A presente monografia versa sobre a responsabilidade civil ambiental, tanto no que se refere às pessoas de Direito Público, quando do Direito Privado. No ordenamento pátrio há uma vasta legislação dedicada à proteção ao meio ambiente, produzidas por todos os níveis do Governo, assim como é ampla e diversificada a jurisprudência referente a essa questão. No entanto, o que se observa é que há necessidade de uma atuação mais eficaz e decisiva por parte dos órgãos regulamentadores no plano administrativo, no sentido de agir com mais rigor em relação aos agentes degradadores do meio ambiente. Diante de tal falha, resta aos prejudicados buscar o conhecimento e a aplicação dos mecanismos disponíveis para se fazer justiça. Eis o objetivo da pesquisa que se apresenta: fomentar discussões acerca de tema tão importante e que necessita de aperfeiçoamento e de instrumentos eficazes para a proteção maior do meio ambiente e fortalecer o estudo do Direito Ambiental, que visa compatibilizar a proteção do meio ecológico com o desenvolvimento econômico.
Palavras-chave: responsabilidade civil ambiental, dano ambiental.
INTRODUÇÃO
Reza a Constituição Federal, em seu art. 225, que é direito de todos viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo também dever de todos e do Estado defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.
Não quis o legislador barrar o progresso ou impedir o desenvolvimento das forças humanas, mas sim, conscientizar as pessoas de que é possível e absolutamente necessário aprender a explorar os recursos naturais de forma a causar o menor impacto possível à natureza.
A própria Constituição reconhece a importância da atividade econômica da mineração, por exemplo, mas para tanto, há que se atentar para o manejo de tal atividade, no sentido de evitar causar danos a terceiros e, claro, ao meio ambiente, que sempre sofre com as ações humanas.
Pode-se, então afirmar, que o Direito Ambiental trata da compatibilização da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, sendo, essencialmente, um direito de compromissos entre interesses contraditórios, e em função disso, só pode ser resguardado mediante a aplicação do princípio do equilíbrio, ou seja, diante de determinada medida deve-se considerar se a mesma será mesmo útil à comunidade e se não importará em danos excessivos ao meio ecológico e, por via de conseqüência, à própria vida humana.
Quando alguém – pessoa física ou jurídica – provoca um dano ao meio ambiente, tem obrigação de repará-lo, tanto na esfera civil, como na administrativa e penal, dependendo do prejuízo e das circunstâncias que derem causa ao gravame. Esse dever de reparar decorre da ação lesiva praticada pela fonte poluidora ou degradadora, sendo necessário estabelecer a causa e o efeito entre o comportamento do agente e o dano dele advindo.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente se pauta na teoria da responsabilidade civil objetiva, de forma que pouco importa se a conduta do agente causador do dano é ou não lícita, pois se considera que, mesmo desenvolvendo atividade lícita, aquele que gerar perigo ao meio ambiente deve responder pelo risco de sua atividade, tendo ou não culpa pelo dano que causar. A responsabilidade objetiva visa à socialização do lucro e do dano e estimula a proteção ao meio-ambiente.
A presente monografia tem por escopo dissertar sobre a responsabilidade civil ambiental. É de suma importância que haja responsabilização pelo dano causado pelo meio ambiente, haja vista que qualquer lesão à natureza é de difícil reparação. O dano ao meio ambiente representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de interesse da coletividade, garantido constitucionalmente para o uso comum do povo e para contribuir com a qualidade de vida das pessoas.
Conforme será explicado, tais danos poderão ser tutelados por diversos instrumentos jurídicos, com destaque para a ação civil pública, ação popular e mandado de segurança coletivo. Dentre estes, a ação civil pública ambiental tem sido a ferramenta processual mais adequada para apuração da responsabilidade civil ambiental.
A metodologia utilizada é de cunho bibliográfico, por se basear em estudos especializados e expostos em obras doutrinárias e artigos publicados em meio eletrônico e impresso.
A pesquisa apresenta-se estruturada em três capítulos distintos, sendo que o primeiro deles versa sobre as noções preliminares sobre o Direito Ambiental e seus princípios, visando melhor entendimento sobre o tema; o segundo capítulo versa sobre a legislação ambiental brasileira; e o terceiro, sobre a responsabilidade civil por danos ambientais, destacando os tipos de danos e suas conseqüências para o meio ambiente e a vida, os crimes ambientais e as legislações pertinentes, além de discutir sobre a responsabilidade civil do Estado perante os particulares, e de particulares entre si.
1 DIREITO AMBIENTAL: NOÇÕES PRELIMINARES
1.1 ABORDAGEM GERAL
A questão ambiental é assunto de grande relevância e assume dimensão transfronteiriça e geral. A preocupação com o meio ambiente é bem antiga, e abrange, além de sua conservação, a coordenação e racionalização da extração e uso dos recursos naturais, visando preservar o futuro do planeta e das próximas gerações.
O meio ambiente é res onmium, ou seja, é coisa de todos, de forma que todo o ser humano deve lutar pela sua preservação para garantir a continuidade do homem na Terra.
Nesse sentido, Machado (2004, p. 108), salienta: “O direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada”. Afirma ainda esse autor que o uso do pronome indefinido “todos”, alarga a abrangência da norma jurídica, visto que, “não particularizando quem tem direito ao meio ambiente, evita que se exclua quem quer que seja”.
Como é sabido, a expressão “meio ambiente” é bastante controvertida, pelo fato das duas palavras serem sinônimas (“meio” indica o que está no centro de alguma coisa, e “ambiente”, o lugar onde habitam os seres vivos). Contudo, chegou-se ao entendimento de que a redundância tem a finalidade de enfatizar o tema.
Silva (1995, p. 2) conceitua “meio ambiente”, como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.
O conceito de meio ambiente abrange desde o meio ambiente natural (composto pelo solo, pela água, pelo ar, pela fauna e pela flora), até o meio ambiente urbanificado, inclusive o patrimônio cultural, como meio físico e memória social e antropológica do homem. A doutrina também faz referência ao meio ambiente do trabalho, que abarca, além do conjunto de bens de uma empresa, as questões referentes à saúde e integridade física dos trabalhadores ali inseridos.
Pode-se afirmar, então, que o meio ambiente constitui patrimônio público e deve ser assegurado e protegido pelas instituições estatais e pelos organismos sociais, tanto por parte do Poder Público quanto pela coletividade em geral, sempre em benefício das presentes e futuras gerações.
Note-se que o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa da titularidade coletiva, e reflete dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, sendo, portanto, um poder atribuído a toda a coletividade. Respeitar o direito subjetivo ao ambiente ecologicamente equilibrado é ponto de partida para despertar a consciência de todos, de modo que a questão ambiental seja tratada com a seriedade e relevância que possui.
Dentro deste contexto surge o Direito Ambiental, que representa, como bem explica Mukai (1992, p. 10), “um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do Direito reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao meio ambiente”.
Trata-se, pois, de um ramo do Direito Público, que cria e regulamenta obrigações entre o Estado e o particular, no intuito de proteger o meio ambiente.
1.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL: NOÇÕES PRELIMINARES
Os princípios que norteiam o Direito Ambiental visam à proteção da vida, em quaisquer formas, no intuito de garantir um padrão de vida digno para a geração presente e para as que estão por vir. Esses princípios constituem os alicerces que orientam o Direito Ambiental e servem de base para melhor compreensão do tema da presente monografia.
Vários doutrinadores se propuseram a definir as espécies normativas; contudo, por não ser esse o foco do presente estudo, limitamo-nos a tecer breves considerações sobre princípios.
Segundo os estudos de Ávila (2004, p. 27), princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Muitos autores distinguem princípios de regras, sendo os princípios pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente e possível, mas que ainda não são regras suscetíveis de aplicação, por lhes faltar o caráter formal de proposições jurídicas.
Dworkin apontaria como distinção entre princípios e regras o fato de que estas, são aplicadas ao modo “tudo ou nada”, de modo que se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida; em caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada válida. Já os princípios não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos que devem ser conjugados com outros provenientes de outros princípios; eles possuem uma dimensão de peso, e no caso de colisão entre princípios, o que tiver peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade (Taking tights seriouslu, 6ª tir., p. 26, apud ÁVILA, 2004, p. 28).
1.2.1 Princípio da precaução
É também conhecido como “princípio da prudência” ou “da cautela”, e consiste, segundo Antunes (2002, p. 34), do princípio que estabelece que não se deve produzir intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de estas não prejudiquem o mesmo.
Percebe-se que a aplicação deste princípio é bastante complicada, por ser igualmente complexa a relação entre progresso científico, inovação tecnológica e risco.
Machado (2004, p. 56) assinala que a implementação do princípio da precaução
Não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata de precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.
Tal princípio encontra-se inserido na Declaração da ECO-92 – Princípio n. 15, oriundo da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento –, que assim propaga:
Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério de precaução conforme as suas capacidades. Quando haja perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes em função do custo para impedir a degradação do meio ambiente.
É mister se fazer um Estudo de Impacto Ambiental, como medida prévia para avaliar os efeitos da eventual implantação de determinado projeto ambiental. Daí porque se diz que tal princípio encerra um dever para com o meio ambiente quando for implantar qualquer empreendimento econômico, no futuro.
Eis algumas decisões pautadas no princípio em tela:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONCESSÃO DE LIMINAR – ALEGADO ESGOTAMENTO DO OBJETO DA AÇÃO – INOCORRÊNCIA – PROVA PERICIAL DEFERIDA – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO PODER PÚBLICO – DESNECESSIDADE – SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA – PRELIMINARES REJEITADAS. Não há falar em esgotamento do objeto da demanda quando o Magistrado defere liminar em ação civil pública determinando a suspensão de atividade econômica suspeita de causar danos ao meio ambiente, sobretudo quando a medida judicial de urgência apenas objetivou a prevenção do direito material tutelado, qual seja, a preservação de determinado ecossistema até que a instrução da lide conclua se a atividade é ou não causadora de dano ambiental, dependendo, para tanto, de prova pericial. Consoante a jurisprudência hodierna, pode o Magistrado, diante do caso concreto, desde que presentes os requisitos legais (fumus boni juris e periculum in mora), e verificando tratar-se o caso de extrema urgência, deferir liminar em ação civil pública tendente a impedir a ocorrência de dano ambiental, independentemente da oitiva do Poder Público. DIREITO AMBIENTAL – EXTRAÇÃO E BENEFICIAMENTO DE GRANITO – ATIVIDADE PRATICADA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO E AS LICENÇAS AMBIENTAIS – ALEGADA ATIVIDADE ECONÔMICA DE RISCO AMBIENTAL AO SISTEMA HÍDRICO NA REGIÃO POR OUTRAS EMPRESAS – PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – INTERESSE COLETIVO – EXEGESE DO ART. 225 DA CF – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA – RECURSO DESPROVIDO. A prevenção de dano ao meio ambiente, com o fim de proteger o interesse coletivo, pois a reparação, caso ocorra dano ambiental, afigura-se incerta, onerosa e muitas vezes irreversível, justifica o deferimento de liminar tendente a obstar, ainda que de forma provisória, a continuidade de atividade econômica suspeita de causar dano a um determinado ecossistema. A existência de outras irregularidades porventura verificadas contra o meio ambiente por outras empresas, não afasta a ilicitude e não confere direitos; os abusos e as violações das leis devem ser coibidas e nunca imitadas (non exemplis sed legibus est judicandum), pois todos são iguais perante a lei para cumpri-la e não para descumpri-la. Com base nos princípios da “precaução” e da “prevenção”, as autoridades devem tomar medidas preventivas sempre que existirem motivos razoáveis de preocupação com a saúde pública e a manutenção do ecossistema equilibrado, ensejando, pois, a paralisação imediata de qualquer atividade econômica tendente a degradar o meio ambiente sadio. Acórdão: Agravo de Instrumento 2004.021074-4. Relator: Des. Rui Fortes. Data da Decisão: 15/02/2005 (TJ-SC, 2005).
