Há lugar para o amor romântico na sociedade moderna?
Na sociedade moderna não há lugar para indeterminações e para o amor romântico. O fim trágico de Frédéric em “A Educação Sentimental”, do escritor francês Gustave Flaubert, já apontava para uma incompatibilidade entre o romanesco e a razão instrumental.
Ao analisar o domínio das paixões no mundo contemporâneo, o professor e filósofo Audato Novaes afirma que a racionalidade do mercado traz em si a lógica da dominação dos sentidos. O resultado mais imediato é que, no plano individual, a paixão amorosa, por exemplo, torna-se uma raridade.
O enredo do romance de Flaubert
Flaubert retrata a trajetória da geração que vive as ambivalências de um tempo imediatamente após o triunfo e o declínio do romantismo. Romance escrito entre 1864 e 1869, “A Educação Sentimental” narra a história de Frédéric Moreau desde a adolescência até a idade madura. Quando o rapaz sai de sua pequena cidade no interior da França e vai estudar em Paris, nos anos 1840, apaixona-se por uma mulher casada, a sra. Arnoux.
Frédéric sonha com as oportunidades que a moderna capital pode lhe oferecer: atividades culturais, contatos com pessoas influentes, um futuro profissional promissor.
O destino da juventude burguesa
Flaubert foi criticado por abordar a revolução francesa de 1848 como simples pano de fundo de seu romance. Mas é justamente o pano de fundo que se apresenta vivo no comportamento das personagens e nos seus conflitos.
O escritor capta as relações sociais e mostra, através das ações das personagens, que diferentes grupos sociais tinham diferentes representações do que ocorria à sua volta e com sua própria vida.
Mais precisamente, narra o destino da juventude burguesa, “esse tipo de espíritos desiludidos, destituídos de vontade, cujas grandes ambições ou inquietos desejos esbarram com as duras necessidades de uma evolução social que os ultrapassa” como vê Edouard Maynial, crítico francês e estudioso de literatura.
Sem tempo para indecisões
Flaubert mostra que o homem moderno não tem tempo para indecisões. É imperativa a entrada dos ainda jovens num dos jogos sérios de que é feito o mundo social.
A ambição de Flaubert é, ao mesmo tempo, apontar o descompasso de uma educação sentimental, as seduções de um mundo burguês com suas mil possibilidades e o malogro de uma revolução.
Em busca do inacessível
Para o norte-americano Victor Brombert, especialista em literatura comparada dos séculos 19 e 20, se a vida dos personagens não toma rumo é que, na verdade, “a revolução parece condenada de princípio à falência, à traição e a vergonha, ao fracasso de todos os seus objetivos e ideais”.
Essa perspectiva nos permite ver que um romance social (poderíamos dizer o mesmo de uma análise sociológica) pode dizer mais sobre as relações sociais de uma época que teorias. Estas assimilam o todo com base numa estratificação social enrijecida.
É ainda Maynial que sugere que “A Educação Sentimental” narra os conflitos de uma geração e é também o drama de um temperamento romântico, sempre frustrado, porque procura o inacessível. “A vida de Frédéric Moreau malogrou porque as circunstâncias exteriores são adversas ao sonho, e porque Frédéric se evade sempre, em vez de viver”.
O fim do heroísmo romântico?
O romance é uma reflexão de Flaubert acerca de um encaminhamento da vida pessoal que a Paris do século 19 já dava sinais de não mais acolher. A literatura parece revelar aquilo que só depois de muitos anos conseguiríamos ver.
O que foi feito dos românticos? A psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl destaca que o herói pós-moderno é a antítese do herói romântico, do herói solitário que se ergue acima das normas e conveniências sociais em nome do amor apaixonado, da experiência poética.
O herói romântico é anti-social e inviável: seu fim geralmente é trágico, em troca de uma vida incendiada. Esse é o conflito que vive Frédéric: entregar-se a uma paixão louca ou reprimir esse sentimento e lançar-se a um futuro mais promissor ou a um amor burguês.
Fonte: Uol
Autor: Celina Fernandes Gonçalves Bruniera