INTRODUÇÃO
O Transtorno do Pânico (TP) é uma entidade clínica recente e era antigamente chamada de neurastenia cardiocirculatória ou doença do coração do soldado (“coração irritável” denominação dada por Da Costa em 1860 durante a guerra civil americana), embora a primeira descrição sintomatológica tenha sido feita por Freud, que a classificou como neurose ansiosa. Até 1980, o quadro foi agrupado sob o título de “neurose de ansiedade” e atualmente este mesmo grupo foi subdividido em Doença do Pânico e Transtorno de Ansiedade Aguda ou Generalizada.
As diferenças clínicas, razão pela qual derivou a subdivisão do grupo em Reações de Ansiedade Aguda e TP, residem no fato de que os fatores geradores da primeira são motivados por agentes externos que ameaçam de forma clara e consistente a vida do indivíduo tais como catástrofes, panes em aviões, trens, veículos, incêndios em teatros e cinemas entre outros.
No distúrbio que deflagra a “crise de pânico” o agente externo freqüentemente encontra-se ausente e a ameaça está dentro do próprio paciente (endógena). Ambas as desordens vem acompanhadas de grande estímulo do sistema nervoso autônomo caracterizados por boca seca, aceleração dos batimentos cardíacos, palpitações, palidez, sudorese e falta de ar. Este conjunto de manifestações qualifica o que se denomina “reação de alarme” adaptando o organismo às situações de fuga, luta ou perigo iminente. Esses achados constituem os elementos básicos para que se cogitena possibilidade de estarmos diante de um paciente portador de TP.
O TP é causa freqüente de procura a psiquiatras e psicoterapeutas sendo considerada uma doença da “modernidade” ligada ao stress cotidiano. É uma patologia real (alguns a rotulam como frescura) e incapacitante devido a seus sintomas extremamente desagradáveis. Só quem padece de TP é que sabe valorizar a intensidade de sua sintomatologia.
1 ORIGEM DA PALAVRA PÂNICO
A palavra pânico é proveniente do grego “panikon” que tem como significado susto ou pavor repetitivo. Na mitologia grega o Deus Pã, que possuía chifres e pés de bode, provocava com seu aparecimento, horror nos pastores e camponeses. Desta forma a palavra tem em nossa língua o significado de medo ou pavor violento e repetitivo. Em Atenas, teria sido erguido na Acrópole um templo ao Deus Pã, ao lado da Ágora, praça do mercado onde se reunia a assembléia popular para discutir os problemas da cidade, sendo daí derivado o termo agorafobia, usado em psiquiatria e que possui como significado o medo de lugares abertos.
1.1 O Grande Problema
Este fato é devido em grande parte ao desconhecimento do TP por médicos não especialistas (não psiquiatras) o que determina a demora no diagnóstico do caso com o conseqüente e indesejável desenvolvimento das complicações.
A grande maioria dos pacientes, devido à predominância dos sintomas ligados ao aparelho cardiovascular, são atendidos em pronto-socorros cardiológicos por clínicos e/ou cardiologistas e medicados com fármacos que não são capazes de bloquear as “crises ou ataques de pânico”. A medida as crises se sucedem, sem que os pacientes observem melhora, os leva a insegurança e ao desespero. São realizados inúmeros exames sem se chegar a uma conclusão diagnóstica sendo os sintomas atribuídos a situações genéricas como estafa, nervosismo, fraqueza ou com frases do tipo: “o Sr.(a) não tem nada”.
2 MAS AFINAL O QUE É A SÍNDROME DO PÂNICO?
O ar parece faltar, o coração fica acelerado, o suor empapa a roupa. Esses são apenas alguns sintomas de uma crise de síndrome do pânico, também caracterizada por boca seca, tremores, tonturas e um mal-estar geral, acompanhados pela sensação de que algo terrível irá acontecer. A pessoa sente que pode morrer ou enlouquecer nos minutos seguintes.
Esse transtorno é causado pela chamada ansiedade patológica. De acordo com os psicólogos, a ansiedade é um estado emocional natural, e é completamente normal o sentimento de querer antecipar o futuro para evitar perigos ou tentar controlar danos. O problema fica caracterizado quando essa ansiedade começa a causar sofrimento demais para a pessoa. A preocupação culmina nas crises, e a pessoa fica ainda mais ansiosa porque não sabe quando a próxima irá acontecer.
Geralmente, a síndrome do pânico acontece no começo da vida adulta, e aparece em situações de estresse, como pressões no trabalho, no casamento ou na família, em que a pessoa se sente desamparada. O transtorno é de duas a quatro vezes mais freqüente nas mulheres, mas também pode ocorrer com sinais semelhantes nos homens. É claro que um único episódio de crise de ansiedade não caracteriza a síndrome do pânico, mas crises repetidas levam ao desenvolvimento do transtorno.
A maioria dos pacientes passa por vários médicos de especialidades diferentes em busca de uma resposta e do tratamento para tamanha ansiedade, sem saber ou, às vezes, aceitar, que tantos sintomas físicos sejam proveniente de problemas emocionais. Felizmente, o transtorno tem tratamento e, quanto mais precoce o diagnóstico, maiores são as chances de recuperação. Cada caso é especial, mas geralmente a pessoa é tratada com sessões de psicoterapia e medicamentos. Ela já começa a melhorar entre duas e quatro semanas, mas geralmente leva um ano para se recuperar. Raramente há cura espontânea e, apesar de muitas pessoas ainda colocarem em xeque a relevância de complicações psicológicas, a síndrome do pânico deve ser tratada como doença. Caso contrário, ou pode levar a complicações ainda maiores: depressão, desenvolvimento de outros transtornos de ansiedade, e abuso de álcool e/ou de sedativos, com prejuízos para a vida profissional, social e familiar.
A Síndrome do Pânico é uma doença caracterizada pelo distúrbio dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, possuindo como aspecto essencial, os ataques de ansiedade e nervosismo. Os ataques de pânico manifestam-se, via de regra através de períodos discretos de ataques repentinos, de intensa apreensão e medo, frequentemente associados com sentimentos de perigo de destruição iminente. A doença atinge pessoas de qualquer classe social, de qualquer profissão, seja na área urbana ou rural. Em 70% dos casos a doença começa a se manifestar entre os 20 e 35 anos uma fase de pleno crescimento profissional.
