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quarta-feira, novembro 20, 2024

RESERVAS EXTRATIVISTAS

RESERVAS EXTRATIVISTAS

A defesa do extrativismo na Amazônia: as Reservas Extrativistas
Os governos dos estados da Região Norte, a partir de 1960, desenvolveram ações a fim de atrair empresários do Centro-Sul do pais que viessem implantar empreendimentos na área rural. No Acre, nos municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Plácido de Castro, Senador Guiomard, Xapuri e Brasiléia, muitos seringais foram transformados em pastos para gado, ou abandonados. Por outro lado, consideráveis glebas de terra onde moravam seringueiros foram adquiridas pelo Governo Federal para loteamentos de Reforma Agrária.

Para poder concretizar estas transformações, muitos seringueiros foram expulsos com violência das suas moradias e saíram à procura de novas áreas. Assim eles ocuparam seringais abandonados ou glebas do governo. Estes seringueiros ficaram sem patrão e deram origem ao “SERINGUEIRO AUTÔNOMO”, entendido como tal, aquele que não tem um patrão fixo ao qual seja obrigado a entregar a produção por ser o dono da terra.

Esta autonomia faz referência ao antigo seringalista, pois o seringueiro continua dependendo dos comerciantes para o abastecimento e comercialização da produção. É uma autonomia muito relativa, porém importante porque, do ponto de vista social, permite-lhe a tomada livre de decisões e é o começo para a conquista de uma autonomia mais ampla.

Foram os seringueiros autônomos de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia os primeiros a saírem em defesa do extrativismo, organizando-se desde 1976, para impedir novos desmatamentos de áreas extrativas; estes movimentos foram chamados de “EMPATES” e se estenderam a outras regiões do Acre e mesmo a outros estados (Amazonas e Pará).

Os conflitos entre fazendeiros e seringueiros chamaram a atenção da opinião pública, especialmente depois da morte do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia, Wilson de Souza Pinheiro, em 1978. Estes mesmos conflitos posteriormente foram a causa do assassinato, por fazendeiros, do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, Chico Mendes, em 1988.

O Governo Federal começou a refletir sobre a possibilidade de defender o extrativismo, a partir de 1982, quando, no Acre, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, e a Superintendência da Borracha, SUDHEVEA, se encontraram frente ao impasse causado pelos projetos de colonização, chamados de Assentamentos Dirigidos, pois os retângulos criados pelo INCRA para assentar colonos desestruturavam o esforço que a SUDHEVEA fazia para aumentar a produção de borracha dos extrativistas, uma vez que o retângulo cortava e desmembrava a “colocação”, unidade de produção do seringueiro, formada pela dispersão natural e sinuosa das espécies vegetais. Esta situação deu origem a sérios conflitos entre os vizinhos.

Com a participação dos extrativistas e das lideranças sindicais de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia foi possível chegar ao consenso de que o mais importante não era ter um título de propriedade individual de uma parcela, mas conservar a capacidade produtiva da floresta e, portanto, não era necessário cortar a terra em pedaços simétricos e retangulares, mas, talvez, encontrar uma forma de assegurar a permanência das famílias nas suas “colocações” exercendo a atividade extrativista. As duas instituições propuseram como solução a “Concessão Real de Uso” do seringal aos seus moradores. Para iniciar, foram propostos, a título de experiência, os projetos Boa Esperança em Sena Madureira e Santa Quitéria em Brasiléia. Infelizmente, por falta de continuidade administrativa nas duas instituições, a proposta não vingou. Houve isso sim, um ponto positivo: foram paralisados os assentamentos tradicionais nos dois projetos e assim muitos seringueiros continuaram nas suas colocações.

O aspecto mais importante a analisar durante esta recente evolução histórica do extrativismo é que a prática dos “EMPATES” impetitivos dos desmatamentos, serviram de substrato para o amadurecimento político e social dos extrativistas, na medida em que o “EMPATE” exigia organização e coesão. Estas duas forças foram encontradas mediante o fortalecimento do sindicalismo em cujo seio, e diante da necessidade de manter a união, foi aceito e amadureceu o princípio da “concessão de uso coletiva”. É preciso reconhecer que em 1980, influenciados, talvez, pelo processo de parcelamento da terra promovido pelo Governo, os extrativistas desejavam ter lotes individuais. Até hoje há uma minoria que não assimila bem a ideia de não ter um título de propriedade individual de uma parcela.

Em 1985, os seringueiros reunidos em Brasília no seu Primeiro Encontro Nacional, solicitaram que se acabasse com a colonização dos seringais e que estes lhes fossem dados em concessão, para que assim pudesse ser mantido o extrativismo. Este pedido visava também solucionar a questão fundiária e proteger a floresta contra as ameaças do desmatamentos, para implantar a exploração pecuária.

