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sábado, dezembro 21, 2024

Reprodução Assistida em Casais Soro-discordantes HIV

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) infecta pessoas de todas as idades. O fato da maioria das pessoas infectadas (86%) estar em idade reprodutiva (15-44 anos), e ainda que o vírus é mais prevalente atualmente em casais heterosexuais, alguns destes casais necessitarão de assistência para terem seus filhos, com diminuição importante de infectar o parceiro e seus filhos. Uma meta-análise demonstrou que o uso da terapia anti-retroviral altamente eficaz, a não amamentação, associados ou não ao parto cesáreo eletivo, diminuem significativamente a transmissão vertical do vírus para o feto.

Diante disto a Sociedade Norte-Americana (ASRM) e Européia (ESHRE) de Medicina Reprodutiva fizeram colocações éticas que devem ser seguidas.

Mulher HIV +

Se a mulher é HIV +, a inseminação intra-uterina eliminaria o potencial de transmissão do vírus ao parceiro. Uma gestante sem tratamento anti-retroviral tem uma taxa de transmissão do vírus para seu feto de 20-25%. Se zidovudina (AZT) for utilizada pela gestante, a partir da 14a semana de gestação, bem como pelo recém-nascido até 6 meses, o risco de transmissão materno-fetal cai para 5-8%. Atualmente, recomenda-se o uso de 3 drogas anti-retrovirais pela gestante, o que permite que quase a totalidade delas atinjam carga viral indetectável, o que significa supressão viral máxima, reduzindo o risco de transmissão vertical para menos de 1%.

Homen HIV +

Tecnologias hoje disponíveis permitem a separação de espermatozóides do vírus HIV em homens HIV positivo, para que reduza a carga viral na amostra seminal, e posterior uso destas para inseminação dos óvulos de suas parceiras HIV negativo com o objetivo de obter gravidez.

Estas tecnologias estão indicadas em casais HIV soro-discordantes, onde o homem está contaminado, e que através de uma tecnologia no processamento do sêmen é possível a separação de espermatozóides, sem a presença do vírus HIV na amostra. Este processamento seminal para retirada do HIV consiste em sucessivas “lavagens” dos espermatozóides.

Existem alguns critérios para que estes homens possam fazer parte deste programa: não ser azoospérmico, baixa carga viral, contagem CD4+ adequada, dentre outros.

Para certificarmos a ausência do vírus na referida amostra, após o processamento, parte da suspensão contendo os espermatozóides é analisada através da técnica de PCR (Reação em Cadeia pela Polimerase) e outra parte é criopreservada. Após o resultado negativo, no que concerne à presença do vírus, a mulher é submetida à indução da ovulação para obtenção de óvulos que serão combinados com aqueles espermatozóides outrora criopreservados que serão agora descongelados, através de técnicas de reprodução assistida (IIU – Inseminação Intra-Uterina, Inseminação Artificial; FIV – fertilização in vitro, bebê de proveta; ICSI – injeção intra-citoplasmática de espermatozóide).

Acompanhamento

O acompanhamento da mulher é feito através de testes para detecção de anticorpos para o HIV e antígeno p24 do HIV, que aparece no organismo 1 a 2 semanas após a exposição ao vírus. Estes testes devem ser realizados com freqüência após a transferência embrionária para o útero ou após a inseminação intra-uterina e também no recém-nascido.

Tratamento da infertilidade quando ambos parceiros são HIV +

Estes casais têm de ser informados do risco de transmissão para a prole. Se a carga viral puder ser suprimida a níveis indetectáveis na gestante, o casal poderá ter um filho sem HIV. A terapia anti-retroviral atual que consiste em administrar ao paciente, pelo menos, 3 drogas, está permitindo transformar a infecção pelo HIV numa doença crônica, com expectativa de sobrevida com boa qualidade de vida por muitas décadas. Por outro lado, como tal terapia se tornou disponível há cerca de 10 anos, não é possível precisar quão duradoura ela será. Os dados atuais demonstram que, pelo menos 80% dos pacientes que são aderentes à terapia, apresentam boa resposta clínica, imunológica e virológica.

Considerações éticas

O risco da transmissão do HIV para a descendência pode ser diminuído enormemente, mas não eliminado. O risco levanta questões éticas no âmbito da liberdade de reproduzir, o que pode ser considerado danoso o suficiente para restringir esta liberdade, gerando assim, conflito entre dois princípios éticos: respeito pela autonomia do paciente em decidir sobre sua reprodução e o principio da beneficência que é expresso na preocupação com o bem-estar da criança. Em situações onde uma criança poderá nascer com uma doença grave, poderá ser argumentado que profissionais não estariam agindo sem ética, caso procedam com técnicas em reprodução assistida envolvidas em cuidados necessários para prevenir a transmissão desta doença para criança e para o outro parceiro. No entanto, não será eticamente aceitável, se fizer o tratamento com falta de recursos clínicos e laboratoriais necessários para cuidados efetivos para estes casais que desejam ter seus filhos.

As considerações éticas aqui abordadas são similares em alguns aspectos àquelas em casais que sabem que são portadores de doença autossômica recessiva, como anemia falciforme, fibrose cística ou doença de Tay-Sachs. Estes casais podem optar por correr o risco de terem seus filhos acometidos por estas doenças. Nestes casos, o risco de transmissão da doença é de 25% e não pode ser reduzido. Já o risco de transmissão do HIV pode ser reduzido para até mesmo menos de 1%. E ainda, este risco é menor, quando comparado com anormalidades cromossômicas em pacientes mais velhas e gestação múltipla, por exemplo.

Considerações finais

A infecção pelo HIV é atualmente classificada como uma doença crônica e tratável, mas ainda não é curável. O potencial para pessoas HIV+ terem filhos não infectados e não transmitir o vírus para seus parceiros foi aumentado substancialmente, mas o sucesso não pode ser totalmente garantido. É recomendado uma equipe multidisciplinar para a abordagem destes casais: especialistas em medicina reprodutiva, infectologistas, obstetras, embriologistas, psicólogas e enfermeiras.

As opções para os casais que não queiram se submeter a estas técnicas seriam: adotar uma criança, usar o banco de sêmen de doador ou então não terem filhos. Esta abordagem deve sempre ser colocada aos casais, previamente ao tratamento.

Referência:

Implicações éticas quanto às técnicas de reprodução assistida em casais sorodiscordantes para HIV, onde a mulher é soronegativa e o homem é soropositivo. Arq Cons Reg Méd do PR, 21 (82): 74-76, 2004.

Autores:
Alessandro Schuffner (e-mail: [email protected])
Research Fellowship no Jones Institute for Reproductive Medicine, Norfolk, EUA. Integrante da Comissão de Endocrinologia Reprodutiva da Soc. Brasileira de Reprodução Humana – SBRH Integrante do Comitê de Reproduçao Humana da Soc. Ginecologia e Obstetrícia do Paraná – SOGIPA

Clóvis Arns da Cunha – Infectologista (e-mail: [email protected])

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