2.1 Etiologia (causa)
São consideradas possíveis 3 hipóteses básicas:
• Hiperatividade ou disfunção de sistemas ligados aos neurotransmissores (substâncias responsáveis pela transmissão do estímulo nervoso entre as células) cerebrais relacionados com vários elementos dos sistemas de alerta, reação e defesa do Sistema Nervoso Central (SNC).
• Alteração ainda não bem determinada na sensibilidade do SNC a mudanças bruscas de pH e concentrações de CO2 intracerebral e/ou hipersensibilidade de receptores pós-sinápticos (zona distal de contato entre duas células nervosas) de 5 hidroxitriptamina envolvidos no sistema cerebral aversivo.
• fatores genéticos.
2.2 Epidemiologia
Pesquisas realizadas nos EUA demonstram que para cada 1000 indivíduos cerca de 1 a 3 são afetados pelo TP.
No Brasil, infelizmente, as estatísticas são inconclusivas. Ocorre sobretudo em adultos jovens na faixa etária entre 20 e 45 anos de ambos os sexos, com predileção pelo feminino na proporção de 3:1. Nesta faixa etária os pacientes estão na plenitude de seu potencial de trabalho e ao apresentarem a doença são geradas conseqüências desastrosas voltadas tanto para o desenvolvimento profissional quanto social.
2.2.1 Critérios Diagnósticos do TP
O diagnóstico baseia-se nos seguintes critérios segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana:
Ataques de pânico recorrentes e inesperados. Critérios para o Ataque de Pânico:
Um curto período de intenso medo ou desconforto em que 4 ou mais dos seguintes sintomas aparecem abruptamente e alcançam o pico em cerca de 10 minutos.Sudorese palpitações e taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos) tremores ou abalos sensação de falta de ar ou de sufocamento sensação de asfixia náusea ou desconforto abdominal sensação de instabilidade, vertigem, tontura ou desmaio sensação de irrealidade (desrealização) ou despersonalização (estardistante de si mesmo) medo de morrer medo de perder o controle da situação ou enlouquecer parestesias (sensação de anestesia ou formigamento) calafrios ou ondas de calor .
Pelo menos um dos ataques ter sido seguido por 1 mês ou mais de uma ou mais das seguintes condições:
• medo persistente de ter novo ataque;
• preocupação acerca das implicações do ataque ou suas conseqüências (isto é, perda de controle, ter um ataque cardíaco, ficar maluco);
• uma significativa alteração do comportamento relacionada aos ataques
O Ataque de Pânico não ser devido a efeitos fisiológicos diretos de substâncias (drogas ou medicamentos) como: álcool, ioimbina, cocaína, crack, cafeína, ecstasy ou de outra condição médica geral (hipertireoidismo, feocromocitoma, etc…)
Os ataques não devem ser conseqüência de outra doença mental, como Fobia Social (exposição a situações sociais que geram medo), Fobia Específica (medo de avião, de elevador, etc…), Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Pós-traumático ou de Separação.
2.2.2 O Ataque e o TP
Devemos observar que existem critérios diagnósticos para considerar um paciente como portador de TP e eles devem ser bem estabelecidos. Um episódio de ataque de pânico isolado não preenche as condições necessárias para o diagnóstico de TP. Os sintomas que caracterizam o ataque devem ser recorrentes e não precipitados por uma situação ou acontecimento externo.
2.2.3 Diagnóstico Diferencial
Se os critérios diagnósticos são preenchidos há grande possibilidade de estarmos diante de um caso de TP, mas como muitos sinais e sintomas coincidem com os de outras doenças orgânicas e psiquiátricas, faz-se mister estabelecer-se o diagnóstico diferencial entre elas:
1. Doenças Orgânicas
• hipertireoidismo e hipotireoidismo;
• hiperpatireoidismo;
• prolapso da válvula mitral;
• arritmias cardíacas;
• insuficiência coronária;
• crises epilépticas (principalmente as do lobo temporal);
• feocromocitoma;
• hipoglicemia;
• labirintite, lesões neurológicas;
• abstinência de álcool e/ou outras drogas
Para que sejam avaliadas estas doenças é extremamente importante uma boa anamnese e avaliação clínica, como também tornam-se necessários exames laboratoriais (dosagem da glicemia, de hormônios, de ácidovanil-mandélico, etc…), gráficos (eletrocardiograma, teste ergométrico, Holter, eletroencefalograma basal com foto estimulação, hiperpnéia, privação de sono e sono induzido, etc…) e de imagem (tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética, ecocardiograma, etc…).
O SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography), exame atualmenterealizado em pesquisas (cintilografia com medida do fluxo sangüíneo regional cerebral, marcado com contraste radioativo) tem reveladoassimetria (direita > esquerda) no giro parahipocampal dos lobostemporais e na região órbito-frontal dos córtices pré-frontais dospacientes portadores de TP.
Outro fato que merece destaque é que cerca de 36 a 40% dos pacientes portadores de TP apresentam prolapso valvular mitral associado, revelado na ecocardiografia.
2. Distúrbios Psiquiátricos
• De ansiedade generalizada ;
• De depressão;
• De despersonalização ;
• somatiforme ;
• Esquizofrenia ;
• De caráter;
• Complicações e Interferências sócio-econômicas e familiares
As complicações decorrentes dos repetidos ataques de pânico induzem a gastos excessivos por parte dos pacientes com médicos e exames complementares, muitas vezes dispensáveis. Afastamento do trabalho, faltas, impossibilidade de aceitar promoções (por medo de assumir maiores responsabilidades) e até pedidos de demissão , são situações corriqueiras na vida destes pacientes, sobretudo se o TP não é diagnosticada precocemente e vem acompanhada de agorafobia (medo de freqüentar lugares públicos e abertos). Somando-se a estes fatos há uma deterioração econômica progressiva.
Socialmente, as sucessivas recusas a convites recebidos geram afastamento e perda dos contatos sociais.
No que tange ao relacionamento familiar, o paciente recebe inicialmente os cuidados dos parentes mais intimamente envolvidos. Após várias “peregrinações” a consultórios médicos, onde os exames insistentemente não demonstram patologia palpável, os familiares adotam atitude de estímulo para que o paciente saia da crise. Porém, com o tempo, esse mesmo paciente passa a ser alvo de críticas desferidas não só pela família como também de amigos que, lamentavelmente, só contribuem para o agravamento da situação.
