Relações Sociais e Econômicas Inglaterra – Brasil – Parte 1

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Relações Brasil Inglaterra

Relações Políticas, Sociais e Econômicas entre a Inglaterra, Portugal e o Brasil, Durante os Séculos XVII, XVIII e XIX

1. INTRODUÇÃO

O período que se estende do ano de 1600 ao ano de 1900, três séculos, é bastante vasto e particularmente rico em acontecimentos históricos. Ao longo das páginas que se seguem, pretendemos expor, da maneira mais sucinta e clara possível, as relações políticas entre Portugal, Inglaterra e Brasil, e como essas relações repercutiram na política interna de cada um desses países, em suas economias e em suas sociedades. Nosso compromisso é tentar relacionar fatos aparentemente desconexos e revelar os interesses envolvidos em cada um deles.

Nas relações internacionais não é possível imaginar uma nação isolada no mundo, livre de influências externas. Da mesma maneira que nós, indivíduos, somos afetados pelos comportamentos daqueles que nos cercam, também as nações, guardadas as devidas proporções, assim se comportam. Mas entender como essas relações de interdependência ocorrem não é tão simples. Muitas vezes os reais interesses envolvidos são omitidos e acontecimentos distantes, no tempo e no espaço, podem parecer isolados. Fatos que aparentam ser causas são, na verdade, conseqüências e vice-versa. Em relações internacionais dificilmente acontece o acaso. Na história das relações entre Portugal, Inglaterra e Brasil temos vários exemplos desses equívocos.

Temas como a exploração do Brasil por Portugal, nos ciclos do açúcar e ouro, a vinda da família real portuguesa para o Brasil, a elevação do Brasil ao status de Reino Unido a Portugal e Algarves, a assinatura de diversos tratados comerciais e suas implicações, etc., serão abordados e, mais que isso, serão relacionados. Um em conseqüência do outro, mas não ao acaso, mas numa seqüência lógica e, em algumas vezes, até previsível. A evolução do Brasil ao longo do período em questão deve ser entendida como enredada num contexto internacional maior que o próprio Brasil. Infelizmente nosso papel nesse teatro não foi o de ator principal, mas de coadjuvante, servindo como trampolim para outras nações atingirem mais rapidamente as suas metas.

Vivendo num conflito de interesses nacionais e internacionais, os governantes que se sucederam ao longo desses trezentos anos tiveram muita dificuldade para encontrar uma solução que agradasse a todos. A necessidade de ceder a interesses externos, movidos inúmeras vezes por conjunturas econômicas caóticas, ou a incapacidade de prever as conseqüências de suas atitudes levaram as autoridades a colocar o Brasil numa situação difícil de ser contornada. O que vimos em nossas pesquisas foi o Brasil se afogar em dificuldades e ter de recorrer à ajuda internacional. Sem as condições necessárias para gerenciar os recursos obtidos, afundávamos outra vez e a cena se repetia. Metaforicamente, podemos dizer que o Brasil comportou-se por muito tempo como uma pequena engrenagem dentro de um maquinário complexo. Sem forças para poder alterar o rumo dos acontecimentos, coube a nós nos manter girando para que não fôssemos esmagados pela engrenagem maior.

Passando de uma colônia portuguesa a um país independente, o Brasil enfrentou diversos desafios. Algumas vezes no comando, outras como um simples “passageiro de patrulha”, somos personagem da história do mundo e é isso que estudaremos a seguir.

2. PERÍODO COLONIAL

Invasões holandesas

Na segunda metade do século XVI, no ano de 1580, ocorreu a unificação do governo de dois povos: Portugal e Espanha. O Rei da Espanha, por considerar-se o sucessor legítimo do trono português, que ficou vago após a morte do rei Dom Sebastião, assumiu a coroa portuguesa e deu início à chamada União Ibérica.

No ano seguinte, 1581, a então colônia espanhola Holanda inicia sua guerra pela independência contra sua metrópole. Sabedor do intenso comércio de cana-de-açúcar entre Portugal e Holanda, o soberano luso-espanhol proíbe as transações comerciais entre aqueles países, com o intuito de enfraquecer economicamente sua colônia rebelada. Holanda, sem saída, opta por buscar as matérias-primas para sua produção de açúcar diretamente na fonte: Brasil. Partem, assim, para o que ficou conhecido como as “invasões holandesas”.

Sua primeira tentativa ocorreu no ano 1624, à cidade de Salvador, mal sucedida. Voltam ao Brasil em 1630, atacando o litoral pernambucano, desta vez com mais força e conseguem atingir seu objetivo: estabelecer-se firmemente em território brasileiro. Contando com as habilidades de um brilhante administrador, Maurício de Nassau, os holandeses conseguem o apoio dos Senhores de Engenho da região, principalmente através de empréstimos e ensinando-lhes a produzir com produtividade. É durante o período da administração de Nassau que o ciclo do açúcar no Brasil atinge seu apogeu.

Entre 1640 e 1644 uma série de contratempos naturais como inundações, secas, incêndios e epidemias entre os negros, além da crescente alta dos juros, impossibilitou os senhores de cumprir seus compromissos com os credores holandeses. A dívida aumentava. Os holandeses, com seus gastos em guerras em que estavam envolvidos aumentando, diminuíam a sua tolerância com as dívidas dos Senhores de Engenho. Em 1644 Nassau, descontente com essas atitudes, é chamado de volta à Holanda. Ele leva consigo mudas de cana-de-açúcar e o conhecimento sobre como produzi-la. Concorrendo com o açúcar holandês cultivado nas Antilhas, o açúcar brasileiro começa a declinar.

