recidiva assinalada na literatura médica.

A cirurgia de Thiersch, acredito, atualmente é uma operação fora de moda: se o material colocado em volta do ânus fica muito apertado o paciente torna-se constipado; se o material erosa, ocorre infecção; se o material é amarrado frouxo, ocorre recidiva do prolapso retal.

Em nossa experiência, o cirurgião deve tomar muito cuidado com a seleção da operação mais adequada para cada paciente portador de prolapso retal. Acredito que é uma operação onde a abordagem cirúrgica deve ser adaptada às necessidades fisiológicas, sendo necessária a avaliação do tempo de latência do nervo pudendo, da sensação retal, do esvaziamento retal e do trânsito colônico e colorretal. Se o paciente portador de prolapso retal é também incontinente, acho que a retossigmoidectomia perineal é uma ótima abordagem, desde que se faça, também, alguma forma de plástica de elevadores, em concomitância à cirurgia ressecativa do prolapso. Todavia, se o paciente portador de prolapso retal é constipado e se há evidências de que há atraso no tempo de trânsito colônico, sem dúvida alguma torna-se essencial alguma forma de abordagem abdominal. Nessas circunstâncias geralmente, fazemos uma retopexia com ressecção, mas, se o grau de inércia colônica é intenso, optamos por uma hemicolectomia estendida ou mesmo uma colectomia subtotal.

Deve-se levar em consideração as possibilidades de manuseio de prolapso retal pela cirurgia videolaparoscópica, pois não há dúvida de que a dissecção do espaço retroretal pode ser facilmente realizada, tornando esta técnica perfeitamente factível. Somente o tempo dirá até que ponto os índices de recidivas serão inaceitavelmente altos como suspeito que devam ser. O maior problema que relaciono com a abordagem videolaparoscópica da retopexia é que o grau de tração paracraneal do reto mobilizado que se consegue laparoscopicamente, no momento de fixação do reto à fáscia pré sacral, pode ser inadequado ou insuficiente.

Concordo totalmente com a abordagem agressiva da úlcera solitária do reto descrita pelo Dr. Pemberton. Em nossa experiência, os resultados da retopexia são muitos ruins em pacientes portadores de úlceras solitária do reto; concordo totalmente com que a ressecção é o melhor caminho para abordagem das úlceras retais solitárias complicadas por estenose ou por sangramento. Dessa forma, a excisão retal com anastomose cólon-anal, em nossa experiência, deve ser a abordagem de primeira escolha para a úlcera retal solitária complicada; e, sendo possível, deve ser feito um reservatório colônico, uma vez que a anastomose cólon-anal em bolsa confere um resultado funcional muito melhor.

Michael R. B. Keighley

A cirurgia que usamos, de rotina, para prolapso retal completo, é a técnica de Loygue.10

LOYGUE J, Nordlinger B, Cunci O et al: Rectopexy to the Promontory for the Treatment of the Rectal Prolapse: Report of 257 cases. Dis Col Rectum, 1984;27:356-359. A descrição que segue foi retirada, com algumas modificações, do livro Operative Surgery, de Robin Smith 5ª ed., editado por L.P. Fielding & S.M. Goldberg (Butterworth & Heinemann, Oxford, UK, 1994: 718-720). O paciente deve ser colocado em posição supina, ficando o cirurgião do lado esquerdo e o primeiro auxiliar do lado direito do paciente. Faz-se uma incisão abdominal mediana que se estende da sínfise púbica à região epigástrica, após o que o paciente deve ficar com a cabeceira subnivelada (manobra de Trendelenburg).11 Coloca se um afastador estático e empurram-se as alças intestinais para o andar superior do abdome.