O desenvolvimento da agorafobia ocorre porque os pacientes passam a ter medo de sofrer novo ataque de pânico onde um anterior já tenha acontecido (teatro ou cinema por exemplo).
Deve também ser lembrada a “ansiedade antecipatória” (vou ter a crise novamente?) apresentada pelos pacientes no desempenho de tarefas complexa sou mesmo simples como pegar seu carro e dirigir até o trabalho.
Se o diagnóstico e o tratamento eficaz não são estabelecidos precocemente maior será seu isolamento, assim como a tendência a não sair de casa. A perda de peso é freqüentemente observada.
3 TRATAMENTO DO TP
O fator primordial no início do tratamento é o efetivo bloqueio dos ataques ou redução na sua freqüência e intensidade, através do uso de medicamentos e desta forma (sem o sofrimento com os ataques) permitir outras abordagens terapêuticas.
É necessário que se estabeleça uma boa relação médico-paciente, um vínculo terapêutico e de informação. O conhecimento pelo paciente de sua doença, evolução, efeitos colaterais possíveis das drogas, necessidade do uso contínuo da medicação (o ajuste da dose capaz de bloquear os ataques terá que ser feito) pelo tempo necessário para o controle dos sintomas é imperativo. Os efeitos adversos das medicações devem ser informados para que não haja motivos de frustração ou culpa nos relacionamentos mais íntimos.
3.1 Drogas Antipânico
Embora ainda pouco conhecido, mas sabidamente eficaz, o mecanismo de ação destas drogas parece exercer seus efeitos através de ações às vezes aparentemente antagônicas, a nível dos sistemas de neurotransmissão cerebral, principalmente a noradrenérgica e serotoninérgica (neurotransmissores). As drogas aumentam a transmissão destas substâncias anível cerebral assim como a diminuição de sua captação.
No tratamento são usadas drogas sabidamente capazes de bloquear os ataques de pânico como
• Os benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoaminaoxidase, inibidores seletivos da recaptação deserotonina e os inibidores seletivos de serotonina e noradrenalina;
• Benzodiazepínicos: alprazolam e clonazepam;
• Antidepressivos Tricíclicos (ADT): imipramina, clorimipramina, amitriptilina, nortriptilina;
• Inibidores da Monoaminaoxidase (IMAO): tranilcipromina, moclobemida;
• Inibidores Seletivos da recaptação de serotonina: sertralina, fluoxetina, paroxetina, fluvoxamina e citalopram;
• Inibidores Seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina: venlafaxina.
Todos os medicamentos devem ser prescritos por médicos pois possuem efeitos colaterais.
Há grande controvérsia quanto ao tempo necessário para manutenção do tratamento. Grande parte dos autores admite ser a duração ideal entre 6 meses a dois anos com posterior suspensão gradativa dos fármacos e reavaliação se os ataques de pânicos voltam a ocorrer. Apesar de adotados estes critérios o índice de recaída após a suspensão da droga varia entre 20 e 50%.
O paciente deve ser informado de que o início da melhora da sintomatologia pode levar algumas semanas e depende do ajuste das doses necessárias para o bloqueio dos ataques, assim como de sua fiel adesão a terapêutica instituída. Este fato deve ser bem esclarecido ao paciente para que o portador de TP não fique ansioso ou deprimido com a expectativa de melhora imediata.
3.2 Apoio Psicoterápico
É também de fundamental importância. Visa à manutenção da adesão a terapêutica e a orientação quanto ao desenvolvimento e combate às complicações associadas. As técnicas cognitivo-comportamentais parecem serão mais eficazes neste sentido, aumentando inclusive a resposta ao tratamento medicamentoso.
À medida que os ataques de pânico se sucedem o paciente desenvolve hipocondria, fobias associadas direta ou indiretamente com as circunstâncias nas quais teve a crise, ansiedade basal e antecipatória, agorafobia, autodepreciação, depressão, desmoralização, alcoolismo e/ou uso abusivo de drogas. Qualquer combinação é possível e independe das características de personalidade embora estejam na dependência da severidade e freqüência das crises, assim como a demora no diagnóstico. O paciente deve ser paulatinamente encorajado (após bloqueados os ataques farmacológicamente) a enfrentar os lugares ou situações onde foi acometido pelo ataque e desta forma ir ganhando autoconfiança ao enfrentar suas adversidades.
4 FATORES PREDISPONENTES
Distúrbio de Ansiedade de separação na infância e a perda súbita de suportes sociais ou interrupção de relacionamentos interpessoais importantes, aparentemente predispõem o desenvolvimento deste distúrbio.
Pode-se citar como principais sintomas da doença os seguintes:
• Falta de ar;
• Vertigem;
• Palpitações (taquicardia);
• Tremor nos braços e/ou nas pernas;
• Sudorese;
• Sufocamento;
• Náusea ou desconforto abdominal;
• Despersonalização;
• Anestesia ou formigamento;
• Ondas de calor ou calafrios;
• Dor ou desconforto no peito;
• Medo de morrer;
• Medo de enlouquecer.
A ocorrência simultânea de quatro sintomas, dentre os acima discriminados, é suficiente para demonstrar a existência da doença. É importante ressaltar, ainda, que há ataques de pânico recorrentes várias vezes por semana ou até diariamente e que estes ataques podem ou não ser acompanhados de agorafobia.
4.1 Agorafobia
Medo de estar em lugares ou situações nas quais seja difícil sair, ou não haja ajuda disponível na hipótese da ocorrência de um ataque de pânico. Dentre as situações mais freqüentes de ago-rafobia, pode-se mencionar aquelas em que o indivíduo está sozinho e fora de casa, ou ainda, numa multidão, em uma fila, em uma ponte, numa viagem de ônibus, trem ou automóvel, etc.
4.2 Diferenças entre Fobia e Síndrome do Pânico
FOBIA – Medo exagerado e desproporcional ao estímulo, não conseguindo avaliar a realidade da situação. Surgem pensamentos catastróficos e a pessoa sabe que o medo é exagerado, mas não consegue evitar a ansiedade, sendo que quando elimina o estímulo aterrorizante desaparecem os sintomas.
SÍNDROME DO PÂNICO – Não existe estímulo externo, sendo que surgem ataques de pânico independente do lugar e da hora. É um distúrbio de ansiedade, no qual fundamenta-se em base orgânica e psicológica. Freud descreveu a Síndrome do Pânico como Neurose de Angústia em 1894, que apresenta traços de muita tensão e atividade mental associado aos sintomas somáticos como tremores, taquicardia, hiper-ventilação e vertigens. Angústia é uma forma de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido.