As tensões entre luso-brasileiros e holandeses aumentam até que, em 1645, explode a Insurreição Pernambucana. Com parcas vitórias dos portugueses, com destaque para a Batalha do Monte das Tabocas e as duas batalhas dos Guararapes, os rebeldes não conseguem expulsar efetivamente os holandeses do Brasil. Sofrendo um forte bloqueio marítimo holandês, tropas vindas de Portugal não conseguem reforçar os combatentes no Brasil.

Nesse ínterim, Holanda envolve-se na guerra dos 30 anos, contra a Inglaterra. Envolvida agora em duas onerosas frentes de batalha, e enfrentando a ajuda inglesa recebida pelos insurgentes pernambucanos, a Holanda é definitivamente expulsa do Brasil em 1654. Evidentemente, os holandeses não pretendiam abrir mão de suas conquistas no Brasil tão facilmente e continuaram a hostilizar as colônias portuguesas. Isso levou a que, mais uma vez, a Inglaterra intervisse nas relações entre esses dois países e mediasse um acordo diplomático entre ambos: a Paz de Haia.

Pela Paz de Haia, assinada em 1661, Portugal ficava obrigado a pagar à Holanda uma indenização de quatro milhões de cruzados em dinheiro, além de açúcar, tabaco e sal, e a restituir aos holandeses toda a artilharia tomada durante os conflitos no Brasil. Ainda enfraquecido economicamente após a recente separação da Espanha, em 1640, Portugal se vê obrigado a pegar empréstimos com a Inglaterra para saudar os seus compromissos com a Holanda.

Esse tratado marca o início da dependência da nação lusitana, e conseqüentemente a do Brasil, ao capital inglês. Essa dependência, que atravessou séculos, afirmava-se ao longo do tempo à medida que Portugal é forçado a assinar vários outros tratados econômicos com a Inglaterra.

Para o Brasil, a conseqüência imediata à expulsão dos holandeses do Brasil foi o declínio da indústria açucareira no Nordeste. As mudas levadas por Nassau, assim como o conhecimento das técnicas de seu plantio e cultivo, permitiram à Holanda criar a sua própria fonte de cana-de-açúcar nas Antilhas. Lá podiam produzir com maior produtividade. Isto é, com menor custo, em menos tempo e em maior quantidade. A concorrência com o açúcar antilhano levou o Brasil a conhecer sua primeira forte crise econômica.

Ciclo do Ouro

Vendo sua receita em franco declínio, Portugal passa a procurar outras fontes de renda no Brasil. Uma das alternativas foi o cultivo e exploração de outros gêneros agrícolas, como fumo, cacau e algodão, mas não obtém grande êxito. É nesse contexto, da busca por novas fontes de renda, que regiões do Brasil ainda praticamente selvagens passam a receber mais atenção da metrópole.

É na região Sudeste e Centro que Portugal encontra uma solução para seus problemas. Expedições financiadas por capital privado, conhecidas como Entradas, encontram ouro e diamante na região de Minas Gerais. A partir daí, novas expedições, patrocinadas pela Coroa, as Bandeiras, partem em busca de mais e mais minas.

Inglaterra, sagazmente, percebe que pode obter grandes vantagens para sua incipiente revolução industrial a partir da descoberta de ouro no Brasil. Assim, propõe a Portugal o Tratado de Methuen, também conhecido como “tratado de panos e vinhos”, que versava o seguinte: a Inglaterra se comprometia a adquirir os vinhos de Portugal, enquanto os portugueses se comprometiam a adquirir os tecidos ingleses.

Assinado em 27 de dezembro de 1703, coincidentemente na época do descobrimento de ouro no Brasil, Methuen apenas ajuda a agravar a crise econômica lusitana e fornece aos ingleses os meios – dinheiro-, para financiar a sua Revolução Industrial e firmar-se definitivamente como a maior potência européia. As relações comerciais entre Portugal e Inglaterra geravam déficit na balança comercial portuguesa, visto que o valor das importações era sempre maior que o das exportações. A produção de vinho para exportação complicou ainda mais a situação econômica de Portugal, uma vez que as melhores terras da nação passaram a ser inteiramente dedicadas a tal cultura, reforçando a necessidade de importação de alimentos.

Com a balança comercial desfavorável, implicando em déficit com a Inglaterra, Portugal vê no ouro brasileiro o único modo de reverter, mesmo que temporariamente, o quadro caótico em que se achava. Vivendo numa situação em que possuía um fraco mercado interno e com poucas atividades manufatureiras a serem expandidas, o ouro das Minas Gerais segue quase que em sua totalidade para a Inglaterra. Isso permite que a burguesia inglesa acumule capital, o crescimento do mercado interno inglês e, conseqüentemente, levará a Inglaterra a promover a sua Revolução Industrial.

Numa análise mais profunda, podemos afirmar que o Tratado de Methuen impediu, ou pelo menos dificultou, o desenvolvimento de atividades industriais em Portugal e suas colônias, pois esses não conseguiam competir com os produtos ingleses, de melhor qualidade e preço. Podemos até arriscar dizer que ele representou uma prematura Divisão Internacional do Trabalho, entre países produtores de matérias-primas e países produtores de produtos manufaturados. Graças ao ouro brasileiro, com uma breve passagem por Portugal, a Inglaterra foi pioneira na corrida da industrialização. Tamanha era a importância das riquezas brasileiras para a concretização dos interesses ingleses que, ainda em 1680, a Inglaterra apoiou expedições portuguesas na fundação da Colônia de Sacramento, em pleno território espanhol.

Infelizmente o ouro brasileiro começa a escassear. Preocupado em saldar suas crescentes dívidas com a Inglaterra, Portugal cria mecanismos para frear a sonegação e o contrabando de ouro que havia na região das minas. Umas das medidas foram a Casa de Fundição e a Intendência das Minas. A criação desses órgãos deu origem, no Brasil, ao funcionalismo público, assalariado, pago pelo Estado, e, também, de uma classe média. O ciclo do ouro serviu também para a dinamização da economia colonial, com o aparecimento de algumas manufaturas, visto que nem tudo podia chegar de fora através dos portos do Rio de Janeiro e Salvador.