Este Encontro de Seringueiros é o marco histórico para a oficialização do pedido da criação de “Reservas Extrativistas”. Nesta ocasião, a ideia foi amplamente debatida e assimilada pelos participantes, que provinham de diferentes regiões, especialmente da Amazônia.

É importante ainda salientar que em 1985, no Brasil estava sendo lançado o Plano Nacional de Reforma Agrária e todas as atenções da sociedade estavam voltadas para este tema. A proposta de criação das Reservas Extrativistas, apareceu então, como a “Reforma Agrária” para os extrativistas, na medida em que a sua criação deveria ser uma forma de legitimar a posse, e de reconhecer os direitos à terra daqueles que nela trabalhavam e viviam há muitos anos. Conclui-se, portanto, que as Reservas Extrativistas, historicamente foram uma proposta, no espírito da Reforma Agrária, isto é, para que a terra cumpra a sua função social.

O segundo grande objetivo das Reservas Extrativistas, a defesa do meio ambiente, estava implícito no primeiro, uma vez que a conquista da terra objetivava manter o extrativismo, e a manutenção do mesmo exigia o respeito à floresta e aos seus recursos.

A partir do primeiro encontro de seringueiros, o INCRA passou de novo a se preocupar com o problema. Propôs então como solução através da Portaria N° 627, de 30 de julho de 1987, a criação do Projeto de Assentamento Extrativista – PAE, “destinado à exploração de áreas dotadas de seringais extrativos através de atividades economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, a serem executadas pelas populações que ocupam ou venham a ocupar as mencionadas áreas”. A Portaria estabelecia que a destinação da área fosse “mediante concessão de uso em regime comunal, segundo a forma decidida pela comunidade concessionária – associativa, condominial ou cooperativista”.

Este ato oficial do INCRA significava a incorporação das Reservas Extrativistas (sob o nome de Projetos de Assentamentos Extrativistas – PAE), ao Plano Nacional de Reforma Agrária. Até abril de 1994 foram criados 10 projetos de assentamento extrativista, 5 no Acre, 3 no Amapá e dois no Amazonas, totalizando 889.548 ha. Apenas 3 deles, no Acre, receberam apoio para sua implantação.

Os movimentos sociais participaram desde o início na luta pela defesa do extrativismo e pela procura de soluções, inicialmente para a questão fundiária. Aos poucos as reivindicações foram canalizadas através do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), criado em 1985. Diante do imobilismo dos Projetos de Assentamento Extrativista e diante da pressão social, a nível nacional e internacional pela preservação das florestas, o CNS além de continuar insistindo na criação de Reservas Extrativistas como forma de fazer Reforma Agrária para os extrativistas, passou a defender as reservas como “espaços territoriais destinados à utilização sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis”. Esta foi uma nova conquista, pois os extrativistas passaram a melhor entender e defender o cunho ecológico da proposta. Pode-se afirmar que a “praxis” passou a ser teorizada pelas próprias bases.

O Governo Federal também avançou, mediante a legitimação da Reserva Extrativista no âmbito da política nacional do meio ambiente, possibilitando sua criação a partir da Lei N° 7.804, de 18 de julho de 1989, e regulamentando-a através do Decreto N° 98.897, de 30 de janeiro de 1990. Segundo esta legislação a instituição responsável pelas reservas é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais IBAMA. Segundo a Portaria N° 22-N, de 10 de fevereiro de 1992 do IBAMA, o órgão gestor das questões relativas às reservas é o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT.

Até Setembro de 2000 foram criadas 15 (quinze) Reservas Extrativistas.

Conceituação oficial das reservas extrativistas

Oficialmente, conforme o Decreto N° 98.897, é a seguinte a conceituação de Reservas Extrativistas:

Art. 1°. As Reservas Extrativistas são espaços territoriais destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista.

Art. 2°. O Poder Executivo criará Reservas Extrativistas em espaços territoriais considerados de interesse ecológico e social.

Parágrafo Único – São espaços territoriais considerados de interesse ecológico e social as áreas que possuam características naturais ou exemplares da biota que possibilitam a sua exploração auto-sustentável, sem prejuízo da conservação ambiental.

Art. 3°. Do ato de criação constarão os limites geográficos, a população destinatária e as medidas a serem tomadas pelo Poder Executivo para sua implantação, ficando a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, as desapropriações que se fizerem necessárias.

Art. 4°. A exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais será regulada por Contrato de Concessão Real de Uso, na forma do artigo 7° do Decreto-lei N° 271, de 28 de fevereiro de 1967.

Inciso primeiro – O direito real de uso será concedido a título gratuito.

Inciso segundo – O contrato de concessão incluirá o plano de utilização aprovado pelo IBAMA e conterá cláusula de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão “inter vivos”.

Art. 5°. Caberá ao IBAMA supervisionar as áreas extrativistas e acompanhar o cumprimento das condições estipuladas no contrato de que trata o artigo anterior.