5 CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE
São pessoas com tendência ao perfeccionismo tendo uma autocrítica muito grande e não se permitindo falhar em nenhum aspecto. Há uma cobrança extrema quanto à execução de atividades corretamente e de certa forma esperando a mesma atitude alheia. Apresentam-se como workaholics com dificuldades para relaxar e centralizadores. Profissionalmente possuem ótima capacidade intelectual, mas denotam dificuldade nos relacionamentos afetivos.
5.1 Durante as crises
No momento da crise os pacientes tomam tranqüilizantes e, posteriormente há uma melhora da crise. A crise desaparece por volta de 05 a 30 minutos, com ou sem os medicamentos.
– o tranqüilizante, tomado por via oral ou intramuscular leva de 40 a 60 minutos para surtir efeito, donde se conclui que, o efeito do medica-mento se dá no momento em que a crise já cessou.
– o tranqüilizante ajuda na fase pós crise, relaxando o paciente justamente no período de mais necessidade, já que ele fica ansioso, cansado e com medo de que a crise volte. -o controle das crises pode ser obtido mais ou menos dentro de 02 a 04 semanas com uso de medicamentos.
– somente após o bloqueio das crises é que se deve estimular o paciente a enfrentar de forma progressiva as situações temidas.
– quando a pessoa estiver no meio de uma crise, inspire pelo nariz e conte até quatro depois expire pela boca e conte novamente até quatro. Repita esse movimento várias vezes até a sensação de tontura passar.
– pode ser feito um relaxamento autógeno ou qualquer outro tipo de relaxamento para que o paciente consiga um auto controle sobre o seu físico, pois após a crise há um desgaste emocional e físico muito grande.
– é importante desviar a concentração da mente para situações agradáveis ou conversar com alguém para ajudar nesse processo.
– o familiar que estiver acompanhando o tratamento deve deixar o paciente sem tensão ou cobrança, pois nesse momento o próprio paciente fica em desespero para que volte ao normal. O ambiente familiar deve ser propício para que isso aconteça. – o paciente não precisa sentir vergonha dessa fragilidade, pois a maioria das pessoas sentem as mesmas aflições.
5.2 Complicações da Síndrome do Pânico
Com a repetição das crises podem surgir algumas complicações tais como: hipocondria; fobias associadas direta ou indiretamente com as situações nas quais teve a crise; ansiedade basal; ansiedade de antecipação; agorafobia; auto depreciação e desmoralização; depressão; alcoolismo e/ ou abuso de drogas.
5.2.1 Ansiedade Basal
Tensão muscular; dores provenientes da tensão; dificuldade para relaxar, sendo que o paciente fica sempre em alerta esperando uma nova crise; intolerância a barulho; impaciência; irritabilidade; agressividade verbal; insônia; fadiga no final do dia.
5.2.2 Ansiedade de antecipação da crise
O paciente pode associar a crise aos locais onde as teve, criando um condicionamento e, dessa forma sente-se ansioso podendo até ter crises de pânico quando se confronta fisicamente com a situação.
5.2.3 Evitação Fóbica
Cada vez que o paciente tenta enfrentar uma situação fica mais ansioso, chegando ao ponto de ter a crise de pânico. Quanto mais se evita uma situação, mais receio dela se vai adquirindo.
5.2.4 Hipocondria
Uma preocupação excessiva com a saúde física, o que se nota pelo fato da pessoa observar com mais freqüência suas funções, em particular a cardiovascular. O paciente começa a acreditar que deve haver algo muito sério com sua saúde física, algo que os médicos e exames não são capazes de detectar ou então estão lhe escondendo.
5.2.5 Fobias
Associadas direta ou indiretamente com as situações nas quais teve as crises. Como a crise de pânico não escolhe lugar nem hora, a tendência é ir ampliando progressivamente as fobias ou a ter medo de praticamente tudo.
5.2.6 Auto depreciação e desmoralização
As limitações impostas pelo estado fóbico-ansioso comumente levam a outras complicações, tais como: sentimentos de auto depreciação e desmoralização. Há queda de qualidade de vida do paciente e da família, além do sentimento de responsabilidade pela doença e por uma hipotética falta de força de vontade para superar o problema.
5.2.7 Depressão
Pacientes com pânico e suas complicações podem desenvolver depressão, a qual é reativa as limitações fóbicas ansiosas impostas à vida do indivíduo. Essa depressão é secundária e ela desaparece quando o paciente melhora do pânico.
5.3 Gravidade do evitamento Agorafóbico
LEVE: Algum evitamento, mas estilo de vida relativamente normal, por exemplo, viaja desacompanhado quando necessário, tal como a trabalho ou a compras.
MODERADO: Resulta num estilo de vida restrito, por exemplo, a pessoa é capaz de deixar a casa sozinha, porém, somente consegue percorrer alguns quilômetros desacompanhada.
GRAVE: Por evitamento, resulta em estar parcial ou completamente restrita a casa ou incapaz de sair desacompanhada.
5.4 Gravidade dos ataques de Pânico
LEVE: Durante o último mês, ou todos, ou não houve mais do que um ataque de pânico.
MODERADO: Durante o último mês os ataques foram intermediários entre ataques leves e graves.
GRAVE: Durante o último mês houveram pelo menos oito ataques de pânico.
As conseqüências da síndrome do pânico afetam três áreas:
• ECONÔMICA: Os gastos excessivos com médicos e exames são dispensáveis, exceto o ecocardiograma . Este exame revela que 30% dos pacientes com pânico possuem uma alteração benigna chamada Prolapso da Válvula Mitral. Outro prejuízo econômico são as faltas e os afastamentos do trabalho em auxílio-doença e, às vezes internações em UTI ou clínicas e hospitais psiquiátricos sem nenhum benefício. Podem ocorrer recusas de promoções por falta de segurança e desmoralização, ou pedido de demissão e dispensa por causa da agorafobia.
• SOCIAL: O paciente se restringe ao seu convívio familiar, recusando os convites sociais e, por outro lado, os amigos vão se afastando em virtude das dificuldades de relacionamento que o paciente vai adquirindo com a ocorrência sucessiva das crises.