Portugal percebe que o arrecadamento de impostos, apesar de todas as medidas por ele tomadas, continua diminuindo. Isso é um sinal de que o ouro está de fato acabando e de que ele precisa encontrar outra atividade rentável para equilibrar as suas finanças. Parte, então, para um arrocho no Pacto Colonial, através das Companhias de Comércio. Essas companhias tinham a dupla finalidade de aumentar o comércio exterior colonial e de sufocar o crescimento interno do Brasil. Eram concedidas a pessoas de confiança da Coroa.

Longe desses acontecimentos, na Europa – principalmente na França e Inglaterra -, surgia um movimento intelectual e cultural chamado Iluminismo, cujos adeptos advogavam a Constituição como básica e protestavam contra o autoritarismo do Absolutismo, predominante. Aqueles absolutistas que ainda se dignavam ouvir o que os iluministas tinham a dizer eram chamados de déspotas esclarecidos, e o rei de Portugal, D. José I, era um deles.

Ocupando a cadeira de 1º Ministro de Portugal, o Sr. Sebastião José Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, permitiu que fossem criadas manufaturas no Brasil, quebrando o monopólio das Cias de Comércio. Também expulsou os jesuítas do Brasil, o que acarretou um sensível decréscimo no nível intelectual da população e acabou com as capitanias hereditárias. Não podemos, contudo, esquecermo-nos de que Pombal, apesar de seu racionalismo iluminista, era português. Mais que isso, ele era membro do governo português e, como tal, estava deveras interessado na saúde financeira de Portugal, a qualquer custo. Todas essas medidas por ele tomadas objetivavam beneficiar a metrópole, mesmo que indiretamente, como na autorização para abertura de manufaturas no Brasil. Exemplo maior de suas intenções é a criação de Cias de Comércio para controlar o comércio colonial e aumentar as rendas da Coroa

Em 1777, Pombal é demitido através de decreto-régio de D. Maria I, que assume o trono após a morte de seu pai. Com ela, voltam todas as restrições do pacto colonial e a proibição da existência de manufaturas no Brasil, o que obrigou a população, mais uma vez, a recorrer às caras manufaturas importadas. Um pequeno ressurgimento agrícola colonial, basicamente devido a crises na cultura algodoeira americana e na canavieira haitiana, ainda permitiram que a economia pudesse respirar um pouco. Findo este breve período de turbulências internacionais, a economia brasileira voltou a declinar.

Transmigração da Família Real para o Brasil

Estamos no final do século XVIII, um período que ficou conhecido como a “era das revoluções”, onde grandes transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas em todo o mundo. Na economia, observamos o amadurecimento do capitalismo e o firme estabelecimento da burguesia, que ganha força com a Revolução Industrial. Já no campo político, temos a independência dos Estados Unidos, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789, que eleva à condição de imperador, em 1799, o grande estrategista militar e habilidoso político, Napoleão Bonaparte.

Já tendo conquistado a maioria de seus objetivos na Europa Continental, fazendo da França uma grande potência no continente, Napoleão volta-se para o único que ainda é capaz de ameaçar a sua posição: a Inglaterra. Possuidor de um poderoso Exército, mas de uma relativamente fraca Marinha, ele sofre uma decisiva derrota na Batalha Naval de Trafalgar para a Inglaterra, em 1805. Esse acontecimento leva-o a mudar a sua estratégia para vencer o seu inimigo.

Visando enfraquecer os ingleses até o ponto em que um novo ataque pudesse ser lançado, Napoleão decreta, em 1806, o Bloqueio Continental, isto é, decretou o fechamento dos portos de todos os países europeus ao comércio inglês. Pretendia, dessa forma, enfraquecer a economia inglesa, que precisava de mercado consumidor para os seus produtos manufaturados e, assim, impor a preponderância francesa em toda a Europa. Tendo conquistado a maioria dos países e possuindo grande força militar, o grande problema de Napoleão era Portugal.

Como já pudemos perceber, Portugal é extremamente dependente da Inglaterra, da qual importa os produtos manufaturados de que precisa e a quem vende a sua produção. Entre a “cruz e a espada”, o rei de Portugal posterga ao máximo tomar uma decisão definitiva, até quando toma conhecimento, em 1807, da assinatura do Acordo de Fontainebleau. Por esse acordo, entre França e Espanha, tropas franco-espanholas invadiram Portugal, derrubariam o governo dos Bragança e desmembrariam o reino e suas colônias.

Sob ameaça iminente de invasão francesa, o monarca português, convencido pelo embaixador francês em Lisboa, Lorde Strangford, assina uma convenção secreta. Nesse documento ficava acordado que a corte, assim como a sede da monarquia, seria transferida para o Brasil. Além disso, a esquadra lusa seria incorporada à inglesa, que ofereceria proteção à fuga lusitana. A vinda da família real portuguesa e a transferência da sede do Governo para a colônia Brasil muito interessavam à Inglaterra, que viam aqui uma grande fonte de lucros. Dessa maneira, eles conseguiriam obter diversas vantagens comerciais, diminuindo os severos prejuízos advindos do Bloqueio Continental decretado por Napoleão. Outras pretensões dos ingleses eram utilizar os portos brasileiros para expandirem o seu comércio pela bacia do rio prata, levando seus produtos a novas regiões, e permitir incursões militares na América Espanhola, na qual já faziam várias ações de saque de carregamentos de ouro através de seus corsários. Elaborado por um inglês, numa situação em que Portugal não tinha muito tempo ou escolhas a fazer, a convenção secreta buscou fazer o Governo português ainda mais dependente, o que o forçaria a fazer mais concessões.