EMENTA: AÇÃO CAUTELAR EM MATÉRIA AMBIENTAL – LIMINAR CONCEDIDA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – LICENÇA E AUTORIZAÇÃO DE CORTE EXPEDIDOS EM DESACORDO COM O RELATÓRIO DE VISTORIA. O art. 225 da CRFB prevê que o Poder Público, com o fito de garantir um meio ambiente equilibrado, pode exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente ensejadora de significativa lesão ao meio ambiente, estudo prévio de impacto. No caso em tela, a licença e autorização de corte obtidos pela agravante se encontram em frontal oposição ao relatório de impacto ambiental efetuado in loco, uma vez que naquele documento consta expressamente à proibitiva de supressão de árvores, florestas ou qualquer forma de vegetação de Mata Atlântica, bem como de conjunto de plantas em estágio de regeneração médio ou elevado, vedações estas, contidas na Lei n. 4774/65, Decreto n. 750/93 e resolução CONAMA n. 237/97. Destarte, não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que não levaram em conta a realidade, continuar a explorar e suprimir a vegetação da área, pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental – EIA. AMBIENTAL – PROTEÇÃO ANTECIPADA – CONTROLE DO RISCO DE DANO – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO. Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente. Acórdão: Agravo de instrumento 04.002441-0. Relator: Des. Volnei Carlin. Data da Decisão: 27/05/2004. (TJ-SC, 2005).
1.2.2 Princípio da prevenção
Trata-se de um dos mais relevantes princípios do Direito Ambiental, haja vista que, a prevenção, no que se refere aos danos ambientais, na maioria das vezes são eles irreversíveis ou irreparáveis, sendo de vital importância à tomada de medidas preventivas para evitar, a todo custo, a ocorrência de tais danos.
Aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e com um histórico de informações sobre eles. Conforme leciona Antunes (2002, p. 36),
É o princípio da prevenção que informa tanto o licenciamento ambiental como os próprios estudos de impacto ambiental. Tanto um como o outro são realizados sobre a base de conhecimento já adquiridos sobre uma determinada intervenção no ambiente. O licenciamento ambiental age de forma a prevenir os danos que uma determinada atividade causaria ao ambiente, caso não tivesse sido submetida ao licenciamento ambiental.
Seguem alguns julgados:
EMENTA: TJRN – MEIO AMBIENTE – Dano ambiental – Ausência de licenciamento obrigatório – Liminar que suspende as atividades poluidoras da indústria – Imposição do princípio da prevenção para evitar o agravamento dos danos já causados e dos que poderão advir. (RT 806/322). (Site Revista dos Tribunais, 2005).
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 011/02 – DISPOSIÇÃO SOBRE O ZONEAMENTO E USO DO SOLO DO MUNICÍPIO DE ITAPEMA – MEDIDA LIMINAR – FUMUS BONI JURIS – PERICULUM IN MORA – PRESSUPOSTOS CARACTERIZADOS. A argumentação fática e jurídica apresentada nos autos forneceu a plausibilidade necessária para a concessão da medida liminar, estando o fumus boni juris evidenciado pela suspensão da eficácia da Lei Complementar Municipal n. 011/02 e, ainda, pela proteção constitucional reservada aos consumidores, à organização urbanística e ao meio-ambiente, e no concernente a este por meio da aplicação dos princípios da prevenção e precaução, e o periculum in mora pelo alto risco de lesões que poderiam atingir, caso as obras prosseguissem durante o trâmite processual, os bens que se intenta tutelar, principalmente, por se tratar de matérias que demandam atuação preventiva, eis que nem sempre possível a adequada reparação. Acórdão: Agravo de instrumento 03.012872-7. Relator: Des. Volnei Carlin. Data da Decisão: 14/06/2004. (TJ-SC, 2005).
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 011/02 – DISPOSIÇÃO SOBRE O ZONEAMENTO E USO DO SOLO DO MUNICÍPIO DE ITAPEMA – PRELIMINARES – NULIDADE DO DECISUM – CONCESSÃO DE LIMINAR – PRÉVIA AUSIÊNCIA DO REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA – ART. 2º DA LEI N. 8.437/92 – RESTRIÇÃO QUE DEVE CEDER EM RAZAO DA URGÊNCIA – CONSUMIDORES, MEIO AMBIENTE E PLANEJAMENTO URBANÍSTICO – ENFOQUE NA PREVENÇÃO DO DANO. Não há que se falar em violação ao disposto no art. 2 da Lei n. 8.437/92, quando a concessão da medida liminar mostrar-se extremamente urgente e os bens ameaçados de violação forem de difícil reparação, o que é exatamente o caso dos autos, já que persistia o andamento das edificações, inobstante a declaração liminar de inconstitucionalidade da norma que as havia autorizado, representando cada dia, novas agressões à coletividade, tanto no que concerne aos consumidores, quanto ao meio-ambiente e ao planejamento urbanístico, situações em que se deve focar a prevenção ao dano, eis que nem sempre possível a adequada reparação. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CARÊNCIA DE AÇÃO -CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. Além de já consolidado o entendimento acerca da possibilidade do controle de constitucionalidade incidental nos autos de ação civil pública, desde que vise atingir situações concretas, sem a intenção de se exercer o controle abstrato da norma, in casu, a Lei Complementar Municipal n. 011/2002 está sendo submetida a controle concentrado (ADIn n. 2002.012052-4), o que não impede o controle dos efeitos concretos da citada lei por meio de tutela coletiva, bem como, não impossibilita o exame da constitucionalidade por meio do controle difuso. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ILEGITIMIDADE ATIVA. Cumpre destacar que o objeto da ação direta de inconstitucionalidade não se confunde com o da ação civil pública, visando, a primeira o controle concentrado e abstrato da norma e esta a proteção concreta da coletividade, logo, a questão de eventual ilegitimidade ativa ad causam na ação não impediria a deflagração de ação civil pública, e igualmente, por si só, não seria suficiente para impedir a concessão da medida liminar, eis que o fumus boni juris muito mais do que na declaração liminar da inconstitucionalidade da referida lei, está na proteção constitucional dos interesses ora protegidos. De qualquer forma, esta questão já foi resolvida, quando, em 04/12/2002, o Órgão Especial rejeitou, no julgamento liminar da ADIn n. 2002.012052-4, a preliminar de ilegitimidade ativa do representante do Ministério Público, haja vista que decorrente de expressa disposição da Constituição do Estado (art. 85, VII). INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 25 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO – QUESTÃO NÃO PREJUDICIAL AO EXAME DA ADEQUAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA. Não tendo sido a análise da constitucionalidade do art. 25 do ADCT, da Constituição discutida até este momento no processo e não sendo questão prejudicial ao exame da adequação da liminar concedida, incabível esta discussão em sede de agravo de instrumento que possui tão-somente a finalidade de reexaminar a decisão interlocutória hostilizada. MEDIDA LIMINAR – FUMUS BONI JURIS – PERICULUM IN MORA – PRESSUPOSTOS CARACTERIZADOS. A argumentação fática e jurídica apresentada nos autos forneceu a plausibilidade necessária para a concessão da medida liminar, estando o fumus boni juris evidenciado pela suspensão da eficácia da Lei Complementar Municipal n. 011/02 e, ainda, pela proteção constitucional reservada aos consumidores, à organização urbanística e ao meio-ambiente, e no concernente a este por meio da aplicação dos princípios da prevenção e precaução, e o periculum in mora pelo alto risco de lesões aos bens que se intenta tutelar, caso as prosseguissem durante o trâmite processual.
Acórdão: Agravo de instrumento 03.012312-1. Relator: Des. Volnei Carlin. Data da Decisão: 27/05/2004 (tj-sc, 2005).
Conforme se observa nas decisões supra, o princípio da prevenção é sempre aplicado quando a situação exige que se evite o agravamento dos danos já causados e dos que poderão surgir. Há que se atentar que um dano ambiental dificilmente é passível de ser corrigido com uma adequada reparação, de forma que se deve evitar, a todo custo, ações que representem alto risco de lesões.
O princípio da prevenção encontra-se implícito no caput do art. 225 da Constituição Federal, quando estabelece a obrigação do Poder Público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Machado (2004, p. 75), aduz que a prevenção não é estática, sendo, portanto, necessário atualizar e fazer constantes reavaliações, para “poder influenciar a formulação das novas políticas ambientais, das ações empreendedoras e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário”.
1.2.3 Princípio do poluidor-pagador
Ensina Milaré (2004, p. 142), que esse princípio (polluter pays principle) se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo, isto é, o custo decorrente dos danos ambientais, precisam ser internalizados. Significa dizer que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, por via de conseqüência, assumi-los.
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Dano ambiental – Área de mangue aterrada para fins de loteamento – Aprovação pela Prefeitura – Irrelevância – Direito adquirido inexistente – Responsabilidade objetiva – Auto de infração, multa e interdição da área – Reiteração de conduta ilícita – Prejuízo ecológico irrecuperável – Denunciação da lide à Prefeitura e loteadora anterior – Descabimento diante da responsabilidade objetiva – Direito de regresso, porém, assegurado – Quantum condenatório para Fundo de Recuperação de Bem Lesado (art. 13, Lei n. 7.347/85) – Apuração em liquidação de sentença – Provimento parcial do recurso. O mangue constitui-se numa reserva natural de árvores e arbustos, abrigando variadas espécies de aves e animais. Como fonte de alimento goza de proteção legal. Ao poluidor responsável por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a licitude da atividade ensejada pela autorização da autoridade competente. A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é objetiva. Bastante é a prova do nexo causal entre a ação do poluidor e o dano, para que nasça o dever de indenizar. Acórdão: Apelação cível 40.190. Relator: Des. Alcides Aguiar. Data da Decisão: 14/12/1995 (TJ-SC, 2005).
Note-se, no julgado acima, que mesmo tendo o Poder Público municipal aprovado o aterramento do mangue para fins de loteamento, foi possível, por meio de ação civil pública, reverter este quadro, diante da constatação de que o mangue é uma reserva natural, e com tal deve ser protegida.
Desse modo, imputa-se ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição que afeta bens, pessoas e toda a natureza.
1.2.4 Princípio do desenvolvimento sustentável
Como é sabido, o desequilíbrio ecológico ameaça a vida do próprio planeta, sendo imprescindível que se tomem medidas drásticas no intuito de restaurar o mínimo de equilíbrio que garanta a sadia qualidade de vida a todos.
Fiorillo (2001, p. 24) observa que o princípio do desenvolvimento sustentável também está implícito no caput do art. 225, da Constituição, possuindo, por conteúdo, a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e suas atividades, “garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição”.
Milaré (2004, p. 148) anota que esse princípio é o que mais assinala a reciprocidade entre direito e dever, posto que desenvolver-se e usufruir de um planeta plenamente habitável, além de configurar um direito, também constitui dever precípuo das pessoas e de toda a sociedade.
Assevera ainda o autor:
A exploração desastrada do ecossistema planetário, de um lado, e a ampliação da consciência ecológica e dos níveis de conhecimento científico, de outro lado, produziram mudanças de natureza técnica e comportamental que, embora ainda tímidas vêm concorrendo para superar a falsa antinomia “proteção ao meio ambiente x crescimento econômico” (MILARÉ, 2004, p. 149).