• FAMILIAR: Após várias consultas médicas e exames mostrando que o paciente não tem aparentemente nada, os familiares acham que tudo não passa de falta de força de vontade ou talvez consideram responsabilidade do próprio paciente a superação do problema. Como às vezes o paciente só sai ou faz algo acompanhado pode tolher-se a liberdade da pessoa de quem se depende, trazendo aborrecimentos e gerando dificuldades de relacionamento conjugal ou com a família.
6 FORMAS DE TRATAMENTO
PSIQUIÁTRICO – Há necessidade de medicação para equilibrar os neurotransmissores.
Os quadros em que as pessoas apresentam a ansiedade como principal fator a caracterizar sua patologia são denominados Transtornos Ansiosos e os principais são:
• Transtorno do Pânico;
• Fobia Simples;
• Fobia Social;
• Transtorno Obsessivo-compulsivo;
• Estado de estresse pós traumático;
• Ansiedade generalizada;
• Distúrbio Misto depressivo – ansioso
TRATAMENTO CLÍNICO – Devido aos comprometimentos que o transtorno do pânico trás a seus portadores é muito importante que se já instituída uma conduta terapêutica adequada. O tratamento poderá, em muitos casos deverá, ser realizada através de medicamentos e de psicoterapia.
Os medicamentos mais úteis no tratamento do TP são os anti-depressivos. Geralmente, em doses baixas eles são capazes de bloquear os ataques de pânico, revertendo suas conseqüências e permitindo a retomada das atividades do paciente. Uma porcentagem significativa dos pacientes apresentam uma piora dos sintomas ansiosos, com piora dos ataques, ao iniciar o tratamento com anti-depressivos. Essa resposta ao início da medicação tende a desaparecer após alguns dias de uso do medicamento, não constituindo motivo para abandonar o tratamento farmacológico. Medidas como iniciar com doses baixas de antidepressivos reduzem o risco desse tipo de reação inicial.
Atualmente dispomos de diversos antidepressivos no mercado, que podem ser utilizados com sucesso no manejo dos pacientes com TP.
São eles:
• Antidepressivos Tricíclicos (ADT): Clomipramina (Anafranil); Imipramina (Tofranil).
Apesar de drogas bastante eficazes no controle dos ataques de pânico, apresentam muitos efeitos colaterais (boca seca, sudorese, obstinação intestinal, retardo ejaculatório, e ganho de peso, entre os principais) que podem fazer o paciente abandonar o tratamento.
• Inibidores Seletivos da Recaptura da Seratonina (ISRS): Fluoxetina (Prozac, Eufor, Daforin, etc), Paroxetina (Aropax), Sertralina (Zoloft, Sercerim) entre outros.
Medicamentos mais novos que por atuarem especificamente sobre o neurotransmissor serotonina acabam tendo poucos efeitos colaterais sobre o organismo dos pacientes. Mesmo assim algumas pessoas tendem a reclamar de dor de cabeça (transitória), náuseas, dor de estômago e vômitos (transitório) e perda de libido.
• Inibidores da Mono Amino Oxidase (IMAO): Tranilcipromina (Parnate), Fenelzina, Moclobemida (Aurorix).
Alguns pacientes se beneficiam do uso de IMAOs, porém tirando a Moclobemida, o manejo terapêutico das outras drogas dessa família não é simples, para quem não esta acostumado, pois são necessárias várias restrições alimentares, não podendo, também associar essa droga com diversos medicamentos.
Normalmente o efeito benéfico dos antidepressivos se faz presente após uma a duas semanas de uso dessa medicação. Mesmo estando bem, tendo voltado ao estado normal, o paciente deve manter o uso da medicação por um período de aproximadamente um ano, para reduzir o risco dos ataques voltarem após a descontinuação da medicação. Apesar de todo o medo que as pessoas têm em relação ao uso desse tipo de medicação (ficar dependente,mudar seu jeito de ser, fazer coisas sem saber, ficar “dopado”), seu uso é bastante seguro quando orientado por um psiquiatra experiente.
• Além do uso de antidepressivos, é muito comum a utilização de ansiolíticos que são conhecidos como Benzodiazepínicos: Al;prazolan(Frontal, Clonazepan (Rivotril), Diazepam (Diempax, Valium, etc.).
Apesar de muito utilizados, os resultados obtidos tendem a ser parciais, pois conseguem combater alguns sintomas da crise que esta acontecendo, mas não impedem o aparecimento de novas crises. Além disso, tendem a deixar o paciente sonolento, sem contar o risco de levar o paciente à dependência. Não devem ser utilizados por longos períodos de tempo, pois o organismo tende a se acostumar e passa a exigir doses maiores para ter o mesmo efeito.
• Ainda em relação a drogas que combatem sintomas dos ataques de pânico, podemos citar os beta-bloqueadores (inderal, Propranolol) que diminuem a taquicardia que em alguns pacientes parece ser o pior dos sintomas.
De qualquer forma a melhor pessoa para indicar e acompanhar seu tratamento, do ponto de vista medicamentoso, é o psiquiatra. Desaconselhamos à auto-medicação, pois qualquer medicamento tomado de forma incorreta pode ser mais prejudicial do que benéfico.
Uma outra razão importante para procurar um médico que conheça o problema é que ele poderá orientar quanto à investigação do seu problema procurando descartar outras condições clínicas que possam causar sintomas parecidos com um ataque de pânico. Entre as várias
patologias que devem ser decartadas podemos citar:
• Doenças Endócrinas (hipertireoidismo, feocromocitoma, etc.);
• Doenças Cardiovasculares (Infarto do miocárdio, arritmias,PVM;
• Doenças respiratórias (asma brônquica, hipoxia, etc.);
• Doenças neurológicas (tumores cerebrais, epilepsia, cefaléias;
• Disfunções metabólicas (acidose, desidratação, etc.);
• Intoxicação por drogas (cocaína, anfetamina, cafeína, álcool,etc.);
• Síndrome tensão pré-mestrual.
Muitas vezes não há necessidade de se realizar dezenas de exames laboratoriais bastando um bom histórico clínico para que o médico possa descartar certas doenças.
PSICOTERÁPICO – Focado no enfrentamento das fobias da técnica da terapia cognitiva comportamental, no qual limita o paciente em várias áreas. Depois um enfoque profundo na psicodinâmica independente da linha psicológica, elaborando as mudanças de alguns comportamentos inadequados. O paciente precisa redimensionar alguns conteúdos da personalidade, tais como: perfeccionismo, controle das situações, poder, centro das atenções, workaholic, auto crítica exacerbada. No processo psicoterápico a pessoa precisa trabalhar as complicações da doença para que sinta mais segurança e equilíbrio no dia a dia.