A parte intra-abdominal da cirurgia é iniciada pela liberação do cólon sigmóide e do mesocólon do peritônio da goteira parietal posterior, seguindo-se a mobilização anterior e posterior do reto o mais caudalmente possível, por dissecção de sua bainha. Incisa-se o peritônio retal ao longo de sua linha de reflexão no assoalho pélvico em direção ao reto, devendo esta incisão ter a forma de “U” invertido. A incisão peritoneal começa do lado direito da base do mesossigmóide, imediatamente lateral da artéria mesentérica inferior, prosseguindo bem próximo ao lado direito ao reto, em direção do fundo-de-saco de Douglas,12 voltando a incisão para o lado esquerdo. O tecido conjuntivo pré-sacral é aberto bem na frente da fáscia pré-sacral, do lado direito do início da incisão peritoneal, imediatamente atrás dos vasos mesentéricos inferiores, que devem ser cuidadosamente preservados. Os nervos pré-sacrais devem ficar em situação posterior. O cirurgião mobiliza o reto posteriormente e para baixo até o músculo elevador do ânus, tomando cuidado para não rasgar as veias pré-sacrais. Anteriormente, a dissecção expõe a parede vaginal posterior e a fáscia de Denonvilliers. Lateralmente, deve-se preservar os ligamentos laterais. Caso ligaduras vasculares se tornem necessárias para facilitar a mobilização do reto, elas devem ser feitas muito próximas da parede retal, evitando-se lesões dos nervos parassimpáticos. Em pacientes previamente histerectomizadas essa dissecção pode tornar-se mais difícil e ser mais trabalhosa.

Em cada lado do reto, em seu ponto mais baixo possível, o cirurgião sutura uma faixa de Nylon de 1cm de largura, usando, para isso, uma camada dupla de quatro ou cinco pontos de material não absorvível, por uma extensão de 5 cm, devendo estes pontos ser aplicados diretamente na musculatura do reto e não no tecido gorduroso perirretal. Com tração suave no reto, o cirurgião puxa a linha de reflexão do peritônio para cima, até o nível do promontório sacro. As duas faixas de nylon são, então, suturadas sob moderada tensão, o mais longe possível da linha média, à fascia pré-vertebral (e não no disco inter-vertebral, diretamente), com quatro pontos de fios não reabsorvíveis. É necessário tomar extremo cuidado para não lesar a veia ilíaca durante essa etapa do procedimento.

O peritônio posterior ao útero (na mulher) ou posterior à bexiga (no homem) é ressecado, sendo o fundo de saco de Douglas obliterado suturando-se as bordas peritoneais uma com a outra. Coloca-se um dreno de sucção no espaço retro-peritoneal, que deve ai permanecer por dois a três dias, fechando-se o peritônio posterior de forma a cobrir as faixas de nylon, seguindo-se o fechamento da parede abdominal.

Rolland Parc

Notas do Tradutor

1. DENONVILLIERS, Charles P. (1808-1872), cirurgião francês. Fáscia ou Ligamento ou aponeurose de Denonvilliers: é uma fáscia visceral pélvica que se estende da reflexão peritoneal anterior, acima, à fáscia superior do diafragma urogenital (ligamento triangular) abaixo, tornando-se, lateralmente, contínua com os ligamentos laterais; é, em outras palavras, o septo retovesical, que é uma camada fascial que se estende, superiormente, do tendão central do períneo ao peritônio, entre a próstata e o reto; (tem, também o nome de fáscia de Tyrell) (Nota do Tradutor).

2. WALDEYER (Waldeyer-Hartz), Heinrich G. von (1836-1921), anatomista e patologista alemão: fossa, glândula, fáscia, espaço. Fáscia de Waldeyer: a face ventral do sacro e do cóccix são recobertos por uma lâmina fibrosa (fáscia), que é a parte mais forte e mais espessa da fáscia pélvica parietal, e, à medida que desce, torna-se mais delgada e menos distinta, dirigindo-se para baixo e para frente aderindo-se à junção anorretal e à fáscia própria do reto (Nota do Tradutor).

3. RETZIUS, Anders A. (1796-1860), anatomista e antropologista sueco: fibra, ligamento, veia e espaço de Retzius. Espaço de Retzius (espaço anatômico retropúbico situado entre a borda posterior da sínfise pubiana e a bexiga) (Nota do Tradutor).

4. BABCOCK W.W. (1893-), cirurgião inglês: cirurgia, pinça de. Operação de Babcock: extirpação radical de câncer retal em um só tempo com preservação da função anal; pinça de Babcock: pinça grande semelhante a uma pinça de Allis, usada para tracionar tecidos e órgãos (Nota do Tradutor).