Em verdade, o conceito de “desenvolvimento” começou a ser mais bem trabalhado, e atualmente se compreende que o mesmo não se limita ao simples crescimento econômico, e que a verdadeira alternativa excludente está entre desenvolvimento harmonizado e mero crescimento econômico.
Em linhas gerais, o desenvolvimento sustentável ou o “ecodesenvolvimento”, consiste em reunir três metas indispensáveis, segundo Milaré (2004, p. 50), qual seja, “na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida”.
O Princípio n. 4 da Declaração do Rio estabelece: “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste”.
Pontua Milaré (2004, p. 51):
Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço.
A base material do desenvolvimento deve se pautar na gestão racional dos recursos naturais, de forma que a política ambiental deve ser um dos instrumentos do desenvolvimento, e não obstáculo ao mesmo.
No entanto, processos econômicos, sociais e políticos têm, na verdade, acelerado a contra-sustentabilidade. Somente a pós a segunda metade do século passado é que surgiu a compreensão do problema em toda a sua complexidade, contudo, a cobiça das classes e pessoas responsáveis e a realidade econômica e socioculturais das massas inconscientes do mundo contemporâneo dificultam sobremaneira a construção de uma sociedade sustentável.
1.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 EM RELAÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, a proteção ao meio ambiente já era mencionada, ainda que com certa timidez e restrição. Somente com a promulgação da atual Lei Maior, em seu art. 225, restou consagrada e definitiva a tutela dos valores ambientais em toda sua extensão, sendo a todos estabelecidos direitos e deveres de zelar pelo meio ambiente equilibrado, essencial à qualidade de vida saudável desta de das futuras gerações.
Para Antunes (2002, p. 52),
A fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental pela ordem jurídica vigente. Este fato, sem dúvida, pode se revelar um notável campo para a construção de um sistema de garantias da qualidade de vida dos cidadãos. A adequada compreensão do capítulo e dos dispositivos constitucionais voltados para o meio ambiente exige uma atenção toda especial para disciplinas que não são jurídicas.
A Constituição Federal traz em seu bojo inúmeros dispositivos para a proteção do meio ambiente, a exemplo do art. 5º, LXXIII; art. 225, § 3; art. 170, VI; art. 225,; art. 23, VII; art. 225, § 1; art. 216, § 2º; art. 225, § 6º; dentre outros.
Conforme Mello (2002, 1.314-1.315), a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que ocorreu em 1972, em Estocolmo, aprovou uma Declaração em que se estabelecem as seguintes diretrizes: o homem tem um direito fundamental a desfrutar condições de vida adequada em um meio “saudável”; devem ser preservados os recursos naturais da Terra, incluindo-se o ar, a água, a terra, a flora e a fauna; deve-se, sempre que possível, “restaurar-se ou melhorar-se a capacidade da Terra para produzir recursos vitais renováveis”; deve-se evitar que os recursos renováveis sejam esgotados; deve-se acabar com a descarga de substâncias tóxicas e outras substâncias que causem danos graves e irreparáveis; o Estado deve impedir a contaminação dos mares; devem ser destinados recursos para conservação e melhoramento do meio ambiente; deve ser feita uma planificação racional para conciliar “as exigências do desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio”; deve ser desenvolvida uma educação sobre questões do meio ambiente.
Ainda de acordo com a Carta da ONU e com os princípios do direito internacional, por um lado é dado aos Estados o direito soberano de explorar seus próprios recursos aplicando a sua própria política ambiental, mas por outro, imputa-se a ele a obrigação de assegurar que as atividades executadas dentro de sua jurisdição ou sob o seu controle não prejudiquem o meio de outros Estados ou de zonas situadas fora de qualquer jurisdição nacional. Também cabem aos Estados cooperar para desenvolver o Direito Internacional relativo à responsabilidade e à indenização às vítimas de contaminação e outros danos do meio ambiente.
Segundo ainda o autor, os Estados conservam o direito de estabelecer sua própria política de meio ambiente, mas devem financiar pesquisas bem como desenvolver programas educacionais sobre o assunto. As Convenções internacionais são realizadas no intuito de atentar para os problemas ecológicos e fomentar políticas que visem o desenvolvimento sustentável, no entanto, para que os acordos ali convencionados sejam efetivamente observados e cumpridos, há necessidade de que sejam repassados aos países subdesenvolvidos, recursos e transferência de tecnologia (MELLO, 2002, p. 1.317).
Nossa Lei Maior reconhece que as questões referentes ao meio ambiente são de vital relevância para o conjunto de nossa sociedade, seja porque são necessárias para a preservação de valores que não podem ser mensurados economicamente, seja porque a defesa do meio ambiente constitui princípio constitucional que fundamenta a atividade econômica (art. 170, VI).
A proteção do meio ambiente e o combate à poluição, em quaisquer de suas formas, está prevista como sendo de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23); essa competência é de forma concorrente (art. 24).
O caput do art. 225 preceitua, como norma básica e de caráter fundamental, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Machado (2004, p. 110) entende ser antropocêntrico o caput do art. 225, por ser um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a vida e a dignidade das pessoas, consistindo no núcleo essencial dos direitos fundamentais. Certo é que o quadro da destruição ambiental no mundo compromete uma existência digna para a humanidade, colocando-a em risco, inclusive.
Contudo, anota o autor que “nos parágrafos do art. 225 equilibra-se o antropocentrismo com o biocentrismo (nos §§ 4º e 5º e nos incisos I, II, III e VII do § 1º), havendo a preocupação de harmonizar e integrar seres humanos e biota”.
Ressalte-se que o sistema de proteção ambiental ultrapassa as meras disposições esparsas, de modo que se faz necessário que as normas ambientais sejam consideradas globalmente, levando-se em consideração as suas diversas conexões materiais com outros ramos do próprio Direito e com outras áreas de conhecimento (ANTUNES, 2002, p. 42).
2 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS ASPECTOS JURÍDICOS
2.1 DANO AMBIENTAL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Como é sabido, o dano é o principal elemento para a configuração da responsabilidade civil, tanto é verdade que os doutrinadores entendem que não pode haver responsabilidade civil sem existência de um dano. Trata-se, pois, de verdadeiro truísmo sustentar tal princípio, vez que, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode se concretizar onde não há o que reparar.
Quando se fala em dano, o que quer significar é o resultado da lesão ou da injúria sobre o patrimônio material ou moral. Dentro dos direitos absolutos, inclui-se o direito de propriedade, mas para que a violação configure ilícito, é preciso que seu objeto indique situação que pressupõe a concorrência de pretensões sobre a mesma coisa.
Segundo os estudos de Oliveira (2002, p. 28), “os dicionários exprimem o sentido comum: o dano se apresenta como prejuízo que se faz a alguém, implicando em destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia”. A etimologia da palavra “dano”, de damnare (causar prejuízo) e damnum (efeito: prejuízo causado), pouco tem a esclarecer. No âmbito de Direito, entretanto, “dano” tem sentido peculiar, sendo, segundo o autor: “a lesão (efeito) de um ato humano ilícito, comissivo ou omissivo, decorrente de dolo ou culpa, que fere interesse alheio juridicamente protegido”. Tal interesse tanto pode ser individual ou coletivo; material ou imaterial, e neste último, ele pode ser extrínseco ao homem atingindo seus bens, ou ser sua própria personalidade com as “qualidades” (imagem, honra, intimidade etc.) que lhe são inerentes, que a afetam “em si mesma” e que dela não se separam.
Para Lobregat (2001, p. 41) o referido instituto, sob o ponto de vista jurídico, tem uma compreensão bastante restrita, abrangendo a ofensa ou lesão dos bens e/ou interesses suscetíveis de proteção jurídica e constituindo-se num dos elementos absolutamente indispensáveis à configuração da responsabilidade civil. O entendimento mais aceito de dano, refere-se à diminuição do patrimônio de alguém, como decorrência direta ou indireta de ação lesiva praticada por terceiro, de modo a aquilatar em proporção equivalente à redução patrimonial sofrida.
Mais especificamente no âmbito do direito ambiental, nem a própria Constituição cuidou de elaborar uma noção técnico-jurídica de meio ambiental. Milaré (2004, p. 664), entende que, se o próprio conceito de meio ambiente é aberto, isto é, sujeito a ser preenchido casuisticamente, de acordo com cada realidade concreta que se apresente ao intérprete, o mesmo entrave ocorre à formulação do conceito de dano ambiental. Provavelmente é esse o motivo pelo qual a legislação brasileira, diferente das demais, não tenha conceituado o dano ambiental.
Dentre os doutrinadores, Antunes (2000, p. 225) explica que o dano ambiental consiste na “lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.
Difícil é afirmar o que é necessário para configurar o dano ambiental, e mais ainda, qual a intensidade do dano ambiental capaz de provocar o dever de repará-lo, visto que, considerando que quase toda a ação humana pode, teoricamente, provocar deterioração ao meio, resta impossível asseverar que qualquer ato de degradação provoque obrigação de reparar. Para Leite (2000, p. 107), a solução deve ser buscada na doutrina e na construção jurisprudencial que, quando da análise do caso in concreto, constate a gravidade do dano. Anota o autor: “é a constatação da anormalidade do dano pela sua gravidade, que abre espaço par ao direito de reparação” (Leite 2000, p. 108).
Milaré (2004, p. 975) expõe em seu “Glossário Ambiental”, sobre um conceito genérico de dano:
Lesão resultante de um acidente ou evento adverso, que altera o meio natural; medida que define a intensidade ou severidade dessa lesão.
– Perda humana, material ou ambiental, física ou funcional, que pode resultar, caso seja perdido o controle sobre o risco.
– Intensidade das perdas humanas, materiais ou ambientais, induzidas às pessoas, comunidades, instituições, instalações e/ou ecossistemas, como conseqüência de um desastre (Decreto/SP 40.151/95, art. 9º, V).
Para Leite (2000, p. 98), numa primeira acepção, dano ambiental significa:
Uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente, como, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado.
Numa segunda conceituação, o autor pontua que “dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses” (LEITE, 2000, p. 98).
Sobre o assunto, vale destacar a lição de Bittencourt (1997, p. 53), que afirma:
Somente haverá dano ambiental com conseqüências jurídico-sociais. Jurídico porque o fato que constitui o dano deve estar tutelado na legislação; e sociais porque o meio ambiente estará correndo risco apenas quando o equilíbrio ecológico esteja exposto.
O autor ainda assinala que o dano ambiental tem sua existência no momento em que ocorre a quebra do equilíbrio entre os elementos social, econômico e físico do meio ambiente, pela intolerância dos três fatores. E destaca, ainda:
A variedade das formas de lesão e a multiplicidade dos bens atingidos se expandem em proporção correspondente ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Sempre que o equilíbrio do ecossistema biosocioeconômico particular, local, regional, nacional e global (e quiçá até sideral, num futuro próximo) estiver ameaçado, estaremos frente à lesão ao meio ambiente. Toda lesão ambiental é conseqüência de um ato que tem sempre um só direcionamento: a degradação da qualidade ambiental. De uma outra forma, o dano será mais ou menos extenso. Porém, sempre lesa a um só bem jurídico (BITTENCOURT, 1997, p. 95).
Krell (1998) anota que, no sistema jurídico pátrio pode-se identificar uma “bifurcação” do dano ambiental: de um lado, o dano “público” contra o meio ambiente, que é “bem de uso comum do povo” (art. 225 CF), de natureza “difusa”, atingindo um número indefinido de pessoas, sempre devendo ser cobrado por Ação Civil Pública ou Ação Popular e sendo a indenização destinada a um fundo; de outro lado, o dano ambiental “privado”, que dá ensejo à indenização dirigida à recomposição do patrimônio “individual ” das vítimas.