6.1 Qual é a população atingida?
As pessoas que tem o T.P., em sua maioria, são pessoas jovens (faixa etária de 21 a 40 anos), que encontram-se na plenitude de suas vidas profissionais. O perfil da personalidade das pessoas que sofrem do T.P., costuma apresentar aspectos em comum: geralmente são pessoas extremamente produtivas a nível profissional, costumam assumir uma carga excessiva de responsabilidades e afazeres, são bastantes exigentes consigo mesmos, não convivem bem com erros ou imprevistos, têm tendência a se preocuparem excessivamente com problemas cotidianos, alto nível de criatividade, perfeccionismo, excessiva necessidade de estar no controle e de aprovação, auto-expectativas extremamente altas, pensamento rígido, competente e confiável, repressão de alguns ou todos os sentimentos negativos (os mais comuns são, o orgulho e a irritação), tendência a ignorar as necessidades físicas do corpo, entre outras. Essa forma de ser acaba por predispor estas pessoas a situações de stress acentuado, fato este que pode levar ao aumento intenso da atividade de determinadas regiões do cérebro desencadeando assim um desequilíbrio bioquímico e consequentemente o aparecimento do T.P.
Vale ressaltar ainda que alguns medicamentos como anfetaminas (usados em dietas de emagrecimento) ou drogas (cocaína, maconha, crack, ecstasy, etc), podem aumentar a atividade e o medo promovendo alterações químicas que podem levar ao T.P.
7 ENTREVISTA COM Márcio Bernik é médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Síndrome do pânico
A síndrome do pânico, na linguagem psiquiátrica chamada de transtorno do pânico, é uma enfermidade que se caracteriza por crises absolutamente inesperadas de medo e desespero. A pessoa tem a impressão de que vai morrer naquele momento de um ataque cardíaco porque o coração dispara, sente falta de ar e tem sudorese abundante.
Quem padece de síndrome do pânico sofre durante as crises e ainda mais nos intervalos entre uma e outra, pois não faz a menor idéia de quando elas ocorrerão novamente, se dali a cinco minutos, cinco dias ou cinco meses. Isso traz tamanha insegurança que a qualidade de vida do paciente fica seriamente comprometida.
Drauzio – Que diferença existe entre ansiedade normal e a que caracteriza a síndrome do pânico?
Bernik – Ansiedade é um estado emocional normal. Uma das características do sucesso da espécie humana é a capacidade de antecipar o perigo, o que requer uma preparação geradora de ansiedade. A ansiedade é patológica quando deixa de ser útil e passa a causar sofrimento excessivo ou prejuízo para o desempenho da pessoa. O transtorno do pânico é uma das formas de manifestação da ansiedade patológica.
Drauzio – No dia-a-dia, quando as pessoas dizem que estão ansiosas a que exatamente estão se referindo?
Bernik – Provavelmente se referem a um estado emocional normal, um tipo de ansiedade que as faz ficar acordadas até mais tarde na véspera de uma prova ou de uma entrevista para um emprego novo. É a ansiedade que nos permite, apesar do cansaço, jogar bola até o final do segundo tempo sem deitar e dar um cochilo no campo.
A ansiedade advinda da preocupação de que alguma coisa possa dar errado é útil dentro do contexto apropriado. Por isso, quando as pessoas se dizem ansiosas, estão mesmo, e isso pode não representar inconveniente maior.
A ansiedade patológica é desproporcional ao contexto. As sensações que o paciente com transtorno do pânico experimenta nas crises podem ser absolutamente normais e apropriadas se a pessoa estiver dentro de um prédio pegando fogo, com a diferença de que, nesse momento, sua atenção estará voltada para a própria sobrevivência e ela não dará importância às manifestações de taquicardia, sudorese e falta de ar que se instalaram.
Drauzio – Os sintomas que o transtorno do pânico provoca são semelhantes ao da ansiedade normal, apenas mais intensos, ou são diferentes?
Bernik – Os sintomas são relativamente similares. As sensações físicas da ansiedade são uma reação normal, por exemplo, caso a pessoa tenha fobia de lagartixa ou de falar em público e se veja diante de uma dessas situações. O que caracteriza o pânico é a forma abrupta e inesperada que os sintomas aparecem e o fato de a crise atingir o ápice em dez minutos. Na verdade, bastam 30 segundos para o paciente, que estava se sentindo bem, ser tomado inexplicavelmente por sintomas que de certa forma todos conhecemos: boca seca, tremores, taquicardia, falta de ar, mal-estar na barriga ou no peito, sufocamento, tonturas. Muitas vezes, tudo isso vem acompanhado da sensação de que algo trágico, como morte súbita ou enlouquecimento, está por acontecer. Nesses casos, é comum a pessoa ter uma reação comportamental de pânico e sair à procura de socorro. Aliás, a sala de espera dos prontos-socorros é um dos lugares onde o médico mais se depara com transtornos de pânico.
Drauzio – Nessa hora a sensação é terrível. Muitos acham que realmente vão morrer, não é?
Bernik – No episódio de pânico, a sensação de morte iminente provocada por um problema cardíaco tem duas explicações: a rapidez e a forma inesperada com que a crise acontece. A ansiedade normal tende a ocorrer em ondas, não em picos intensos. Mesmo o pânico que as pessoas sentem numa montanha-russa extremamente radical pode ser até agradável se estiver dentro de um contexto compreensível. Entretanto, a reação será muito diferente, se ele vier do out of the blue, como dizem os americanos, ou do azul do céu, como dizemos nós.
Drauzio – Quais são os gatilhos mais freqüentes para as crises do transtorno de pânico? Por que uma pessoa passa 30 anos sem ter nada e um dia, por ter ficado fechada dentro de um elevador quebrado, começa a manifestar o problema em situações que nada tem a ver com esse fato?
Bernik – O transtorno de pânico é uma doença que se manifesta especialmente em jovens e acomete mais as mulheres do que os homens. A maioria dos pacientes tem a primeira crise entre 15 e 20 anos desencadeada sem motivo aparente.