Assim, na manhã do dia 29 de novembro a esquadra portuguesa finalmente partiu do porto de Lisboa com destino ao Rio de Janeiro. Entre navios mercantes, transportes e de guerra, portugueses e ingleses, 70 navios deixaram o porto de Lisboa, deixando para trás a população portuguesa. Nesses navios estavam embarcadas cerca de 15 mil pessoas, entre membros da corte e funcionários, além da família real. Com eles vieram também mais de 60 mil livros da Biblioteca Nacional, todo o Tesouro da Coroa e, não podemos esquecer, a Academia Real Guardas-Marinha, nossa atual Escola Naval. A viagem durou 54 dias, com os navios chegando no porto de Salvador em 22 de janeiro de 1808.

Acordos e Tratados

A transferência da sede do Governo português para o Brasil deu um novo rumo à nossa história. Ainda em Salvador, em 28 de janeiro do mesmo ano, D. João assinou a Carta Régia, abrindo os portos brasileiros às nações amigas. Por esse documento, ficava liberada a importação de mercadorias oriundas de qualquer país, transportadas em navios de qualquer país em paz com Portugal. As taxas de importação seriam as seguintes: 16% para produtos portugueses e 24% para produtos de outros países (entenda-se produtos ingleses). A capitalização de recursos financeiros necessários à instalação da administração da nova sede foi um dos motivos que levaram o monarca português a assinar esse decreto. Um outro fator foi a forte pressão inglesa, que visava abrir novos mercados aos seus produtos manufaturados.

Em 1º de abril é revogada a determinação portuguesa que não permitia o funcionamento de manufaturas no Brasil. Mas, infelizmente, essa decisão não é acompanhada de investimentos no setor industrial. Os produtos da pretensa indústria nacional não eram capazes de competir com os ingleses, muitos mais baratos e de qualidade superior. Isso tudo, associado a um mercado interno ausente e dificuldades de toda sorte colocadas pela Inglaterra na importação de máquinas, levou o setor a não se desenvolver.

Essas medidas representaram o fim do pacto colonial e marcam o início da mudança do status político internacional pela qual passaria o Brasil num futuro breve.

Cabe ressaltar aqui um fato muito importante na história do Brasil: em 7 de março de 1808 chega ao Rio de Janeiro, acompanhando a família real portuguesa, a Brigada Real de Marinha, a origem do nosso Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil.

Dando continuidade ao desenrolar dos fatos que se seguiram à chegada da corte ao Brasil, visando aumentar ainda mais o seu domínio sobre os negócios no Brasil, a Inglaterra obriga Portugal a assinar os Tratados de 1810, sendo os principais o de Comércio e Navegação e o de Amizade e Aliança (o terceiro regulamentava as relações postais entre os dois reinos). Vejamos os que diziam esses tratados.

O Tratado de Comércio e Navegação trouxe mudanças nas tarifas alfandegárias praticadas no Brasil. Segundo esse novo acordo, produtos portugueses seriam taxados em 16%, ingleses em 15% e os de outros países em 24%. Isso mesmo. Ingleses passaram a ter mais vantagens que os próprios portugueses. Essa nova taxa fez com que produtos ingleses inundassem de vez o mercado brasileiro, superando qualquer tipo de concorrência.

O Tratado de Amizade e Aliança era ainda mais absurdo. Ele concedia o direito de extraterritorialidade aos súditos ingleses residentes no Brasil. Isso significava que cidadãos ingleses, mesmo em território português, estariam sujeitos às leis britânicas, devendo ser julgados somente por juízes também britânicos. Outros itens desse Tratado: proibição da atuação da Santa Inquisição no Brasil; liberdade de prática religiosa protestante; e, o fim gradual do tráfico negreiro. Esse último item merece especial atenção. O capitalismo industrial inglês estava assentado nas relações assalariadas de trabalho, que aumentava o mercado consumidor. Além disso, o açúcar brasileiro concorria com o inglês produzido nas Antilhas.

Com condições absurdamente favoráveis à Inglaterra somente, esses tratados visavam aumentar a presença inglesa no Brasil, como alternativa aos prejuízos percebidos pelo Bloqueio Continental ainda vigente. E é essa forte presença que marca a mudança da posição do Brasil no mercado internacional: do colonialismo mercantilista português para a dependência do capitalismo industrial inglês.

Mudanças no Rio de Janeiro

Nem só por mudanças na economia do Brasil foi marcada a chegada da família real portuguesa. Sendo a cidade do Rio de Janeiro a capital do Império luso, D. João promoveu várias melhorias com o intuito de torná-la digna de ser uma cidade imperial. Dentre suas principais medidas, podemos citar a criação de escolas médico-cirúrgicas no Rio de Janeiro e na Bahia, da Imprensa Régia, da Biblioteca Real e do Jardim Botânico. Desejoso de difundir o Brasil na Europa, e para aqui atrair pessoas que se interessassem, D. João patrocinou a Missão Artística Francesa, cuja tarefa era retratar paisagens e costumes brasileiros.

A iniciativa de D. João surtiu efeito e, durante o período de sua permanência no Rio de Janeiro (1808-1821), a população da cidade passou de 50 mil para 100 mil habitantes. Pessoas de diversos países, das profissões mais diversas, chegavam ao Rio de Janeiro para fazer negócios, como negociar escravos e mercadorias, ou mesmo para tentar a vida, numa terra de novas oportunidades.

Entretanto, a vinda da Família Real representou alguns transtornos para a população da cidade do Rio de Janeiro. Quando os navios finalmente chegaram à cidade, não havia aqui infra-estrutura para receber a expressiva quantidade de nobres e funcionários que estavam a bordo. De maneira que essas pessoas pudessem ser alojadas dignamente, soldados a serviço do Rei foram incumbidos de escolher as melhores casas da cidade e despejar os seus moradores. Para isso, pintavam nas portas das casas escolhidas as iniciais PR, referentes a “Príncipe Regente”, mas que o povo prontamente interpretou como “ponha-se na rua:”.

