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quinta-feira, novembro 21, 2024

Tecnodemocracia e Liberdade Digital

Autoria: Adriana Almeida Sanches

Introdução
Tecnodemocracia é a disponibilidade técnica existente nas cidades e que esteja à disposição das populações – como, por exemplo, o acesso à telefonia (voz), a televisão (imagens) e a informática (informação) – e que venha a contribuir para a descentralização do poder, por meio de um sistema cada vez mais interdependente e participativo de citadinos e cidadãos no atual período técnico-científico-informacional.
Segundo Adam Schaff (1995), os avanços no campo da microeletrônica e nas demais tecnologias da informação tornarão possível o surgimento de uma democracia verdadeira com uma maior descentralização da produção e um incremento da responsabilidade e da liberdade individuais no interior de sua cotidianidade. Para esse autor, a sociedade informatizada pode seguramente fornecer condições propícias para que se possa alcançar a realização individual e coletiva em uma escala sem precedentes, uma tecnodemocracia.
A difusão dos sistemas informáticos vem contribuindo na vida cotidiana de alguns segmentos da sociedade brasileira, tornando-se uma das formas instrumentais mais notáveis para agilização das relações sociais e na comunicação entre povos e nações. No país, cresce o número de domicílios particulares permanentes em que existe microcomputador e muitos deles mantendo interligação de acesso à Internet.
No período atual ou da sociedade da informação, os centros de decisão se movem cada vez mais rápido do que outrora. Isso se dá pela convergência de tecnologias eletrônicas e teleinformáticas que possibilitam a acelerar a velocidade de dados, informações, conhecimentos e decisões.
“O mundo nunca foi tão pequeno – e só encolheu tanto por causa das novas tecnologias. A indústria da telecomunicação vive uma explosão sem precedentes, somada ao barateamento e à popularização da informática. Paralelamente, começa a se esboçar uma convergência entre a infra-estrutura de comunicação e a indústria da mídia, à medida que ambas se digitalizam. É essa conjunção que torna possível um mundo [moderno] nos moldes de hoje”. Ercília (1997, p. 5)
Começa-se a desnudar a complexidade das relações sociais, políticas, tecnológicas e culturais, emergindo a sociedade do conhecimento. Nesse tipo de sociedade, ganha relevância o país, o estado, o município, a cidade, as organizações, as pessoas que com maior autonomia intelectual e agilidade souberem buscar, selecionar, tratar, usar e gerar informações.

Ciberespaço
Considerando o espaço como elemento importante na explicação dos processos sociais e pensando a inovação tecnológica como tal, deve-se ressaltar que o espaço apresenta nesse contexto, uma dupla perspectiva: condição e produto. Isto é, ao mesmo tempo em que o espaço se apresenta como uma resultante do desenvolvimento tecnológico ele também se configura como um condicionante desse processo, visto que o espaço tem suas características físicas e sociais peculiares. Penso que a difusão tecnológica nas pequenas cidades está diretamente relacionada a fatores que se expressam por meio das dimensões político-cultural e econômica. Não basta procurar compreender apenas as alterações que as novas tecnologias promovem neste mundo moderno. É importante ficar em alerta aos fatores que podem favorecer ou impedir a difusão das tecnologias, como sejam as próprias condições de localização do território, as questões de ordem cultural, política etc.
É no âmbito da telecomunicação que podemos assinalar a mais considerável interferência da tecnologia sobre as pequenas cidades. A inovação tecnológica que chega com maior freqüência e, por conseguinte, com maior intensidade, diz respeito à televisão. Atualmente, 92% dos domicílios do Brasil possuem aparelhos de televisão, de cor e em preto e branco, segundo estudos de Ladislau Dowbor (2001). No estado do Rio Grande do Norte(onde existem inúmeras pequenas cidades), considerando os dados do IBGE, são 625.756 domicílios particulares permanentes que dispunham no ano de 2000 de aparelhos de televisão enquanto 106 682 (17,54 %) não possuíam esse meio de comunicação (IBGE, 2002). Dada às precárias condições e às restritas atividades de lazer existentes, a televisão é um importante equipamento eletrônico para essas localidades, e o principal veículo de informação, assim como um dos principais entretenimentos para a sociedade.
O sistema de telecomunicação é um meio tecnológico importante no atual modo de vida urbano. Aliando-se a informática e a televisão, a telefonia vem colaborando com o avanço da convergência tecnológica, o que contribui para articular os espaços, mas ao mesmo tempo para separá-los ou excluí-los do acesso aos bens de consumo e a informação, inúmeras porções terrestres. Numa evolução positiva, o equipamento da telefonia convencional (telefone fixo) alcançou o total de 17.888.211 unidades em 1996, no Brasil, o que fez aumentar em aproximadamente 3,6 vezes em relação ao total de 1980, que corresponde a um acréscimo de 18.564 localidades atendidas pelo serviço telefônico desde 1980, chegando a 22.249 localidades em 1996. Além da existência de linha telefônica fixa, cresce dia-a-dia no país, o número de pessoas que dispõem do telefone celular móvel.