Leite (2000, p. 98), traz uma classificação do dano, levando-se em conta a amplitude do bem protegido; a reparabilidade e interesses jurídicos envolvidos, e a extensão e ao interesse objetivado; senão vejamos:
a) classificação do dano ambiental com referência à amplitude do bem protegido:
1. Dano ecológico puro. Levando-se em conta que o meio ambiente pode ter uma conceituação restrita, isto é, relacionada aos componentes naturais do ecossistema e não ao patrimônio cultural ou artificial, o dano ambiental, nessa amplitude, significaria dano ecológico puro, sendo que sua proteção estaria sendo feita em relação a alguns componentes essenciais do ecossistema, por serem danos que atingem, de forma intensa, bens próprios da natureza, em sentido restrito.
2. Em maior amplitude, o dano ambiental, lato sensu, isto é, concernente aos interesses difusos da coletividade, abarca todos os componentes do meio ambiente, alcançando o patrimônio cultural, de forma que estariam sendo protegidos o meio ambiente e todos os seus componentes, em uma concepção unitária.
b) classificação do dano ambiental no tocante a reparabilidade e ao interesse envolvido:
1. Dano ambiental de reparabilidade direta, quando se refere a interesses próprios individuais e individuais homogêneos e apenas reflexos com o meio ambiente e atinentes ao microbem ambiental. O interessado que sofreu lesão será diretamente indenizado.
2. Dano ambiental de reparabilidade indireta, quando se refere a interesses difusos, coletivos e eventualmente individuais de dimensão coletiva, concernentes à proteção do macrobem ambiental e relativos à proteção do meio ambiente como bem difuso, sendo que a reparabilidade é feita, indireta e preferencialmente, ao bem ambiental de interesse coletivo e não objetivando ressarcir interesses próprios e pessoais. Nesta concepção, o meio ambiente é reparado indiretamente no que concerne à sua capacidade funcional ecológica e à capacidade de aproveitamento humano e não, por exemplo, considerando a deterioração de interesses dos proprietários do bem ambiental.
c) classificação do dano ambiental quanto à sua extensão:
1) Dano patrimonial, relativamente à restituição, recuperação, ou indenização do bem ambiental lesado. Convém destacar que tal concepção de patrimônio difere da versão clássica de propriedade, pois o bem ambiental, em sua versão de macrobem, é de interesse de toda coletividade. Entretanto, aplica-se a versão clássica de propriedade quando se tratar de microbem ambiental, por se referir a um interesse individual e a um bem pertencente a este; e nesta última hipótese, o dano ambiental patrimonial está sendo protegido como dano individual ambiental reflexo.
2) Dano extrapatrimonial ou moral ambiental, que se refere à sensação de dor experimentada ou conceito equivalente em seu mais amplo significado ou todo prejuízo não-patrimonial ocasionado à sociedade ou ao indivíduo, em virtude da lesão do meio ambiente. Aguiar Dias (1987, p. 72) explica que quando os danos não correspondem às características dos danos patrimoniais, configuram-se como dano moral; nesse contexto, pode-se subdividi-lo em dano ambiental extrapatrimonial coletivo quando a tutela se referir ao macrobem ambiental, e dano ambiental extrapatrimonial reflexo, a título individual, quando concernente ao interesse do microbem ambiental.
d) classificação do dano ambiental quanto aos interesses objetivados:
1) Dano ambiental de interesse da coletividade ou de interesse público, referindo-se ao interesse da coletividade em preservar o macrobem ambiental.
2) Dano ambiental de interesse individual, concernente ao interesse particular individual próprio, a uma lesão ao meio ambiente que se reflete no interesse particular da pessoa (Leite, 2000, p. 99-102).
Ainda no que tange aos danos cometidos contra o meio ambiente, é importante ter-se a consciência de que a sociedade contemporânea traz em si um altíssimo grau de degradação ambiental, tanto no que se refere às reservas ambientais existentes, como no contexto da degradação do meio ambiente urbano. Daí porque os constituintes, sensíveis a essa realidade deplorável, disciplinaram o meio ambiente em capítulo apartado.
Outro ponto a ser considerado, é que o evento danoso pode originar tanto de ato ilícito como de ato lícito, em decorrência das transformações advindas do progresso científico, industrial, tecnológico, da explosão demográfica, das novas exigências sociais, econômicas, urbanísticas e ambientais.
Há que se ter em mente que o agente causador do dano tem o dever de repará-lo o mais amplamente possível, sendo que a expressão “reparar o dano” quer significar a busca de um determinado valor que se possa ter como “equivalente” ao dano causado pelo agente que praticou o ato ilícito.
O § 3º, do art. 225, da Constituição Federal estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores – pessoas físicas ou jurídicas – a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar o dano. A grande dificuldade reside na obrigação de reparar o dano.
Como bem explica Krell (1998) essa dificuldade tem base na determinação da participação concreta de cada um de múltiplos poluidores, como em pólos industriais; a inversão do ônus de prova para o lado do potencial poluidor; a valoração do dano ecológico, ou seja, a definição do valor monetário a ser pago pelo poluidor por danos causados ao ambiente e à paisagem.
Note-se que o dispositivo em comento prevê a tríplice penalização do agente poluidor do meio ambiente: a sanção penal, por conta da responsabilidade penal, a sanção administrativa, em decorrência da responsabilidade administrativa, e a sanção civil, em face da responsabilidade civil, e que por ser tema central de nossos estudos, será analisada a seguir, em tópico distinto.
Antes, porém, vale mencionar que as responsabilidades administrativa e penal classificam-se como instrumentos de repressão às condutas e às atividades consideradas lesivas ao meio ecológico, assim diferenciando-se da responsabilidade civil. Contudo, a relevância da regulamentação dos ilícitos administrativos e criminais, na seara da tutela ambiental, reside no fato de que tais esferas de responsabilidade independem da configuração de um prejuízo, frise-se, podendo coibir condutas que apresentem mera potencialidade de dano ou mesmo de risco de agressão aos recursos ambientais (MILARÉ, 2004, p. 684-685).
O Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público materializa-se no exercício do poder de política administrativa que, ao constatar a prática de uma infração, instaura o processo de apuração da responsabilidade do agente. A investigação de supostas infrações bem como a aplicação de sanções administrativas estão entre as mais importantes expressões do poder de polícia conferido à Administração Pública, e a coercibilidade é um dos atributos desse poder que se externa por meio de penalidades administrativas previstas (abstratamente) em leis e aplicadas (concretamente) por agentes credenciados do Poder Público (MILARÉ, 2004, p. 685).
É assim porque, ao contrário das sanções civis e penais, apenas aplicáveis pelo Poder Judiciário, as penalidades administrativas são impostas aos infratores pelos próprios órgãos da Administração direta ou indireta da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios.
Conforme Milaré (2004, p. 698), no que tange à incidência das excludentes de responsabilidade, menciona que a responsabilidade administrativa pode ser afastada, via de regra, quando se configurar a hipótese caso fortuito, força maior ou fato de terceiro. É assim, pois, por força da presunção da legitimidade do ato administrativo, “incumbe ao administrado demonstrar perante a Administração Pública, que o seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração”.
Porém, o agente deve sempre antever e mensurar o perigo de dano ao ambiente, mesmo em virtude de uma eventual ocorrência de caso fortuito, força maior ou fato de terceiro, durante o desenvolvimento de suas atividades, valendo-se das tecnologias existentes e visando à máxima mitigação do risco ambiental constatado. Conclui-se que, para realmente se eximir da responsabilidade, o agente não pode ser negligente.
O autor ilustra, como exemplo, um Acórdão prolatado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, envolvendo acidente provocado por fato de terceiro, com a seguinte ementa:
“Multa ambiental. São Paulo. Ação Anulatória de Débito Fiscal. Dano ambiental. Lançamento de óleo diesel em galerias de águas pluviais, causando a paralização de estação de tratamento da Sabesp. LV 997/76 e arts. 2º e 3º, V, do Dec. 8.468/76.
(…)
3. É apenado (independentemente da responsabilidade civil ou penal) quem cometeu a infração, com ela concorreu e dela se beneficiou. ‘Concorre-se’ para a infração por dolo ou culpa. Demonstrado o nexo entre a fonte poluidora e a poluição, cabe à empresa autuada comprovar não ter contribuído para a infração. 4. Os autos descrevem dois eventos: um, a colisão do caminhão com a bomba de óleo diesel; outro, o derramamento de óleo diesel na galeria de águas pluviais. Não se sabe as circunstâncias em que ocorreram ambos os eventos, não estando afastada a contribuição dos prepostos da autora, por negligência, má sinalização, descuido etc., tanto no momento da colisão, como na demora em pedir ajuda ao órgão ambiental e minorar os efeitos do derramamento. Admite-se, ante a prova dos autos, que a autora contribuiu para a infração ambiental” (MILARÉ, 2004, p. 700).
Assim, sempre que o agente pratica ou concorre para a prática de uma suposta infração, há autoria do ilícito. Há casos em que a conduta do agente, em si, pode estar conforme a legislação, mas devido à ocorrência de um evento que, à primeira vista, foge ao controle do responsável, gera um resultado, este sim considerado ilícito pela lei ambiental. Nessa situação, caso esteja presente uma forma de excludente da responsabilidade, torna-se necessário, para configurar infração administrativa, que o fato tido como violador da lei, resulte de um comportamento culposo (negligência, imprudência, imperícia), omissivo ou comissivo, por parte do suposto infrator, somado à ocorrência de caso fortuito, força maior ou fato de terceiro (MILARÉ, 2004, p. 700).
2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL E A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
Antes de adentrarmos ao tema da responsabilidade civil, importa mencionar que a Carta Maior, no dispositivo supracitado, consagrou a regra da cumulatividade das sanções, posto que as sanções penais, civis e administrativas, além de protegerem objetos distintos, estão sujeitas a regimes jurídicos diversos. Qualquer dano que lese o interesse público pode gerar os três tipos de responsabilidade, concomitantemente.
Como bem explica Leite (2000, p.118):
Uma responsabilidade não exclui a possibilidade de outra e vice-versa. Desta forma, (…), o sistema da responsabilização ambiental é múltiplo e deve ser articulado conjunta e sistematicamente. Lembre-se, assim, de que o descumprimento de uma obrigação ou de um dever, ainda que redundante de um fato ou ato único, pode resultar em várias espécies, na forma de cumulação de responsabilidade, em virtude das diversas sanções previstas no ordenamento jurídico.
O elemento que identifica a sanção (de natureza administrativa, penal ou civil) é o objeto principal da tutela. O dano ambiental é prejuízo a ser reparado dentro dos limites da responsabilidade civil, tendo em vista que o meio ambiente é um bem da sociedade, um direito indisponível, a ser protegido pelo Poder Público.
Etimologicamente, responsabilidade deriva de responsável, que se origina do latim responsus, particípio passado do verbo respondere, que significa responder, prometer, pagar, afiançar, e que transmite a idéia de reparar, recuperar, compensar, ou pagar pelo que fez (LEITE, 2000, p. 116).
O termo “responsabilidade” indica a obrigação de responder por alguma coisa ou, em outros termos, a obrigação de satisfazer ou executar o ato jurídico, que se tenha convencionado, ou a obrigação de satisfazer a prestação ou de cumprir o fato atribuído ou imputado à pessoa por determinação legal (SILVA, 1998, p. 713).
Na visão de Bittencourt (1997, p. 101), responsabilidade refere-se à todas as relações jurídicas, tendo especificamente o objetivo de assegurar o cumprimento de uma obrigação nela existente, ou porque se assumiu tal obrigação em decorrência de um fato ou ato, que ocorreu ou se praticou. Com isso, a responsabilidade surge como uma derivação de uma obrigação anterior, que o responsável deixou de observar.