3. INDEPENDÊNCIA

As regalias da Família Real e de seus protegidos eram tantas e tão absurdas que logo a população começou a demonstrar sinais de insatisfação. Duplamente insatisfeitos, com a condição de afastamento da direção política do Brasil e com a obrigação de sustentar o seu luxo, diversos grupos sociais de Recife (proprietários rurais, artesãos, militares, sacerdotes) se reuniram no que ficou conhecida a “Revolução Pernambucana”, em 1817. Assim como as Inconfidências Mineira, de 1789, e Baiana, de 1798, essa revolução também tinham um caráter separatista. Outra característica comum entre elas é o fato de todas terem surgido a partir da insatisfação popular com a administração portuguesa. São os próprios portugueses que plantam a semente de desejo por liberdade no coração dos brasileiros.

Em 16 de dezembro de 1815 D. João promulgou uma importante lei para a evolução política do país. A decisão foi tomada em decorrência do que foi acertado no Congresso de Viena. Realizado pelas potências européias (Áustria, Rússia, Prússia, Inglaterra) após a derrota definitiva de Napoleão, esse Congresso objetivava recolocar as monarquias depostas por Napoleão de volta em seus tronos, restaurando o Absolutismo. Como Lisboa era reconhecida como a real capital do Império luso, a permanência da família real portuguesa no Brasil tornou-se ilegítima e impedia que Portugal participasse do Congresso. Não desejando deixar o Rio de Janeiro, o monarca português se vê obrigado a elevar o Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, fazendo com que deixássemos de ser uma colônia de Portugal.

Em 1818 D. Maria morre e, assim, o príncipe-regente é coroado Rei, assumindo o título de D. João VI.

Nesse momento temos o seguinte cenário:

No plano interno, o Brasil encontra-se numa situação bastante deprimente: a balança comercial desfavorável, fruto dos tratados comerciais de 1810, aumenta velozmente nossa dívida externa; visando sanear as contas públicas, diversos empréstimos, adquiridos em bancos ingleses evidentemente, foram feitos, mas os juros cobrados levaram a um efeito contrário; a política administrativa portuguesa cobra pesados impostos para sustentar os luxos da corte e de seus protegidos e gera grande insatisfação entre os brasileiros, dando origem a diversas manifestações e revoltas.

No plano externo, Portugal, sem seu governante presente, vive sob o duro comando do inglês Lord Beresford, chefe do Exército e Comandante de Portugal; as cidades, a agricultura e o comércio português estavam parados, frutos do período de ocupação francesa; as manufaturas não conseguiam se desenvolver, pois enfrentavam concorrência insuperável dos produtos ingleses importados (não esquecer o tratado de Methuen); o fim do exclusivo colonial não garantia mais a venda dos produtos para a colônia Brasil; a partir de 1820, movimentos liberais surgem por toda a Europa, em resposta à tentativa de volta ao Antigo Regime proposta pelo Congresso de Viena.

Todos esses acontecimentos levaram os portugueses, em Portugal, a se lançarem numa grande empreitada pelo levante da nação portuguesa. Apoiados pela Maçonaria, os portugueses conseguiram expulsar Lord Beresford de Portugal e convocaram as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa para elaborar uma Constituição para Portugal. Exigiam, portanto, a volta de seu monarca D. João VI ao solo português. Essa foi a Revolução Constitucional do Porto, de 1820.

Sem muita alternativa, D. João VI volta a Portugal em 1821 para não perder o trono. Entretanto, já percebendo o movimento pela independência que ganhava força a cada dia, D. João deixa seu filho, D. Pedro, em seu lugar como príncipe-regente. Dá-lhe o seguinte recado: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para alguns desses aventureiros”.

A evolução dos acontecimentos em Portugal acelera o ritmo da caminhada pela independência aqui no Brasil. Vitoriosa, a Revolução Constitucional do Porto propõe diversas medidas para tentar revitalizar sua economia. Dentre essas medidas estão a recolonização do Brasil, isto é, a volta ao status de colônia, e o retorno do pacto colonial. Pretendiam alcançar esses objetivos através de decretos emitidos em Portugal e que deveriam ser cumpridos no Brasil.

Visando enfraquecer ainda mais a administração e política brasileira, os portugueses passam a exigir o regresso de D. Pedro a Portugal, visto que ele passara a defender as causas brasileiras. O Partido Brasileiro, formado pela elite brasileira (fazendeiros e comerciantes), convenceu D. Pedro a ficar e em resposta ao grande clamor popular, em 9 de janeiro de 1822 D. Pedro declara a sua intenção de permanecer no Brasil.

O dia do “fico” marcou o início do fim, por assim dizer. A partir de então as atitudes de D. Pedro são cada vez mais contrárias às vontades de Portugal, até que chega um momento em que a pretensa metrópole lança um ultimato ao príncipe-regente: ou ele anula todos os seus atos como governante e retorna imediatamente a Portugal, ou tropas da coroa serão enviadas ao Brasil para fazê-lo. Apesar das ameaças o processo de independência já está muito adiantado para ser parado, contando inclusive com a convocação de uma Assembléia Constituinte. Assim, em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, D. Pedro proclama a independência do Brasil com o famoso grito de “independência ou morte!”.

Visto como se deu o processo de ruptura entre Portugal e Brasil, vamos estudar os seus detalhes e entender os interesses envolvidos e quem se beneficiou com esse processo.

Um ponto relevante a se observar é a participação ínfima da população no processo de independência. Notadamente empreendido pelas elites, esse processo não alterou significativamente a ordem das coisas para a maioria da população. Apenas os interesses das elites foram defendidos. Nem mesmo o sistema escravista foi abolido, o que prejudicaria a elite agrária.