Universidade Virtual
Superar as contradições e dicotomias de forma a criar uma política mais democrática é um dos maiores desafios hoje. O analfabetismo já não se restringe à leitura e à crítica dos códigos escritos. Inclui, cada vez mais, os códigos técnicos, cibernéticos, os quais também são, a meu ver, direitos de cidadania.
As opiniões se dividem quando falamos em inserir a informática na educação:
Para uns, o desenvolvimento cognitivo é mais eficazmente alcançado com o computador, o qual acelera a passagem do pensamento infantil para o pensamento adulto. Acreditam que esta tecnologia transforma-se numa poderosa ferramenta para ajudar a pensar com inteligência e emoção, sendo revolucionária.
Outros pensam nessa tecnologia como simplesmente mais uma ferramenta de trabalho, que pode se tornar emancipatória desde que para isso a sociedade lhe confira esse papel.
Outros, ainda, não só são contrários ao computador como também à televisão. Entendem que o computador massifica o raciocínio e não deve ser utilizado no antigo 1º grau. Seu uso deve ser a partir do antigo 2º grau e apenas como ensino de computação.
A utilização da informática tem sido reacionário-conservadora, tendo em vista o desemprego tecnológico e o descomprometimento dos educadores com a democracia. A péssima remuneração dos professores, suas duvidosas formações, a deplorável qualidade do ensino nas escolas públicas do ensino fundamental e médio, a semi-alfabetização dos alunos, que inclui também países como o próprio EUA, são um indício de que esse fenômeno do descomprometimento com a educação não é um fenômeno típico de antigo terceiro mundo, mas um fenômeno mundial.
Apenas a presença da tecnologia já produz, por si só, mudança nas pessoas. A tecnologia pode, isto sim, “alavancar” as ações daqueles que estão interessados em mudanças, que estão preocupados em encontrar novos caminhos. Mas colocar a informática num pedestal é confinar o ser humano à servidão. E a informática na educação deve colocar a técnica como ponte entre os homens e não como seu obstáculo. Por exemplo, a tecnologia da Internet, se aliada a uma formação ética, criadora, humanista e participativa, pode contribuir na criação das bases de uma sociedade democrática.
Mais do que dar conteúdos prontos, “verdades pré-estabelecidas”, deve-se provocar a reflexão. E isso pode ser feito por meio de roteiros de estudo on-line, lista de discussão, fórum, chat, onde se discute esses temas e se propõe outros. Discutir com os alunos temas geradores é oportunizar um momento de reflexão sobre os caminhos e os descaminhos de nossa sociedade e é esse o diferencial que a Internet pode trazer à democracia. Ela pode permitir um sem-fim de acessos, de contatos, de trocas.
Mas as novas tecnologias só terão um caráter democrático quando concretamente a superação da dominação humana for um processo em marcha, pois de outra forma, a educação com as novas tecnologias continuará circunscrita aos interesses de qualificação do capital.
“O sonho do Iluminismo está a nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso desenvolvimento tecnológico e o subdesenvolvimento social. Nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limitam a criatividade coletiva, confiscam a tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto autodestrutivo. Essa situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e intencional, munida de informação e apoiada na legitimidade” Manuel Castells (1999)