José de Aguiar Dias (1987, p. 78-79) pontua que:
A situação desejável é do equilíbrio, onde impere a conciliação entre os direitos do homem e seus deveres para com os seus semelhantes. O conflito de interesses não é permanente, como quer fazer crer a doutrina extremista, mas ocasional. E quando ele ocorre, então, sem nenhuma dúvida, o que há de prevalecer é o interesse da coletividade.
A responsabilidade civil, no âmbito ambiental, se faz necessária por razões fundamentais, como a importância da proteção do meio ambiente para a sobrevivência da espécie e a reparação do dano ambiental, além de outras razões igualmente relevantes.
No que tange aos regimes da responsabilidade civil, explica Milaré (2004, 752) que, no Direito comum, o regime da responsabilidade extracontratual é o da responsabilidade subjetiva ou aquiliana, fundada na culpa ou dolo do agente causador do dano. Por outro lado, na legislação especial, ao contrário, o dano ambiental é regido pelo sistema da “responsabilidade objetiva”, que se funda no risco inerente à atividade, que prescinde por completo da culpabilidade do agente. Nesta seara, para tornar efetiva a responsabilização, basta a ocorrência do dano e a prova do vínculo causal com o desenvolvimento ou ainda a simples existência de uma determinada atividade humana.
Seguem alguns julgados sobre a questão (Site Editora Revista dos Tribunais, 2005):
TJSP – MEIO AMBIENTE – Dano ambiental – Queima de palha de cana-de-açúcar – Atividade que, embora considerada poluidora, não é ilícita – Responsabilidade objetiva do poluidor que depende da existência de prova técnica, comprovando, de forma cabal, o nexo de causalidade entre a queimada e o dano causado ao meio ambiente. (RT 800/248).
TRF.3R – MEIO AMBIENTE – Dano ambiental – Responsabilidade objetiva do poluidor – Independência das esferas penal, civil e administrativa para a apuração do dano e punição do seu causador – Inteligência do art. 225, § 3.o, da CF e das Leis 6.938/81 e 9.605/98. (RT 799/401).
TJSP – AÇÃO CIVIL PÚBLICA — Dano ao meio ambiente — Águas contaminadas — Lançamento de poluentes industriais sem tratamento por empresa — Comprovação através de perícia — Responsabilidade objetiva — Indenização devida — Sentença mantida — Recurso improvido — Inteligência do art. 14 da Lei 6.938/81. (RT 693/130).
Acerca da reparação, ensina Antunes (2002, p. 178):
A reparação visa fazer com que o lesado, através do recebimento de uma indenização, seja recolocado no status quo ante, como se a lesão não houvesse ocorrido. Esta é uma concepção teórica, pois, na maior parte das vezes, é impossível a reconstrução da realidade anterior: e.g., morte de uma pessoa, destruição de uma obra de valor histórico, artístico ou paisagístico; extinção de uma espécie animal etc. Existem bens que são únicos e, nesta qualidade, são insubstituíveis. Um pai é único para o seu filho, assim como um filho é único para o seu pai. Não há indenização capaz de substituí-los. Em termos de reparação de danos ambientais, não raras vezes, questões similares colocam-se com extrema dramaticidade.
O § 2º do art. 225 da Constituição Federal dispõe que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
Diante disto, Machado (2004, p. 131) afirma que:
A recuperação do meio ambiente passou, constitucionalmente, a fazer parte do processo de exploração de recursos minerais. Nenhum órgão público poderá autorizar qualquer pesquisa ou lavra mineral em que não esteja prevista a recuperação ambiental. Diante da obrigação do § 2º do art. 225, a legislação infraconstitucional não poderá ser complacente ou omissa com os que deixarem de efetuar a referida recuperação.
Um dos meios mais comuns de compor o prejuízo refere-se à indenização. Existem outras formas, como a recomposição ou restituição do status quo ante e a indenização monetária, que costuma ser bastante utilizada, cabendo ao Poder Público auferir tais indenizações, que poderão ser cumuladas com qualquer forma de recomposição. Ressalva-se que estas indenizações podem ser efetivadas pela via judicial ou administrativa.
A ação civil pública para proteção ambiental foi instituída pela Lei n. 7.347/85, que legitimou o Ministério Público para propô-la, assim como, as entidades que indica (art. 5º), estabelecendo regras específicas para o ajuizamento e julgamento.
Vejamos alguns julgados sobre o assunto (Site Editora Revista dos Tribunais, 2005):
TJSP – MEIO AMBIENTE – Ação civil pública – Liminar – Embargo à edificação de uma residência em terreno rodeado por espécies vegetais consideradas em extinção – Ineficácia – Medida que não tem o condão de restabelecer os prejuízos ambientais supostamente suportados. (RT 830/214).
TJMG – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Meio ambiente – Concessão de liminar para suspensão das atividades de empresa poluidora – Inadmissibilidade – Medida precoce que requer análise mais detalhada e minuciosa, mormente com a demonstração da empresa de modificações estruturais que objetivam a diminuição dos níveis de poluição (RT 829/327).
TJSP – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Meio ambiente – Assistência simples – Ingresso de associação, que administra condomínio responsável pela degradação ambiental, no pólo passivo da demanda – Admissibilidade – Decisão a ser proferida que atingirá a ela e a seus associados – Inteligência do art. 50 do CPC. (RT 828/229).
TRF3.R – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Indenização – Meio ambiente – Dano ambiental – Derramamento de óleo ao mar – Nexo de causalidade entre a ação do agente e a lesão ocasionada, incontroversa – Verba devida, atendendo ao princípio da razoabilidade – Inteligência do art. 225, § 3.o, da CF. (RT 827/461).
TJSP – MEIO AMBIENTE – Ação civil pública – Demanda proposta com o fim de preservar locais explorados pela cultura da cana-de-açúcar – Admissibilidade – Desrespeito às áreas de preservação permanente e de reserva legal – Dever do proprietário do imóvel em preservar e restaurar a área. (RT 827/236).
Observe-se que a ação civil pública é o instrumento adequado para que o Ministério Público reclame junto ao Judiciário, medidas que visem conter e/ou punir a ação do agente causador de dano ambiental. No entanto, cabe ao magistrado analisar cada caso in concreto, e lance mão dos princípios ambientais para melhor proteção do meio ecológico.
A referida Lei n. 7.347/85 também criou o Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados (art. 13), que abrange não apenas o meio ambiente, mas o consumidor e os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, tendo sido regulamentada pelo Decreto n. 92.302/86. Eis o seguinte julgado (Site Editora Revista dos Tribunais, 2005):
TJSP – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Denunciação da lide -Inadmissibilidade – Decreto condenatório que independe de invocação de culpa (art. 14 da Lei 6.938/81) – Lides de fundamentos diversificados – Inexistência de lei ou contrato a impor o regresso nos mesmos autos – Possibilidade de acionamento pelas vias próprias – Inaplicabilidade do art. 70, III, do CPC. INDENIZAÇÃO – Dano ao meio ambiente – Poluição ambiental por derramamento de óleo no mar por barcaça -Comprovação por perícia – Irrelevância da preexistência de elemento poluidor no local – Decreto condenatório que independe de invocação de culpa, consoante o art. 14 da Lei 6.938/81 – Multa estabelecida na Lei 5.357/67 que não o impede, por ser independente da aplicação das penalidades ali previstas – Verbas que devem reverter ao Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados, criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 e regulamentado pelo Dec. 92.302/86. (RT 620/69).
Note-se que o recolhimento da indenização imposta ao agente poluidor é revertido para o Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados.
2.3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA AMBIENTAL
2.3.1 Aspectos da Lei n. 6.938/81 (PNMA)
A Lei n. 6.938/81 estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, destacando como uma interação de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. O referido diploma legal, como bem explica Fiorillo (2002, p. 4-5), trouxe grande impulso na tutela dos direitos metaindividuais e, nesse processo contínuo, foi editada a Lei n. 7.347/85, que dispunha de um aparato processual sempre que surgisse lesão ou ameaça de lesão “ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico: a ação civil pública”. Essa lei foi a primeira a fazer menção expressa acerca dos interesses e direitos difusos e coletivos.
Krell (1998) lembra que fatos históricos – como a revolução industrial no século passado, o aumento da complexidade das atividades empresariais, a industrialização dos bens de consumo de massa e a mecanização dos processos produtivos, levaram à impossibilidade da definição e comprovação exata do grau de culpa do agente causador de danos. A Lei n. 6.938 fez com que a responsabilidade civil para a reparação do dano ambiental passasse a ser objetiva (art. 14, § 1º), dispensando a comprovação da culpa do poluidor do meio ambiente.
Segundo o autor, outro motivo da introdução da responsabilidade objetiva na seara ambiental, foi o fato de que a maioria dos danos ambientais graves era e está sendo causada por grandes corporações econômicas (indústrias, construtoras) ou pelo próprio Estado (empresas estatais de petróleo, geração de energia elétrica, prefeituras), tornando quase impossível a comprovação de culpa concreta desses agentes causadores de degradação ambiental (KRELL, 1998).
Apesar de não definir expressamente dano ambiental, o legislador pátrio definiu o conceito de meio ambiente (Lei n. 6.938/81, art. 3º, inc. I), como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”; e estatuiu que o poluidor (aquele que provoca a poluição) é obrigado a reparar o “dano causado ao meio ambiente e a terceiro”, em seu art. 14, § 1º da lei em comento.
Antunes (2002, p. 57) critica o conceito da Política Nacional do Meio Ambiente, supra mencionado, por entender que tal definição legal considera o meio ambiente do ponto de vista puramente biológico e não sobre o prisma social, que é, este sim, mais relevante. A Constituição Federal de 1988, entretanto, em seu art. 225, modificou inteiramente o entendimento que se deve ter do meio ambiente, de modo que tornou tão fundamental o bem jurídico tutelado, que estabeleceu a obrigação do Poder Público e da Comunidade de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Leite (2000, p. 105), entende que a lei tratou em sua dupla valência na proteção do bem jurídico de sua “versão de macrobem”, e em vista dos interesses pessoal e particular no “microbem ambiental”, e desta forma avançou, visto que tratou de forma mais especificada um dano que, por sua complexidade, merece um tratamento diferenciado do dano clássico.
O art. 3º, inc. II trouxe, ademais, o entendimento de degradação ambiental: “a alteração adversa das características do meio ambiente”. Note-se que tal definição é vaga, necessitando de certo esforço de interpretação, a fim de determiná-la, mas indica que a degradação ambiental é a alteração adversa ao equilíbrio ecológico. A seguir, um julgado onde há indicação da referida Lei n. 6.938/81 e seu art. 3º.