Com o passar do tempo, as crises vão se repetindo de maneira aleatória. Não prever quando podem surgir novamente gera uma ansiedade chamada de antecipatória. A pessoa fica preocupada com o fato de que os sintomas possam aparecer numa situação para a qual não encontre saída nem ajuda, como dentro de elevadores, metrô, aviões, salas-de-espera de médicos e dentistas, congestionamentos de trânsito. Se reagir de forma a evitar esses lugares a partir dessa experiência, desenvolverá uma segunda doença, a agorafobia, um quadro fóbico provocado pelo pânico não tratado e que se caracteriza por fugir de situações nas quais uma crise de pânico possa representar perigo, causar embaraço ou a sensação de estar presa numa armadilha. Geralmente os pacientes com pânico sofrem mais pela agorafobia do que pelo pânico em si. É o medo do medo.
Drauzio – Isso não seria de certo modo inevitável?
Bernik – Não é inevitável. É raro, mas algumas pessoas com personalidade mais robusta, mesmo com crises freqüentes, não desenvolvem agorafobia. Outras, depois de duas ou três crises, praticamente ficam presas ao lar. Nos casos mais graves, o paciente não consegue sair de casa sozinho. É importante registrar que a maioria das pessoas rapidamente desenvolve algum grau de limitação. Em geral, só conseguem ir trabalhar, se puderem percorrer o mesmo caminho. Pegar um avião ou uma estrada congestionada num feriado é hipótese fora de cogitação.
Outra característica importante da agorafobia é que, uma vez estabelecida, não constitui uma fase passageira da doença e não cura sozinha. Além disso, as crises não desaparecem com a idade. Começam quando a pessoa é jovem e se manifestam até a idade madura.
Até pouco tempo atrás, as crises de transtorno do pânico eram atribuídas ao nervosismo ou desequilíbrio psicológico. Nos prontos-socorros, recebiam o diagnóstico de piripaque ou distúrbio neurovegetativo, uma maneira mais ou menos pejorativa de os médicos dizerem que o paciente não tinha nada, embora estivesse apresentando um episódio patológico de origem cerebral.
Drauzio – Qual a participação do sistema nervoso central na crise do pânico?
Bernik – Nada é puramente psicológico porque os fenômenos psicológicos passam pelo cérebro. As estruturas que deflagram o pânico num indivíduo são as mesmas que existem em todos nós para desencadear uma reação de fuga e luta numa situação de emergência.
Ao longo da evolução da espécie humana, o cérebro humano desenvolveu sistemas fundamentais para responder a perigos próximos ou distantes que levem à destruição imediata do organismo. O pânico resulta da hiperatividade desse sistema cerebral que foi desenhado para produzir respostas imediatas ao perigo iminente.
Drauzio – Como costumam evoluir os casos não tratados de transtorno do pânico?
Bernik – O transtorno do pânico tem um curso bastante característico. O paciente típico é uma mulher (o quadro é duas a quatro vezes mais freqüente nelas), mas a doença também pode ocorrer com evolução e sintomas idênticos nos homens. Atribui-se essa freqüência maior no sexo feminino à sensibilização das estruturas cerebrais pela flutuação hormonal, visto que a incidência de pânico aumenta no período fértil da vida.
Geralmente, depois da primeira crise, ocorrem outras – duas a quatro por semana – que vêm e passam. A partir de então, num período que se estende de um até cinco anos, uma série de conseqüências começa a manifestar-se. A pessoa tranqüila de antes se torna tensa por dois motivos especiais: a expectativa da próxima e inesperada crise e, paradoxalmente, porque a tensão protege contra o pânico. Se antes possuía uma personalidade relaxada e autoconfiante, fica insegura e leva uma vida mais restrita por causa da agorafobia que se instalou. A longo prazo, 60% dos pacientes com pânico apresentam depressão e 12% tentam suicídio.
Existe também uma associação entre transtorno do pânico e alcoolismo secundário como forma de autotratamento contra a ansiedade.
Drauzio – Como você orienta o tratamento de uma pessoa que diz ter crises de pânico em determinadas situações?
Bernik – O pânico pode indicar um problema primário próprio do transtorno de pânico ou ser a manifestação secundária do uso exagerado de medicamentos que podem provocar crises de pânico em pessoas propensas, como os corticóides e a maioria das anfetaminas, no Brasil, largamente usadas por mulheres jovens que querem emagrecer. É preciso pesquisar também o uso de psico-estimulantes, como a cocaína e o ecstasy, uma anfetamina halogenada de ação serotonérgica extremamente rápida. Portanto, é fundamental verificar se o quadro de pânico é secundário a outras patologias. O hipertireoidismo, por exemplo, pode provocar sintomas muito parecidos com os das crises de pânico.
Uma vez afastadas essas possibilidades, é relativamente simples firmar o diagnóstico clínico do transtorno de pânico. Os sintomas são muito claros. Deve-se, ainda, tentar fazer uma análise funcional para estabelecer as limitações que a doença acarretou a fim de estimular uma melhora na qualidade de vida do paciente.
Drauzio – O tratamento implica uma parte medicamentosa e outra comportamental. Qual é a orientação que se dá aos doentes?
Bernik – O que se sabe hoje é que a técnica de combinar medicamentos e terapia comportamental é mais eficiente, pois é muito penoso para o paciente adotar um programa comportamental baseado na exposição a situações que provocam pânico, sistematicamente, de forma gradual e progressiva, até que ocorra a dessensibilização.
A terapia de exposição baseia-se na capacidade de o ser humano habituar-se ao estresse. É como se assistisse a um filme de terror 15 vezes. Na primeira vez, os cabelos ficam em pé. Na segunda, como já sabe o que vai rolar e que vai espirrar sangue no teto, a reação é menos intensa. Na última, o filme não desperta mais nenhuma resposta emocional. Todavia, os pacientes aceitam melhor o tratamento e melhoram mais depressa se simultaneamente tomarem antidepressivos, medicação que se torna obrigatória para os 60% daqueles que têm depressão associada ao pânico.
Drauzio – O tratamento deve ser mantido por quanto tempo?
Bernik – O tratamento deve ser mantido por seis meses no mínimo e idealmente por um ano. A melhora costuma ocorrer entre duas e quatro semanas, mas parece que as alterações biológicas demoram meses para desaparecer. Desse modo, se o tratamento for interrompido nos primeiros sinais de melhora, 80% dos pacientes vão sofrer recidiva em quatro a seis semanas.
Drauzio – O tratamento leva de duas a três semanas para começar a surtir resultados e os medicamentos dão alguns efeitos colaterais. Essas duas razões podem levar o paciente a abandonar o tratamento?