Copyleft
Ainda que se considere inevitável a difusão da internet, reforça-se a importância da educação ao acreditar que para muitas comunidades é mais útil ter uma biblioteca com um bom acervo do que um centro cibernético. Sem boa educação, os internautas vão “boiar” no mar digital, cujo conteúdo, em sua maioria, é em inglês. Com essa ressalva, a todos deve ser dado o direito de acessar o mundo digital, mas sem enfiar a tecnologia garganta abaixo do cidadão. “Parte da população não precisa da internet para viver bem, outros nem se preocupam tanto com ela.” (Fredric Litto). Antes da liberdade digital, vem a liberdade de escolher viver sem a internet.
Por falar em liberdade, potenciais ferramentas para chegar até ela não faltam. As mais radicais como o Wikipédia (http://www.wikkipedia.com) e Wikinews (http://www.wikkinews.com), dão uma idéia de absoluta liberdade que até pode ser confundida com anarquia. Wikipédia nasceu nos EUA como projeto da Wikimedia Foundation. É uma enciclopédia virtual construída por qualquer um que se habilite. O sujeito vai lá e cria um artigo-verbete para explicar um conceito, uma coisa, um ser vivo. Só que o funcionamento não é como numa enciclopédia formal. No Wikipédia , há espaço para diferentes versões sobre o mesmo assunto, ainda que se deva buscar imparcialidade. O Wikinews vai na mesma linha. Todos os internautas são potenciais editores de notícias. Alguém escreve alguma coisa sobre um fato. E lá vai outro contrapor ou até modificar o que está escrito. A expressão é livre, sem linha editorial, qualquer um escreve do jeito que julga melhor, e é editado da maneira que o outro imagina. E o internauta deve submissão à veracidade dos fatos: nada de invenções.
“Wikipédia e Wikinews são plataformas que enunciam os postulados da cidadania global, pois surgem como espaços construídos coletivamente, e imbuídos da ética do copyleft , princípio segundo o qual o conteúdo disponível na net pode ser copiado, recriado, remixado” Giselle Beiguelman

Copyleft tem a ligação com o conceito do creative commons, que significa disponibilizar na internet, sem nenhum custo, a obra de autores. Os direitos autorais deixam de ser completamente protegidos – em vez de copyright, entra em cena o copyleft. No lugar de “todos os direitos reservados” (all rights reserved), surgem “alguns direitos reservados” (some rights reserved). Interessante notar que, na mídia digital, a diferença entre o original e a cópia tende a se diluir, diferentemente das perdas nas cópias feitas em suportes como a fotocópia e o vídeo analógico.

Considerações Finais
Pesquisa referente a 2004, feita pelo Ibope em oito países da América Latina, mostra que os 40% mais pobres da população brasileira são, junto com os mexicanos, os que menos acessam (apenas 10%) a internet, na comparação desse segmento com a média dos seus vizinhos continentais – 14%. Na faixa dos 10% mais ricos, ao contrário, 82% dos brasileiros navegam, acima da média latino-americana de 73%. Quando comparados quatro países (Argentina, Brasil, Chile e México), o brasileiro é o que paga mais caro para ter um computador em casa: US$ 833, equivalente a 11,1% da renda média brasileira per capita. Na Argentina, o preço é de US$ 492 ou 4,5% da renda média per capita argentina.
Essas informações se tornam um tanto assustadoras quando se sabe que o ciberespaço é o local onde existe a possibilidade de surgir uma inteligência construída em rede e uma nova cultura, ao menos em teoria, menos autoritária e mais vulnerável a contestações e modificações efetivas. Mas se as pessoas não têm condições de comprar a estrutura tecnológica para se ligar à web, como vão ajudar a construir esse, até o momento apenas ideal, mundo plural de novos saberes?
Penso que o Estado é que deve promover a inclusão digital, porque os setores excluídos não têm como pagar a tecnologia e o setor privado, quando investe, é pela responsabilidade social, quando se tenta colar uma boa imagem à marca da corporação. A inclusão digital deve ser encarada como uma questão pública como, por exemplo, a saúde e a educação.
“O direito de acesso à net deve ser encarado pelos governos como direito ao transporte e à educação. É requisito mínimo para se promover cidadania, e por isso não pode estar condicionado à renda para que o apartheid em que vivemos seja minado”. Giselle Beiguelman
No começo da década de 50, apenas famílias ricas tinham televisão nos EUA, e com o passar dos anos os aparelhos televisivos se espalharam pelos EUA, acontecendo o mesmo no Brasil. Quando as pessoas mais excluídas perceberem os benefícios que a internet traz, e tiverem uma formação cultural e intelectual mais forte, o acesso delas ao mundo virtual será uma questão de tempo. Vão entrar gradativamente em contato com a web, e isso vai possibilitar à internet ser tão democrática e plural quanto se promete.

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