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI N. 7.347/85, ART. 5º). PROTEÇÃO AMBIENTAL (LEI N. 6.938/81, ART. 3º). DEMANDA PROPOSTA POR INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRELIMINARES DE COISA JULGADA E DE PRESCRIÇÃO AFASTADAS. IMPUGNAÇÃO DE LAUDO PERICIAL E PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DO PROCES-SO REJEITADAS. DANO ECOLÓGICO. RESPONSABILI-DADE DO PROPRIETÁRIO CAUSADOR. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL JÁ DEGRADADO. CONSEQÜÊNCIAS. AUSÊNCIA DE DIREITO A POLUIÇÃO. RELAÇÕES JURÍDICAS EXAURIDAS E CONSUMADAS ANTES DO ADVENTO DA LEI N. 6.938/81. EFEITOS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RECOMPOSIÇÃO DO AMBIENTE DEGRADADO. CONDENAÇÃO QUE ENVOLVE, PREFERENTEMENTE, OBRIGAÇÃO DE FAZER. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Meio ambiente, alterações toleráveis e adversas, múltiplas, seqüenciais, autônomas. 2. Responsabilidade objetiva dos respectivos agentes condicionada à comprovação da relação de fato e de direito, comissiva ou omissiva, com o dano constatado. 3. Não é imputável reparação de dano ambiental aos sucessores que hajam adquirido o imóvel já degradado, os quais, se for o caso, respondem, todavia, pelos agravamentos que tenham ocorrido posteriormente à aquisição. 4. Múltiplos os agentes, distintos os imóveis, embora contíguos, as ações degradadoras do mesmo gênero e espécie, constatadas em um e outro, embora praticadas na mesma época, não se confundindo, portanto autônomas, não configuram a responsabilidade solidária de seus proprietários para o efeito de composição do dano ambiental, cada qual respondendo pelos atos que lhes correspondem. 5. Não havendo direito adquirido à poluição, constatada alteração ambiental potencialmente degradadora, notificado o agente pelo órgão competente, devem cessar as ações correspondentes até que, promovidos os estudos do impacto ambiental, possam ser autorizadas. 6. Apenas as alterações ambientais adversas são objeto de especial consideração pela legislação de regência. 7. A proteção do meio ambiente tem como ponto de partida a Lei n. 6.938, de 31.08.81, não atingindo as relações jurídicas da espécie exauridas e consumadas antes da sua edição, que se regem, estas, segundo a legislação fragmentária específica anterior, que sobrevive, com as devidas adaptações. 8. O dano ambiental, propriamente dito, específico e autônomo, pelo seu caráter difuso, não se confundindo com o dano patrimonial individual, identifica-se com o grau de malignidade social que emerge do uso, manipulação e fruição inadequados dos bens da vida de que se vale o homem para satisfação de suas conveniências. 9. Manguezal, objeto de proteção especial pela legislação ambiental, aterramento, violação do ecossistema, procedimento inassimilável pelo direito da espécie, reparação devida. Acórdão: Apelação cível 1996.002013-6. Relator: Des. Cesar Abreu. Data da Decisão: 10/09/1998 (TJ-SC, 2005).
Mazzilli (2002, p. 147) salienta que a defesa do meio ambiente supõe observância do princípio da responsabilidade objetiva. É o que diz a Súmula n. 18 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo:
“Em matéria de dano ambiental, a Lei n. 6.938/81 estabelece a responsabilidade objetiva, o que afasta a investigação e a discussão da culpa, mas não se prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano. Se o nexo não é estabelecido, é caso de arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação”.
Assim fundamenta o colegiado paulista seu entendimento:
“Embora em matéria de dano ambiental a Lei n. 6.938/81 estabeleça a responsabilidade objetiva, com isto se elimina a investigação e a discussão da culpa do causador do dano, mas não se prescinde seja estabelecido o nexo causal entre o fato ocorrido e a ação ou omissão daquele a quem se pretenda responsabilizar pelo dano ocorrido (art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81; Pt. N. 35.752/93 e 649/94)”.
O autor explica, em duas situações hipotéticas, o posicionamento do legislador: o raio que cai em uma floresta de preservação permanente e provoca fogo e destruição não causa ao dono do imóvel nenhuma responsabilidade, posto que inexiste, neste caso, nexo causal; enquanto que, se o raio cai numa usina nuclear e provoca um acidente atômico, certamente que o dono do estabelecimento há de arcar com eventual indenização, tendo em vista que exerce a atividade de risco e, como é sabido, pela “teoria do risco” da atividade, seu mero exercício envolve responsabilidade (Mazzilli, 2002, p. 147).
2.3.2 A lei n. 9.605/98 e a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas
A responsabilidade penal dos agentes causadores de danos contra o meio ambiente encontra embasamento jurídico na Constituição Federal de 1988, conforme dispõe o art. 225, § 3º, in verbis:
Art. 225, § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano.
A determinação contida no texto retro mencionado encontra ressonância em outras normas de natureza infraconstitucional que definem ilícitos penais. De certa forma, a Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) é a lei uniforme a respeito do tema, mas é importante lembrar que os conceitos básicos do Direito Penal permanecem válidos e fundamentais para a responsabilização do autor do ilícito penal ecológico.
Em relação às penas aplicáveis às pessoas jurídicas, estão dispostas nos artigos 6º ao 24 da lei em estudo. Os critérios estabelecidos pelo legislador levam em consideração a gravidade do fato e suas repercussões para a saúde pública e o meio ambiente, assim como os antecedentes do infrator em relação ao meio ambiente e, no caso de multa, deve-se levar em conta também a situação econômica do infrator.
A lei ora analisada trata especialmente de crimes contra o meio ambiente e de infrações administrativas ambientais, e também dispõe sobre processo penal e cooperação internacional sobre a preservação do meio ambiente. Com referência às contravenções penais aplicadas à proteção da flora foram, em grande parte, transformadas em crimes. Esses crimes terão conseqüências administrativas, civis e penais, além de existir a possibilidade de que as penas possam ser aplicadas cumulativamente, conforme mencionado.
Compete ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a aplicação da punição administrativa, estendendo-se a faculdade às Prefeituras Municipais e a outros órgãos estaduais, em competência, concorrentes.
A Lei dos Crimes Ambientais prevê possibilidades de reparação do dano, mediante outras formas, deixando ao arbítrio judicial a respectiva mensuração e sanção. Prevê penas restritivas de direito, que incluem a restauração ‘de coisa particular, pública ou tombada’ (art. 9º) e a ‘execução de obras de recuperação de áreas depredadas’ (art. 23, II). Os procedimentos penal e administrativo ambiental empregam uma técnica probatória quanto ao ônus da prova diferente do procedimento civil, ainda que os objetivos possam ser os mesmos, qual seja, reparar o dano causado.
As infrações penal e administrativa em que as pessoas jurídicas são responsabilizadas, devem ser cometidas por seu representante legal (indicado nos estatutos da empresa), contratual (diretor, gerente, administrador, preposto ou o mandatário da pessoa jurídica) ou por seu órgão colegiado, agindo no interesse ou benefício da entidade (lê-se “interesse” como algo que traz vantagem ou algo que importa para a entidade). Toda e qualquer entidade que não toma medidas de prevenção do dano ambiental age criminosamente, pois causa risco de produzir resultado danoso ao meio ambiente.
As infrações são claramente definidas e as penas têm uniformização e gradação adequadas; é definida também a responsabilidade da pessoa jurídica, inclusive no âmbito penal, permitindo também a responsabilização da pessoa física, autora ou co-autora da infração.
Pode-se dizer que, com o advento da Lei n. 9605/98, ao dispor acerca das sanções penais e administrativas oriundas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, deu-se plena efetividade à norma constitucional de cunho programático.
Leite (2000, p. 120) também anota que a responsabilização penal da pessoa jurídica configura, mesmo, um avanço significativo no sistema de múltiplo de imputação do sistema jurídico pátrio, visto que aqueles que provocam maior lesão e ameaça de perigo ao bem ambiental são, justamente, as pessoas jurídicas, por meio das atividades industriais.
A Lei 9.605, além de trazer a novidade de regulamentar a responsabilidade criminal ambiental da pessoa jurídica (prevista no art. 225, § 3º da Constituição), inovou ainda mais, ao conferir ao juiz competência para aplicar penas alternativas aos culpados, em substituição à restritiva de liberdade, além de adaptar o direito penal à proteção do bem ambiental, que hoje é caracterizado como de intensa conotação social e que, dada a sua relevância para o ser humano, deve ser protegido como bem jurídico (LEITE, 2000, p. 120-121).
3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS
3.1 TIPOS DE DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE, SUAS CONSEQUÊNCIAS E LEGISLAÇÃO PERTINENTE
É pacífico, na doutrina, que no que tange à questão do dano ao meio ambiente, sempre que o mesmo ocorre a resposta se encontra na legislação material referente à proteção ambiental.
A poluição ambiental é um dos danos que mais comumente ocorre, sendo que o conceito de “poluição” encontra-se disposto no art. 3º, inc. II da Lei n. 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente, in verbis:
“Degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.
De forma lapidar posicionou-se Venosa (2003, p. 143):
“não faz muito tempo que o Homem passou a se preocupar efetivamente com os recursos naturais. Em passado não muito remoto, vigorava a noção de que os recursos naturais eram ilimitados. O fato é que o homem tem necessidades ilimitadas, enquanto os recursos da natureza são limitados. Nessa simples equação, residem os grandes problemas da civilização. As guerras, os conflitos sociais e as revoluções podem ter outro pano de fundo, mas, no âmago, procuram sempre o poder para usufruir bens. Por outro lado, a manutenção da natureza, plantas e animais é questão de vida ou de morte, ou melhor, é questão de sobrevivência da civilização neste planeta. Aos poucos, os governos foram sendo conscientizados da necessidade de proteção da Terra. Nas diversas áreas de atuação e de conhecimento, desenvolvem-se esforços para obtenção de métodos a fim de compatibilizar o crescimento com a preservação dos recursos naturais. Nesse prisma, o direito desempenha papel importante juntamente com outras ciências sociais”.
Conforme anota Krell (1998), onde existir poluição, nos termos do artigo supra, poderá ocorrer muitas vezes também o “dano ambiental”, de acordo com art. 1º, inciso I, da Lei 7.347/85, posto que a definição do conceito de dano da lei processual se rege pelas normas do direito ambiental material. Note-se, então, que nem toda alteração negativa do meio ambiente pode ser qualificada como poluição ou dano.
Aduz Meirelles (1986, p. 11), que
“de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidos e controlados quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caracterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade da prévia fixação técnica e legal dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora”.
Krell (1998) discute sobre a necessidade de se entender a amplitude da alteração necessária do meio ambiente, para evitar que seja levada a extremos, pois de outro modo, o simples derrubar de uma árvore para a construção de um hospital, por exemplo, já geraria o dever de ressarcir.
Bastante interessante os estudos de Carvalho Filho (2001) e Roberto Aguiar (1997), que apontam alguns tipos de agressão ao meio ambiente e a legislação para combatê-las, senão vejamos:
3.1.1 Agressões contra a água
Elemento essencial à vida, mas que se trata de recurso desigualmente distribuído e pouco abundante, podendo ser poluída por diversos agentes, como por resíduos químicos, esgotos rejeitos de garimpagem, detritos industriais e material orgânico putrefato. Diz-se que “água poluída” é aquela que é degradada por substâncias químicas e detritos orgânicos, tornando-se imprópria para o consumo, conforme descreve Jungstedt (1999, p. 123).
Ás águas de rios, lagos e marinhas podem ser degradadas por afluentes com águas poluídas descarregadas por cidades ou indústrias, assim como podem receber a carga poluente de emissários utilizados principalmente nas cidades litorâneas, que é um sistema tubular que lança os detritos urbanos no mar não somente poluindo a água, mas também dizimando a fauna e flora marinha.
No setor agrícola, o uso de agrotóxicos, biocidas em geral, possibilita que esses elementos atinjam os lençóis freáticos, comprometendo as águas mais profundas; a erosão proveniente do trata inadequado da terra, leva os detritos agrotóxicos para o curso d’água, envenenando os animais e desequilibrando o ecossistema.
No garimpo, quando é utilizado o mercúrio para a garimpagem ou a mineração do ouro, esse metal pesado é lançado nas águas, transformando-se em metil (mercúrio orgânico), que é absorvido por algas e peixes e pelo homem que está no final da cadeia alimentar, gerando efeitos brutais como lesões no sistema nervoso, cegueira e deformação dos membros, quando não leva à morte. O Decreto n. 97.634/89 controla o uso do mercúrio.