5. LONE-STAR – Afastador de LONE-STAR: Instrumento metálico laminado, formado por um aro metálico, quadrado com cantos arredondados, articulado em quatro quadrantes, dispondo de quatro ranhuras em cada quadrante; colocado no períneo em volta do ânus, servem as ranhuras de retratores, para prenderem fios elásticos em cujas pontas distais há um pequeno gancho em anzol, que pinça pontos da borda anal, tracionando-os, de modo a everter a orla anal, sem dilatar o esfíncter anal, evitando lesá-lo (Nota do Tradutor).

6. BUIE Louis A (1890-1975), cirurgião americano, nascido em Kingstree, Carolina do Sul, integrou a Mayo Clinic após servir, na Itália, na Segunda Grande Guerra, e, a pedido de William J. Mayo, criou a Secção de Proctologia. Criou o American Board of Proctology, e, por duas vezes, foi o presidente da American Proctologic Society, tendo sido um marco no desenvolvimento da Coloproctologia como especialidade nos Estados Unidos. Fundou a revista Diseases of Colon and Rectum, tendo sido seu Editor por 10 anos, de 1957 a 1967. Inovou técnicas cirúrgicas, ficando ligado à técnica para tratamento cirúrgico de doença pilonidal sacrococcigeana. Criou inúmeros instrumentos cirúrgicos e coloproctológicos, entre os quais, anuscópios, retossigmoidoscópios, mesas de exame proctológico, pinças de biópsias retais (Nota do Tradutor).

7. THIERSCH, Carl (1822-1895), cirurgião alemão, nascido em Munique, Alemanha. Iniciou sua vida profissional como professor e cirurgião geral, dedicando-se, a partir dos 32 anos, à cirurgia de cabeça e pescoço e à cirurgia infantil. Tornou-se mundialmente famoso com a criação dos enxertos cutâneos (enxertos de Thiersch), baseados em estudos microscópicos de tecidos de granulação. Foi autor de várias técnicas cirúrgicas. Seu nome ficou ligado à Coloproctologia, por ter criado a técnica (de Thiersch) para tratamento da procidência retal (colocação de um anel de arame de prata subcutâneo em volta do ânus) (Nota do Tradutor).

8. RIPSTEIN, C.B.: The Repair of Massive Rectal Prolapse. Surg Proc, 1965;2:2.

9. DELORMÉ, Edmond (1847-1929), cirurgião francês, nascido em Lunéville, França. Militar, esteve em guerras por toda Europa e Norte da África, tendo introduzido conceitos de anti-sepsia nas forças armadas francesas. Condecorado como Grande Oficial de Legião de Honra da França, ocupou vários cargos médicos e militares. Contribuiu grandemente com a cirurgia, sobretudo com trabalhos sobre feridas de guerra, fraturas e decorticações pulmonares e cirurgias colorretais, destacando-se sua técnica para correção de prolapso retal (Nota do Tradutor).

10. LOYGUE J, Huguier Michael R. B. Keighley, Malafosse Michael R. B. Keighley et al.: Complete Prolapse of the Rectum: A report on 140 treated by rectopexy. Br J Surg, 1971;58:847-848.

11. TRENDELENBURG, Friedrich (1844-1924), cirurgião alemão: posição, sinal, teste e sinais. Posição de Trendelemburg é uma posição supina do paciente na mesa cirúrgica, inclinada em ângulos variáveis, de modo que a pelve fica acima do nível da cabeça, com os joelhos fletidos e as pernas dependuradas sobre o pé da mesa, usada durante e após operações pélvicas e para melhorar a irrigação cerebral de paciente em choque hemodinâmico. Manobra de Trendelenburg: angulação da mesa cirúrgica de modo a inclinar sua cabeceira para baixo, independente da posição em que o paciente se encontra (Nota do Tradutor).

12. DOUGLAS, James (1675-1742), anatomista escocês: Fundo-de-saco sacro-retal, constituido pelo peritôneo parietal pélvico.

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