Outra grande beneficiada com a independência do Brasil foi a Inglaterra. Uma vez independente, ela foi a principal mediadora entre as discussões sobre o reconhecimento de nossa independência pelos portugueses. Evitando atritos com a coroa portuguesa, ela articulou um acordo entre Brasil e Portugal que previa o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras e da concessão do título de Imperador Honorário do Brasil a D. João VI. Como nós não tínhamos essa soma para honrar o acordo (lembrar que D. João VI levou todo nossas reservas quando voltou para Portugal em 1821), a Inglaterra se ofereceu para emprestar-nos a quantia necessária. Sem alternativa, o Brasil pega o empréstimo e paga a indenização a Portugal.

Paga a indenização, em 1825 Portugal finalmente reconhece o Brasil como nação independente. A Inglaterra o faz logo depois, também em 1825. Mas o país que primeiro reconheceu nossa independência foi os Estados Unidos, em 1824. Sob a égide da doutrina Monroe (“América para os americanos”), queriam, na verdade, diminuir a influência inglesa em território americano em proveito da sua própria.

Inacreditavelmente esse dinheiro nunca saiu dos cofres ingleses. Vejamos como. Brasil pega o empréstimo e paga a indenização a Portugal. Este, desde muito endividado com a Inglaterra (tratado de Methuem, balança comercial desfavorável, empréstimos bancários), usa esse dinheiro para pagar parte de sua dívida. Dessa forma, o dinheiro que nunca saiu da Inglaterra serviu apenas para duas coisas: garantir o reconhecimento internacional de nossa independência e colocar o Brasil numa condição de dependente da Inglaterra.

E como se já não bastasse a confortável condição de credora, a Inglaterra ainda faz algumas exigências após reconhecer a independência do Brasil. Em 1827 foi assinado o Tratado de Aliança, Comércio e Amizade, que vieram a renovar o que estava previsto nos Tratados de 1810. Cabe ressaltar que os benefícios dados aos produtos ingleses comercializados aqui não foram concedidos aos produtos brasileiros na Inglaterra. Muito pelo contrário. Os nossos produtos sequer chegavam aos mercados ingleses. Eram banidos por serem muito similares ao produzidos nas colônias inglesas. Percebe-se que o protecionismo econômico é uma característica bastante antiga das nações européias.

Esse segundo Tratado de Comércio e Navegação guardava uma diferença em relação ao primeiro: previa uma tarifa de 15% sobre os produtos importados de todos os países, qualquer um. Numa primeira análise podemos até pensar que a Inglaterra foi prejudicada, pois teria de enfrentar a concorrência de produtos de outros países que chegariam ao Brasil mais baratos que antes, mas não, ela estava pensando mais a frente, estrategicamente, como sempre. A Inglaterra já havia percebido que a pequena indústria brasileira estava crescendo e que num futuro próximo poderia vir a concorrer firmemente com os seus. Para evitar que isso acontecesse, consentiu com a redução das tarifas de importação para os outros países. Essa diminuição nas tarifas resultou numa redução geral de preços no mercado, sufocando a incipiente indústria nacional, incapaz de competir em preço ou qualidade.

Mas por que sufocar a indústria brasileira? Esse era o grande plano inglês. Vejamos porque. Sem poder produzir os artigos manufaturados de que necessita, o Brasil passa a importar tudo. Exportando apenas matérias-primas, de pequeno valor agregado, e importando produtos manufaturados, de grande valor-agregado, nossa balança comercial rapidamente fica negativa. Para amenizar esse desequilibro nos vemos forçados a buscar empréstimos em bancos da Inglaterra, aumentando a nossa dívida externa. Eis a estratégia inglesa: exportar menos produtos manufaturados, mas aumentar a dependência econômica brasileira através dos empréstimos concedidos.

Outra cláusula desse contrato determinava que o tráfico negreiro no Brasil deveria ser extinto até 1830. Os ingleses alegavam que a escravidão era uma prática monstruosa e absurda, inaceitável, e que por isso haviam extinguido-a em suas colônias. A verdade era outra. O que eles realmente almejavam era aumentar o mercado consumidor para seus produtos manufaturados. Como escravos não compram nada, pretendiam transformá-los em mão-de-obra assalariada, consumidora. Mas, por contrariar fortemente os interesses das elites rurais escravistas brasileiras, essa libertação dos escravos acabou não sendo efetiva. Não dentro do prazo estabelecido.

4. PRIMEIRO REINADO

As guerras pela independência

Uma vez declarada a independência e iniciadas as discussões para concretizá-la no cenário internacional, fez-se necessário expulsar as tropas portuguesas presentes no Brasil. Como D. Pedro I não dispunha de Exército ou Marinha que pudesse empregar nessas frentes, teve de recorrer a mercenários, principalmente Almirantes ingleses. Os principais núcleos de resistência localizavam-se na Bahia, Pará e Cisplatina.

Situação econômica

Como já pudemos perceber, até esse momento na história do Brasil nunca tivemos um momento de estabilidade econômica duradoura e sustentável. Mesmo nos momentos áureos do ciclo do açúcar e no breve ciclo do ouro, o que se via era uma atividade exploradora e que não visava o crescimento interno do país, mas sim o enriquecimento de uma seleta elite. No período do primeiro reinado essa situação perpetuou-se.