Os terminais petrolíferos, em regiões portuárias, derramam petróleo no mar, ocasionando a morte da fauna ictiológica, das aves e mamíferos da região, além da poluição da água, por via de uma capa de óleo que se deposita na superfície da água.
O resíduo líquido do lixo urbano (chorume) penetra no solo poluindo este e às águas que vierem a ter contato com ele; é comum encontrá-lo em grandes aterros sanitários e é formado por água de chuva e detritos orgânicos decompostos. O chorume é carregado pelo processo de lixiviação, que consiste no arrastamento vertical de partículas pela infiltração da água para as partes mais profundas do solo.
3.1.2 Agressões contra a atmosfera
Formada pelos gases que envolvem a terra (78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 0,03 de gás carbônico e outros gases em mínima quantidade), a atmosfera tem a função essencial de dar condições à vida, além de propiciar, através de sua função climática, uma temperatura favorável à vida, filtrando os raios solares.
Interessante o que observa Antonio José Cordeiro e outros (1999, p.55).
A atmosfera vem sendo agredida pelo sensível aumento do gás carbônico (CO), oriundo da queima de combustíveis fósseis e de madeiras pelas queimadas. A emissão de clorofluorcarbono que devasta o ozônio da estratosfera causa o buraco na camada desse gás; com isso, não é possível filtrar os raios ultravioletas do sol, gerando conseqüências mortíferas às células.
A atmosfera também é poluída por gases como o aldeído que é tóxico e irritante, resultado principalmente da queima do álcool nos veículos automotores e do uso maciço do tabaco; o amianto, também liberado pelos automóveis e utilizado na vedação térmica de construções, é um irritante pulmonar e cancerígeno que polui a atmosfera, além de gerar problemas no aparelho digestivo, quando alguém bebe a água depositada em caixas d’água feitas desse material.
A fuligem das indústrias, dos automóveis, além das toxinas que a compõem, obscurecem, refletem ou refratam a luz, propiciando modificações do ambiente como um todo.
Os óxidos de nitrogênio produzidos por motores de combustão interna, aviões, fornos, mineradoras, uso excessivo de fertilizantes, incêndios de bosques e instalações industriais formam o smog das grandes cidades e podem ocasionar infecções respiratórias, entre elas a bronquite dos recém-nascidos.
São muitas as formas de agressões ao ar, mas para efeito dos nossos estudos, cabe apenas citar algumas, para se ter idéia de que a forma escolhida pelo homem de se apropriar dos recursos naturais que o cerca encerra uma relação de dominação à natureza, que ultrapassa o mínimo necessário para atender as suas próprias necessidades, agindo como se fosse independente, provocando o desequilíbrio do meio ambiente, sem se dar conta de que está cortando as raízes que originam sua própria razão de ser.
3.1.3 Agressões contra a vegetação e o solo
No Brasil ainda se faz uso de técnicas primitivas de extração das matérias-primas do solo e da vegetação, resultando num poder destrutivo devastador, a exemplo da Amazônia que vem sendo devastada com o desmatamento irracional, com a invasão de práticas agrícolas e pecuárias inadequadas, como o uso incontrolável de queimadas, acarretando a dissolução do ecossistema e aparecimento de grandes extensões desérticas.
Vale alertar que se o extrativismo não for racionalizado de modo a possibilitar a renovação dos recursos, e se a recuperação dos ciclos da vida e a irrigação não for feita de forma a respeitar a topografia e o equilíbrio do ambiente, o destino dos ecossistemas será o seu desaparecimento, como já aconteceu em outros continentes.
Um agravante é a miserabilidade das populações rurais no Brasil, sem acesso a uma vida digna e aos mínimos recursos educacionais e de saúde que possibilitem torná-las agentes de defesa do ambiente. A luta pela promoção de um meio ambiente harmônico passa pela luta que promova a dignidade das pessoas.
A erosão provoca o desnudamento da terra, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, fungicidas, herbicidas e inseticidas, bem como pelo cansaço do solo oriundo de métodos de fertilização impróprios e pela quebra das cadeias alimentares.
Os garimpos também são agressores do meio ambiente, além de representar um problema social, econômico e antropológico. Configuram-se em locais de economia própria, onde a mão-de-obra é explorada com desigualdade e violência; ali se instala um mercado paralelo de minerais, à margem de qualquer controle, o que significa evasão de dívidas; resulta em atividade que desrespeita as reservas indígenas, sendo veículo facilitar do genocídio. E ainda: polui os rios com mercúrio, gera a erosão de grandes regiões e desequilibra os ecossistemas.
Os agentes que agridem o solo, conforme mencionado, atingem as águas, dizima a fauna e flora e atingem o ser humano. A Lei n. 7.802/89 dispõe sobre a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização e propaganda comercial de agrotóxicos. Essa lei foi regulamentada pelos Decretos n. 98.062/89; 98.816/90 e 99.657/90; a Portaria n. 349/90, estabeleceu os procedimentos de registro, renovação e uso de agrotóxicos; a Portaria n. 329/85, fixou proibições com relação aos organoclorados; a Portaria SEMA, n. 3/75, dispõe sobre a concentração de mercúrio por litro de água e o Decreto n. 97.507/89, que dispõe sobre o licenciamento de atividade mineral, e uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de extração de ouro. O subsolo e suas riquezas minerais são formados pelo Código de Mineração; pelo Decreto-Lei n. 227/67, pela Lei n. 7.808/89, regulamentada pelo Decreto n. 98.812/90, que estabelece o regime de permissão de lavra garimpeira.
3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PERANTE O PARTICULAR E DE PARTICULARES ENTRE SI
Segundo Krell (1998), a responsabilidade objetiva deve guardar ligação com os aspectos subjetivos da situação a ser analisada. Alguns autores ligam a obrigação de indenizar – ainda que exista uma autorização válida – a aspectos do princípio da boa-fé, que hoje começa a infiltrar todas áreas do direito público e privado e que, no fundo, constitui um corolário do princípio máximo da justiça material no caso concreto. Isto porque o poluidor deve exercer sua atividade dentro dos padrões fixados, mas sem se eximir de verificar, por si mesmo, se aquela atividade será ou não prejudicial, se está ou não causando um dano.
Um exemplo prático foi o que ocorreu em Cubatão, onde houve a deterioração ecológica da Serra do Mar pelas indústrias daquele pólo. É evidente que os empresários responsáveis tinham conhecimento dos efeitos graves da poluição causada por suas fábricas. A alegação de que eles sempre tinham operado dentro dos limites de emissão fixados pelo órgão competente do Estado (CETESB) não podia levar a uma exclusão da sua responsabilidade, pois as circunstâncias do caso concreto não permitiam a existência de uma “boa-fé” por parte das empresas licenciadas, que possuíam todas condições econômicas e técnicas de realizar estudos sobre os danos que se estavam realizando, de maneira óbvia, no ambiente local e regional (KRELL, 1998).
O fato é que os perigos advindos da sociedade industrializada, no final do século XIX, justificam a necessidade de dar maior proteção às vítimas, por atos danosos, ainda que plenamente lícitos, daí porque os Estados começaram a estabelecer a responsabilidade objetiva, suprimindo o critério tradicional da culpa.
Note-se que todo aquele que desenvolve atividade lícita que pode gerar perigo a outrem, deverá responder pelo risco, sem qualquer necessidade de a vítima provar culpa do agente, o que, em outros termos, significa dizer que o agente responde pela indenização em virtude de haver realizada uma atividade apta para produzir risco.
Nesse ponto, Lima (2000, p. 130) observa que o lesado apenas terá que provar nexo de causalidade entre a ação e o fato danoso, para efeitos de exigir o direito reparatório, de modo que o pressuposto da culpa, causador do dano, é apenas o risco causado pelo agente em sua atividade.
Destaca ainda esse autor:
(…) no sistema legal brasileiro da responsabilidade objetiva por danos ambientais, não resolve de per si os problemas atinentes à ressarcibilidade da degradação, pois conforme já asseverado, os princípios gerais do direito ambiental têm importante missão no aprimoramento e melhor adequação no sistema de proteção do dano ambiental (LIMA, 2000, p. 134-135).
De fato, as técnicas de proteção do meio ambiente são complementares entre si, devendo funcionar de forma integrada, da responsabilidade civil, penal e administrativa ao planejamento, auditorias e instrumentos econômicos.
Sempre que existir um dano ambiental, há o dever de repará-lo, sendo que tal reparação é composta de dois elementos, quais sejam: a reparação in natura do estado anterior do bem ambiental afetado e a reparação pecuniária, ou seja, a restituição em dinheiro. Contudo, vale ressaltar que nem todo dano se indeniza. É impossível determinar o montante a ser pago no caso da extinção de uma forma de vida, da contaminação de um lençol freático ou da devastação de uma floresta. Nesses casos, a composição monetária é absolutamente insatisfatória.
Quando não for possível o retorno ao status quo, recairá sobre o poluidor a condenação de um quantum pecuniário, responsável pela recomposição efetiva e direta do ambiente lesado. Observe-se que na legislação pátria não há critérios objetivos para a determinação do referido quantum imposto ao agente degradador do meio-ambiente. A doutrina, entretanto, dá alguns rumos que devem ser seguidos, como, por exemplo, a reparação integral do dano, não podendo o agente degradador ressarcir parcialmente a lesão material, imaterial e jurídica causada.
Na tentativa de recuperação do status quo ante, a Constituição Federal Brasileira, no seu artigo 225, IV, disciplinou o estudo do impacto ambiental que tem entre suas finalidades precípuas traçar uma solução técnica adequada à recomposição do ambiente modificado por atividade licenciada. Assim sendo, uma avaliação prévia dos danos facilitaria uma posterior reparação ao ambiente impactado. Assim reza a Constituição, em seu § 1º, inc. IV do art. 225: “§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.”
É, realmente, difícil a valoração do dano ambiental, pois não há como mensurar quanto vale monetariamente uma espécie em extinção, ou um patrimônio histórico. No entanto, havendo lesão, deve existir conseqüente reparação, cabendo ao Poder Judiciário aplicar o direito nos casos concretos, utilizando-se das técnicas metodológicas aceitáveis, que resultem ao menos em grau elevado de certeza.
Leite (2000, p. 226) aponta que, no direito norte-americano, constatam-se três elementos básicos para os métodos de avaliação; são eles: custo da restauração, reabilitação, recomposição de recursos naturais ou aquisição dos mesmos; redução do valor desses recursos naturais, considerando a recuperação do recurso para a linha-base, se o não tivesse ocorrido; e, custo razoável de avaliação desses danos.
No direito brasileiro há diversas formas e metodologias de se avaliar os danos ambientais, tornando ainda mais difícil a certeza da quantificação. Para cada tipo de dano é utilizado esquemas metodológicos flexíveis. A possibilidade de avaliação econômica se restringe à capacidade de uso humano dos bens naturais, não sendo possível captar o valor da capacidade funcional ecológica dos bens naturais (LEITE, 2000, p. 227).
No que tange ao dano extrapatrimonial ambiental e sua reparação, é válido lembrar que o dano moral ao meio-ambiente é a lesão que desvaloriza imaterialmente o meio-ambiente ecologicamente equilibrado e também os valores ligados à saúde e à qualidade de vida das pessoas. Se o meio-ambiente é um direito imaterial, incorpóreo, de interesse da coletividade, pode ser ele objeto do dano moral, pois este é determinada pela dor física ou psicológica acarretada à vítima.
É possível afirmar a partir daí, que a degradação ambiental geradora de mal-estar e ofensa à consciência psíquica das pessoas físicas ou jurídicas pode resultar em obrigação de indenizar aos seus geradores. A regra aplicada nesse caso é o da responsabilidade civil objetiva, pela qual aquele que através de sua atividade cria um risco de dano para terceiro deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa.