É fácil deduzir que segundo o Decreto, as Reservas Extrativistas não podem ser modelo de desenvolvimento para todo o Brasil. Elas são válidas, apenas, para algumas regiões onde houver as condições constantes no Decreto

1. Existência de recursos naturais renováveis e de populações extrativistas.

2. Espaços territoriais considerados de interesse ecológico e social.

3. Garantia de auto-sustentabilidade mediante a aprovação, pelo IBAMA, de um plano de utilização.

A realidade das reservas até agora criadas, o debate com os moradores das mesmas, a análise das atividades econômicas por eles praticadas, junto com as propostas e anseios por eles manifestados, tem alimentado a evolução dos conceitos, consolidando os seguintes princípios de entendimento sobre as reservas:

•O extrativismo não é a única atividade econômica da Reserva, embora atualmente seja sua base de sustentação;
•A melhoria das condições de vida dos moradores deve ser buscada através do incremento e melhoria das atividades extrativistas e agro-pastoris praticadas e através da introdução de novas atividades que não causem impacto ambiental;
•entre as ações a incrementar, citam-se:
– aumentar a produção e a produtividade dos produtos florestais existentes;

– melhorar o sistema de comercialização;

– agregar valor aos produtos, incentivando o processamento local;

•incrementar atividades agro-pastorais, aproveitando os roçados já existentes.
•a base da mudança a realizar deve ser o associativismo, capaz de fazer a gestão da Reserva de forma co-participativa;
•o associativismo deve encontrar as fórmulas para conquistar a independência no abastecimento e na comercialização.
Evolução conceitual do extrativismo
Até início do século XIX, com relação ao extrativismo, o mundo era dominado pelas ideias dos naturalistas, embalados pelo sucesso da Botânica, da Zoologia, das descobertas científicas e das grandes expedições à África, Ásia e América Latina. Falava-se então muito da “mãe natureza” e das imensuráveis riquezas nela contidas.

Com o advento da Revolução Industrial e especialmente através da influência do materialismo histórico de Marx, que fazia tudo depender da ordem econômica, motor de todos os acontecimentos, as riquezas naturais passaram a chamar-se de “matérias primas”, indispensáveis para saciar a fome louca de transformá-las em novos produtos e assim satisfazer as ambições de consumo e exportação.

Naquela época as matérias primas eram tidas como inesgotáveis e seu consumo como controlável pela ação do homem.

Um século depois, com o avanço da tecnologia, o crescimento populacional e a utilização excessiva das “matérias primas”, o homem começou a mudar seus conceitos sobre o extrativismo. A primeira constatação foi que os recursos naturais não são inesgotáveis, que é preciso reproduzi-los para que permaneçam e mesmo cheguem a outras gerações. Assim surgiu a ideia de sustentabilidade e de que se deve praticar um desenvolvimento sustentável. O extrativismo foi enquadrado neste novo conceito.

No caso concreto do Brasil, onde a defesa dos recursos naturais extrativos surgiu da luta dos extrativistas pela terra, o objetivo a conquistar não foi apenas um desenvolvimento sustentável, mas, “SOCIALMENTE JUSTO”. A Reserva Extrativista deve conservar esta característica de concretização da justiça, mediante a atribuição da terra a aqueles que secularmente ali habitam e a defendem.

A evolução conceitual do extrativismo no Brasil, mediante a participação direta dos extrativistas, chegou a este avanço importante, consolidando a Reserva Extrativista não apenas como uma conquista ecológica, mas especialmente como uma conquista social.

Podemos considerar as Reservas Extrativistas como uma das metas alcançadas, dentro da evolução histórica do extrativismo, uma vez que elas sintetizam vários ideais perseguidos pela sociedade contemporânea:

•Equilíbrio entre desenvolvimento, conservação do meio ambiente e justiça social;
•Participação da sociedade como agente e não como objeto do processo. As reservas são auto-geridas pelos moradores;
•Resgate e aperfeiçoamento do saber popular, pois o plano de utilização das Reservas tem como base a experiência e sabedoria dos moradores que durante muitos anos ali convivem harmonicamente com a natureza;
•Diminuição dos custos de proteção das florestas, uma vez que os moradores se constituem em seus defensores.
Dentro deste quadro de evolução do extrativismo, a criação das Reservas Extrativistas é apenas uma etapa. E preciso continuar evoluindo, implementando as Reservas para que seus resultados sejam positivos. Entre as medidas mais urgentes podem ser citadas:

•Fortalecimento das organizações locais, especialmente através da capacitação dos recursos humanos;
•Fornecimento de condições materiais e ferramentas para a implementação do gerenciamento cooperativo dos recursos e da atividade extrativa.
•Distribuição do poder sobre os recursos naturais (Concessão de Uso e Planos de Utilização);
•Libertação dos laços de dependência dos intermediários (abastecimento de bens, insumos e comercialização da produção);
•Acréscimo de valor aos produtos extraídos (beneficiamento ou pré-industrialização);
•Diversificação das atividades econômicas.

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