Vários fatores contribuíram para o agravamento da crise financeira nacional. Eis alguns deles:

Os compradores dos produtos primários que produzíamos (Europa) estavam em crise após o período das guerras napoleônicas. Dessa forma, diminuíram drasticamente a importação dos nossos produtos;
Nossos produtos enfrentavam grande concorrência internacional, principalmente do açúcar cubano e do algodão norte-americano;
Os gastos com a organização do recém-criado Estado brasileiro, pagamento de indenização a Portugal e contratação de mercenários estrangeiros para dar cabo das rebeliões contrárias à emancipação oneraram, e muito, as contas públicas.
Pouco hábil na condução administrativa, D. Pedro I era muito autoritário. Exemplo maior disso foi a Constituição de 1824 que ele próprio havia outorgado, a qual conferia-lhe poderes supremos acima dos outros três poderes. Seguindo essa linha de pensamento, ele toma outra atitude equivocada: resolve emitir mais moeda e injetá-la em nossa economia. Vejamos como essa emissão de moeda sem lastro de produção repercutiu.

O excesso de oferta de moeda no mercado e a pouca oferta de produtos levou a um aumento de preços. Isto é, inflação. A moeda perdeu o seu valor real, desvalorizou-se. Essa desvalorização levou a um aumento nas nossas exportações, pois nossos produtos ficavam mais baratos no mercado internacional. Isso poderia ser até um ponto positivo, mas os produtos manufaturados importados aumentaram muito de preços, o que é ruim. Dependente dessas importações, o mercado interno passou a perceber um desabastecimento tanto de artigos manufaturados quanto de produtos primários, agrícolas, que eram voltados para a exportação. Ao final das contas, os únicos beneficiados com a desvalorização da moeda, resultante da emissão de moeda sem lastro, foram as elites das elites (exportadores). Formadas basicamente por portugueses residentes no Brasil, essas pequeníssimas elites de latifundiários passaram a ser hostilizados pelo resto das elites nacionais. D. Pedro I foi acusado de proteger seus compatriotas.

Em meio a essa grande crise instalada, entre 1825 e 1828 o Brasil se envolve na Guerra Contra as Províncias Unidas do Prata, tentando evitar que a província Cisplatina se desligue do território nacional. Fracassado, D. Pedro I gasta um dinheiro que o Brasil não tinha no esforço de guerra e perde ainda mais o seu prestígio perante a população. Cabe ressaltar a participação inglesa nesta questão. A Inglaterra entendia que esse conflito prejudicaria as suas transações comerciais com os lados envolvidos. Além disso, as forças de ambos os contendores eram compostas por mercenários, principalmente ingleses, e as perdas humanas prejudicariam diretamente a Inglaterra. Outro medo era que qualquer um dos lados fosse buscar ajuda nos Estados Unidos, que certamente exigiriam algum favorecimento comercial em troca dessa ajuda oferecida. Isso levaria a uma concorrência desfavorável aos produtos ingleses que desembarcavam nos portos brasileiros. Para contornar essa situação e evitar que ela se agravasse, diplomatas ingleses no Rio de Janeiro e em Buenos Aires sugerem a intervenção inglesa na questão. Através da mediação inglesa, Brasil e Províncias Unidas do Rio da Prata assinam um tratado reconhecendo a independência da Cisplatina e, principalmente, o estabelecimento de um prazo de quinze anos de livre navegação na bacia do Prata. A Inglaterra atingira seu objetivo: garantir seu livre comércio no estuário platino.

Um dos últimos episódios que D. Pedro I se envolve durante seu governo é a Guerra de Sucessão em Portugal. D. João VI, logo após sua chegada a Portugal, morre, o que faz de D. Pedro I rei de Portugal. Dividido entre a sua permanência no Brasil ou seu retorno a Portugal, D. Pedro I decide por enviar sua filha Maria Amélia para assumir o trono português. Por ela ter apenas cinco anos de idade, pede a D. Miguel, seu irmão, para ser o regente até que ela atinja a maioridade. D. Miguel não aceita essa situação e promove um golpe de Estado, tomando o trono português para si. Indignado, D. Pedro I se envolve em mais uma disputa internacional: passa a financiar, com dinheiro brasileiro, tropas favoráveis a ele no combate pelo trono contra seu irmão. Essas atitudes aumentam as dívidas brasileiras e a insatisfação do povo.

Abalado pelas questões militares e pela crise econômica, D. Pedro I resolve abdicar do trono Brasileiro e, em 7 de abril de 1831, embarca de volta a Portugal. Deixa, contudo, seu filho de cinco anos D. Pedro de Alcântara. Até que ele atinja a maioridade o Brasil será governado por regências. Entramos no período regencial.

5. PERÍODO REGENCIAL

O período regencial, que se estendeu de 1831 a 1840, foi um período bastante conturbado: o governo regencial era disputado entre liberais e conservadores, ambos alternando-se no poder e procurando priorizar os seus interesses; os produtos de exportação nacionais perdiam espaço no mercado internacional frente a forte concorrência com produtos de outros países; a dependência de capital e de produtos manufaturados estrangeiros aumentava; rebeliões populares por melhores condições de vida surgiam por todo o país, sendo Cabanagem, Balaiada, Sabinada e Farroupilha as de maior destaque. Vejamos a interferência inglesa na questão da Cabanagem.

Na Cabanagem, ocorrida no Pará entre 1835 e 1840, a cidade de Belém foi tomada pelos revoltosos insatisfeitos com os privilégios das oligarquias locais e com as péssimas condições de vida que enfrentavam. Para debelar a revolta, o então regente Feijó pediu ajuda à Inglaterra, França e Portugal. Deu-lhes autorização para ocupar território brasileiro e matar os brasileiros que não se rendessem. França e Portugal negaram ajuda, mas a Inglaterra chegou a mandar três navios de guerra para a região. Felizmente a situação já estava sob controle quando os navios lá chegaram e os ingleses ainda não tinham interesse maior na região amazônica que estava à sua frente.