Frise-se, portanto, que a responsabilização pelo dano ambiental se faz necessário, a princípio, para que haja reparação do dano causado, e também para coibir a ação desordenada do homem, pois uma vez causado o dano difícil será sua reparação.
O pensamento de Abreu e Silva, onde expõe ele, que no direito nacional ocorre à metamorfose da responsabilidade civil sem culpa, no lato sentido, vem operando seus efeitos, de há muito, porquanto não se exige da vítima a prova da culpa do lesante para constituir o seu direito à reparação, como se depreende do estudo dos fatos lícitos revelando direitos de prejudicar, mas, impondo-se a reparação nas situações previstas, quando a vítima é inocente, considerada como tal, quem por sua conduta não deu causa determinante ao fato.
Tendo-se adotado a teoria da responsabilidade objetiva para os danos ambientais, há que se analisar a questão da possibilidade de se alegar alguma excludente para afastar o dever de indenizar. Trata-se, pois, de uma questão tormentosa, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, mas verifica-se uma tendência de não se aceitar caso fortuito e de força maior como excludentes de responsabilidade, em se tratando de interesses difusos e meio ambiente.
Nesse ponto, Mancuso entende (1994, p. 176) que:
(…) se nos afastarmos da responsabilidade objetiva, ou se permitirmos brechas nesse sistema, os interesses relevantíssimos pertinentes à ecologia e ao patrimônio cultural correrão alto risco de não restarem tutelados ou reparados, porque a força e a malícia dos grandes grupos financeiros, cujas atividades atentam contra aqueles interesses, logo encontrarão maneiras de safar-se à responsabilidade.
Para esse autor, em tema de interesses difusos, é importante considerar o dano produzido e a necessidade de uma integral reparação.
Leite (2000, p. 208) assinala que, quando se adota a teoria do risco, como é o caso da responsabilidade por dano ambiental no direito pátrio, as regras de exclusão previstas no Código Civil são alteradas, visto que, nas regras do risco, o causador do dano é responsável em razão de sua atividade potencialmente poluidora, sujeitando-se, assim, ao seu ônus, independente do exame da subjetividade do agente.
Milaré (2004, p. 763) concorda com esses doutrinadores, optando pela inaplicabilidade do caso fortuito, da força maior e do fato de terceiro como exonerativas, e pela impossibilidade de invocação de cláusula de não-indenizar. Destaca o autor
Verificado o acidente ecológico, quer por falha humana ou técnica, quer por obra do acaso ou por força da natureza, deve o empregador responder pelos danos, podendo, quando possível, voltar-se contra o verdadeiro causador, pelo direito de regresso (MILARÉ, 2004, p. 763).
Observe-se que tanto a Constituição Federal quanto a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que trazem um regime especial de responsabilidade ao degradador ambiental, não dispõem acerca de qualquer exclusão da obrigação de reparar o dano ecológico, como caso fortuito, força maior, fator de terceiro, licitude da atividade, ou culpa da vítima.
A responsabilidade civil busca, não apenas a justa compensação da vítima, mas principalmente a prevenção do dano ecológico e a reintegração dos bens ambientais lesados, devendo o degradados remover as causas de sua infração, repondo a situação anterior à mesma ou equivalente. Não sendo possível a reparação natural (e quase sempre isto ocorre), deve-se cogitar da utilização da indenização pecuniária, visando à compensação ecológica, que é uma forma indireta de sanar a lesão, e que ao menos traz a certeza da sanção civil, como bem explica Leite (2000, p. 218-219).
Pelo sistema reparatório do dano ambiental, via ação civil pública, os valores pecuniários arrecadados em função da lesão ao meio ambiente ficam depositados em um fundo para reconstituição dos bens lesados, destinados à compensação ecológica. O que se busca neste fundo reparatório é a reintegração do bem ambiental, visto que os valores arrecadados em indenizações servem para a execução de obras de reintegração do bem ambiental, no intuito de substituir este bem por outro equivalente. A indenização pecuniária só não irá para o fundo, quando se tratar de lesão conectada com o meio ambiente, mas relacionada com os interesses individuais próprio do lesado (LEITE, 2000, p. 220).
Pode o Estado ser sujeito passivo de uma demanda reparatória do dano ambiental. O art. 37, § 6º da Constituição assim dispõe:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”.
O Estado, como qualquer outra pessoa, responde objetivamente, nos termos do § 3º do art. 225 da Constituição Federal, e do § 1º do art. 14, da Lei 6.938/81. Tal responsabilidade pode decorrer de atos ilícitos e de atos lícitos.
No que se refere à responsabilidade por atos ilícitos, o Estado, em tese, responde solidariamente pelo dano ambiental provocado por terceiros. Cite-se como exemplos: descumprimento ou falta de execução de preceitos relativos à proteção ambiental por parte dos agentes da administração; emanação de normas regulamentares em clara violação das normas legais protetoras dos bens constitutivos do ambiente; não cumprimento, por parte do legislador, das imposições constitucionais referentes à proteção ambiental. No entanto, Não se deve adotar, de forma irrestrita, a regra da solidariedade do Estado pelo dano ambiental, visto que seria a própria sociedade a arcar com o ônus (LEITE, 2000, p. 204-205).
Nesse sentido, Milaré (2004, p. 767) assinala que, para não penalizar a própria sociedade, o Estado só deve ser acionado para responder solidariamente pelos prejuízos ao meio ambiente, quando puder ser demonstrado o nexo da causalidade entre o seu ato e o dano. E ressalta:
(…) se é possível escolher um dos responsáveis, segundo as regras da solidariedade, por que não se valer da opção mais conveniente aos interesses da comunidade, chamando-se primeira e prioritariamente, aquele que lucra com a atividade?!
Contudo, é oportuno lembrar que, quando a ação lesiva for exclusivamente de atividade do Estado, deve o mesmo responder objetiva e integralmente pelo dano ambiental (LEITE, 2000, p. 205).
Em se tratando dos danos ambientais e atos autorizativos, nem assim deve recair para o Estado, e consequentemente para os cidadãos, a transferência da responsabilidade. Se o efeito justificativo serve para explicar a ilicitude do comportamento ou atividades dos particulares, não serve para justificar a negação de ressarcimento a cargo do particular responsável. Haverá, em casos assim, um sacrifício de particulares em virtude das atividades particulares geradoras de uma pretensão indenizatória de natureza jurídico-privada (LEITE, 2000, p. 205-206).
A simples autorização do Poder Público para o funcionamento de alguma empresa que venha provocar dano ao meio ambiente não é, por si só, causa suficiente para determinar a responsabilidade da Administração, sendo necessário que se demonstre o nexo de causalidade entre a autorização estatal e o dano (LEITE, 2000, p. 206).
CONCLUSÃO
A presente monografia teve por finalidade precípua pontuar a questão da responsabilidade civil e a reparação do dano ambiental. É sabido que a responsabilidade, na seara civil, se pauta no cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, como também no pagamento de condenação em pecúnia. Tal indenização em dinheiro, de modo geral, é aplicada em atividade ou obra de prevenção ou de reparação do prejuízo.
É válido lembrar, que o dano ambiental, a priori, trata-se de um dano sofrido pelo conjunto do meio natural ou por um dos elementos que o compõe, sendo que esse meio natural é concebido como patrimônio coletivo, e como tal, independe de suas repercussões sobre pessoas e bens.
Observe-se, no entanto, que a definição de dano ambiental, supra mencionada, não quer significar uma separação do dano sofrido pelo meio natural nos seus elementos inapropriáveis, do dano infligido aos patrimônios identificáveis dos particulares.
Assim, por exemplo, um particular, proprietário de uma floresta que venha a sofrer um dano ecológico, tal prejuízo poderá acarretar efeitos prejudiciais econômicos e ambientais que em geral coincidem, de modo que, através da reivindicação da reparação do dano econômico, o proprietário acaba por também remediar o impacto causado pelo dano ambiental.
Conforme mencionado no decorrer do presente estudo, a responsabilidade ambiental é objetiva, e nesse compasso, aquele que danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo, sempre que a atividade desenvolvida pelo agente do dano implique em risco para os direitos de outrem. A máxima que se extrai desta lição é que: é contrário ao Direito enriquecer-se ou obter lucro à custa da degradação ambiental.
Foi visto no decorrer da presente que a intervenção do Poder Público no domínio ambiental tem a finalidade de preservar a saúde pública e controlar as atividades dos produtores, sendo importante ressaltar que, ainda assim, ou seja, mesmo observando e respeitando os limites impostos pelas normas, o produtor tem o dever de verificar por si mesmo se sua atividade, ainda que lícita, é ou não é prejudicial.
Sendo assim, ocorrendo um dano ambiental, ainda que se tenha sido observado os padrões oficiais estabelecidos, deve o Poder Público responder solidariamente com o particular. Pode-se afirmar que a Administração se torna civilmente responsável por eventuais danos sofridos por terceiros seja em decorrência de sua ação, isto é, quando permite o exercício da atividade poluente em desacordo com a legislação vigorante; seja por meio de sua omissão, quando negligencia o policiamento e a vigilância dessas atividades poluentes praticadas pelo particular.
Outra questão a ser mencionada refere-se à legislação ambiental. Conforme o exposto, há uma enorme diversidade de leis esparsas no âmbito do Direito Ambiental, sendo importante atentar para a necessidade de consolidar todas essas leis.
O objetivo primordial da presente exposição, longe de qualquer pretensão de esgotar o tema, é chamar a atenção dos profissionais do direito no que se refere à noção de responsabilidade por danos causados ao Meio Ambiente, sejam os causadores oriundos da esfera do Poder Público ou do particular.
Em verdade, é de vital importância fomentar discussões e debates acerca de quaisquer assuntos relacionados ao Meio Ambiente, haja vista que enquanto a humanidade, de modo geral, se preocupa com o desenvolvimento econômico local, a degradação ambiental ocasionada pela ação do homem provoca drásticos e, muitas vezes, irreversíveis efeitos para todos.
Sendo constitucionalmente consagrado o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), há que se estudar a responsabilização dos agentes causadores de danos, no sentido de se buscar a reparação ao mal provocado. A responsabilidade civil assegura, pois, o restabelecimento do estado anterior ao dano, quando possível, ou a reparação pecuniária satisfatória ao dano causado.
REFERÊNCIAS
ABREU E SILVA, Roberto de. A constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003
AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 2.
AGUIAR, Roberto. Algumas Agressões ao Meio Ambiente e a Legislação para combatê-las. In: Dhnet – Enciclopédia digital Direitos Humanos, Edição II, 1997. Disponível em: Acesso em: 30 set.2005.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
ARAÚJO, Luiz A. David; NUNES Júnior, Vidal. Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da responsabilidade civil ambiental. In: Revista RT, n. 740, junho de 1997.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
CORDEIRO, Antonio José; e outros. Guia prático de direito penal ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
CURTY, Marlene Gonçalves; CRUZ, Anamaria da Costa; MENDES, Maria Tereza Reis. Apresentação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses: (NBR 14724/2002). Maringá: Dental Press, 2002.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
HOUAISS, Instituto Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1999.
KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental. Objeções à teoria do “risco integral”. Jus Navigandi, Teresina, a. 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2005.
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
LOBREGAT, Marcus Vinícius. Dano moral nas relações individuais do trabalho. São Paulo: LTr, 2001.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 14.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, v. 2.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. Doutrina e jurisprudência – glossário. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O dano pessoal no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
Site Editora Revista dos Tribunais. Pesquisa jurisprudencial, 2005. Disponível em: Acesso em: 16 Set.2005.
TJ-SC. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pesquisa jurisprudencial. Disponível em: Acesso em: 20 Set.2005.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.