Nesse período começou a aparecer no vale do rio Paraíba do Sul um produto que viria a ser o principal de nossa pauta de exportações no futuro, o café. Baseada no latifúndio, monocultura e voltada para a exportação, as lavouras cafeeiras dependiam largamente da mão-de-obra escrava. Assim, o sistema escravista e o tráfico negreiro foram mantidos, apesar da pressão inglesa pelo seu fim. Não podemos esquecer que o segundo Tratado de Comércio e Navegação já havia determinado o fim do tráfico intercontinental de escravos a partir de 1830.

Nestes nove anos foram criados a Guarda Nacional, o Código de Processo Criminal, as Assembléias Legislativas Provinciais, o Município Neutro do Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Colégio de D. Pedro II, dentre outras inovações sociais e políticas.

A luta política entre conservadores e liberais era tão acirrada que estes últimos arquitetaram um plano para encurtar o mandato do regente Araújo Lima, conservador. Em 1840 eles criaram o Clube da Maioridade, que defendia a antecipação da maioridade de D. Pedro de Alcântara. Argumentando que a presença do Imperador no trono acabaria com as rebeliões provinciais, tranqüilizando a instabilidade social em que viviam, eles conseguiram convencer as elites políticas. Dessa forma, em julho de 1840, D. Pedro II foi coroado Imperador do Brasil. Esse episódio ficou conhecido como o “Golpe da Maioridade”. Inicia-se aqui o segundo reinado, o reinado de D. Pedro II.

6. SEGUNDO REINADO

De fato a presença de um imperador no trono trouxe fim às rebeliões provinciais e às disputas políticas pelo poder.

O segundo reinado foi marcado por um grande avanço econômico, que se baseou no crescimento da demanda de café no mercado internacional e na grande capacidade de produção deste artigo em território nacional. E foi justamente o fôlego dado pela lavoura cafeeira às finanças nacionais que deu origem ao confrontamento entre a manutenção da escravidão, assim como do tráfico negreiro, e as pressões inglesas pelo seu fim. Vejamos como foi o desenrolar dessa história.

Terminada a validade de quinze anos dos tratados de 1827, em 1844 o então Ministro da Fazendo Manuel Alves Branco vislumbrou uma maneira de solucionar o problema do déficit na balança de pagamentos do Brasil. Resultados dos acordos de 1810 e 1827, a indústria nacional não conseguia se desenvolver e o grande volume de importações faziam com que nossa balança comercial estivesse sempre desfavorável. Para resolver esse problema, o Ministro Alves Branco elaborou uma nova tarifa alfandegária para o Império. Foi chamada de Tarifa Alves Branco. Ela estabelecia que cerca de 3000 artigos importados passassem a ser taxados entre 20% e 60%, independente do país de quem se importava. Além de aumentar a receita pública, a Tarifa Alves Branco teve o efeito colateral de incentivar o crescimento da indústria nacional, que poderia produzir aqui o que antes tinha de ser importado.

Evidentemente que alguém sairia prejudicado nessa manobra, e esse alguém foi a Inglaterra. Antes gozando de uma tarifa de apenas 15% sobre seus produtos, agora teriam de pagar até 60% para conseguir entrar no mercado brasileiro. Em repúdio a essa decisão brasileira, foi assinada na Inglaterra a Lei “Bill Aberdeen”. Segundo esse ato, o Almirantado inglês tinha o direito de interceptar, apresar ou até mesmo afundar um navio que estivesse realizando o transporte de negros escravos, mesmo em águas brasileiras. Isso tornou o tráfico negreiro uma atividade muito arriscada e levou a um resultado inverso do esperado: o aumento do risco do negócio elevou o preço do escravo e o número de transações aumentou.

Temendo atitudes mais vigorosas do Governo inglês, o então Ministro da Justiça Eusébio de Queirós elaborou um projeto de lei e o enviou ao Parlamento, onde foi aprovado em 1850. Segundo a Lei Eusébio de Queiroz ficava terminantemente proibida a importação de mão-de-obra escrava. A lei foi amplamente criticada pelas elites agrárias, que dependiam da constante renovação de seus plantéis de escravos para dar continuidade à lucrativa atividade cafeeira. O Ministro da Justiça alegava, contudo, que a continuação do tráfico negreiro e o aumento do número de escravos no Brasil levaria a um desequilibro entre os seguimentos sociais: escravos e população livre, numericamente maiores, poderiam ameaçar a elite.

Duas conseqüências importantes relacionam-se ao fim do tráfico negreiro. A primeira delas foi a substituição da importação pelo tráfico interno de escravos. Ainda em grande quantidade na região Nordeste, agora já decadente, eles eram remanejados para o Centro-Sul, onde eram empregados nas lavouras de café. Paralelo a esse fluxo interno de escravos, surgiram redes interligando o Centro-Sul ao Nordeste, como antes surgiram as redes ligando o Rio de Janeiro às regiões das minas, no ciclo do ouro.

A outra conseqüência foi o início da chegada de imigrantes ao Brasil. Visto que o escravo era um artigo caro e difícil de se conseguir, os grandes produtores de café enxergaram nos imigrantes uma boa alternativa para substituição da mão-de-obra escrava. Oriundos principalmente da Alemanha e Itália, onde conflitos pela unificação de cada um desses países estavam acontecendo, essas pessoas vinham para o Brasil com a esperança de fazer aqui uma nova vida. Inicialmente trabalhando num sistema de parcerias, onde ficavam com apenas 1/3 do que era conseguido com a produção, esses imigrantes logo conseguiram adquirir suas próprias pequenas unidades produtoras. A partir daí surgirá um mercado interno, fruto das necessidades individuais desses produtores, e o medo de que a diversificação da produção venha a comprometer a arrecadação nacional (lembrar que o café é o principal produto de exportação do Brasil). Para evitar que essa situação se estenda foi criada a Lei das Terras, de 1850. Por meio dessa lei, visava-se dificultar o acesso à terra, determinando que, somente através da compra, alguém poderia tornar-se proprietário de terras.

< Continua>

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