Bernik – Mesmo que o médico inspire confiança e haja ótimo relacionamento entre ele e o paciente, um a cada três abandona o tratamento porque, numa equação infeliz, os efeitos colaterais aparecem no primeiro dia e a melhora, só duas ou três semanas depois. Há ainda a agravante de que as crises de pânico pioram nas primeiras 48 horas do tratamento com remédios.
Drauzio – Há pacientes que precisam tomar remédio a vida inteira como em certos casos de depressão?
Bernik – Procuro manter meus pacientes tomando remédio pelo menos por um ano, o tempo ideal para evitar uma recidiva precoce.
O pânico é mais recidivante do que a depressão. No entanto, o remédio que funcionou na primeira crise vai funcionar nas outras. De qualquer forma, é importante alertar os pacientes de que, em 80% dos casos, as crises podem voltar. Mas, se voltarem, os medicamentos serão os mesmos porque não induzem tolerância.
Drauzio – Terapias alternativas como meditação e ioga fazem algum efeito?
Bernik – Sou fã dessas duas que você mencionou nem tanto para o pânico que, às vezes, é uma doença biológica. No entanto, para os problemas de ansiedade e para as pessoas que manifestam preocupação excessiva chamada de ansiedade generalizada, atividades contemplativas como a meditação e ioga ajudam a assumir uma atitude menos agressiva perante o mundo, menos carregada de espírito competitivo, ou seja, a desenvolver um comportamento oposto ao que as empresas preconizam.
Terapias alternativas que incluem remédios como o Hipericum ou à base de flores não têm sua eficácia comprovada e, aparentemente, funcionam como placebos. No caso específico do Hipericum, há relatos de hemorragia por causa de sua propriedade anticoagulante. O fato de ser uma erva não quer dizer que não faça mal.
Drauzio – É sempre bom lembrar que muitos dos piores venenos que conhecemos vêm de ervas.
Drauzio – Qual é o papel do exercício físico nos transtornos de pânico?
Bernik – Além de fazer bem para todo o mundo porque é excelente para o condicionamento cardiovascular, o exercício físico provoca algumas sensações semelhantes às da síndrome do pânico. É impossível fazer um exercício físico vigoroso sem sentir taquicardia, sudorese, perna bamba. Por isso, não se pode diagnosticar transtorno de pânico se os sintomas ocorrerem após atividade física extenuante.
Entretanto, experimentar essas sensações de pânico num contexto agradável, por exemplo, numa partida de vôlei ou num jogo de futebol, ajuda no processo de dessensibilização. Por isso, se não houver contra-indicações, exercícios físicos mais vigorosos representam uma forma de terapia de exposição às sensações internas que o pânico causa.
Drauzio – Como a família deve portar-se diante de um portador do transtorno de pânico?
Bernik – O pânico, como todas as doenças psiquiátricas, não dá pintas vermelhas na cara como o sarampo nem 39º de febre. Por isso, é muito comum a família entendê-lo como uma forma de fraqueza moral e de personalidade e reagir da seguinte maneira: “eu também não gosto de trânsito, mas vou trabalhar todos os dias”.
Por isso, é de importância fundamental a conscientização da família. Grupos de auto-ajuda, livros sobre o assunto ou mesmo a internet podem ser úteis para que os familiares entendam a natureza da doença. O mal-estar que o paciente experimenta num congestionamento é muito diferente do desconforto que qualquer um de nós possa sentir. Por outro lado, o excesso de compreensão pode favorecer a esquiva fóbica e a pessoa não sai mais de casa nem para ir à padaria. Na verdade, a agorafobia cresce com os bons cuidados. A família deve incentivar a atividade do doente. “Eu sei que você não se sente bem, mas é importante continuar indo à escola”, ou “se você conseguisse ir ao clube, ir trabalhar e não pedisse demissão seria melhor para sua auto-estima” são estímulos importantes para os pacientes com síndrome do pânico.
Repouso é bom para gripe. Para doenças crônicas como depressão e pânico que muitas vezes a pessoa carrega pela vida afora, o pior é ficar em casa repousando. O certo é levar vida o mais normal possível apesar das dificuldades.
Drauzio – Qual o papel da maconha nos pacientes com transtorno do pânico?
Bernik – Um dos mecanismos de ação da maconha é o estímulo serotonérgico, também provocado pelo LSD, uma droga alucinógena ligada às crises de pânico. Não há quem não tenha ouvido falar no bad trip, a viagem sem volta, caracterizado por um mal-estar intenso que pode levar ao suicídio.
Embora haja relatos de que a maconha é relaxante, dá sono e fome, está demonstrado que pode desencadear crises de pânico em pessoas predispostas. Por isso, pacientes com transtorno de pânico não devem fumar maconha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem pessoas, não importa de que classe social, vagam pelos consultórios e clínicas do mundo inteiro sem que ninguém seja capaz de lhes dizer qual a verdadeira origem de seus males. A pessoa passa por uma série interminável de consultas e exames, em boa parte pagos com dinheiro público, acaba entrando nas estatísticas de certas doenças, mas não tem seu problema resolvido. Três quartos das pessoas com distúrbio mental não estão onde deveriam estar: no psiquiatra ou no psicólogo. Estão nas mãos do cardiologista, do neurologista ou de outro especialista qualquer. É uma multidão que não trata a sua doença de forma adequada, pois um mau diagnóstico pode levar essas pessoas a conviver com enormes desconfortos, que acabam se estendendo a toda a sua família.
Transtorno do pânico é um problema sério de saúde. Este distúrbio é nitidamente diferente de outros tipos de ansiedade, caracterizando-se por crises súbitas, sem fatores desencadeantes aparentes e, frequentemente, incapacitantes. Depois de ter uma crise de pânico – por exemplo, enquanto dirige, fazendo compras em uma loja lotada ou dentro de um elevador – a pessoa pode desenvolver medos irracionais (chamados fobias) destas situações e começar a evitá-las. Gradativamente o nível de ansiedade e o medo de uma nova crise podem atingir proporções tais, que a pessoa com o transtorno do pânico pode se tornar incapaz de dirigir ou mesmo pôr o pé fora de casa. Neste estágio, diz-se que a pessoa tem transtorno do pânico com agorafobia. Desta forma, o distúrbio do pânico pode ter um impacto tão grande na vida cotidiana de uma pessoa como outras doenças mais graves – a menos que ela receba tratamento eficaz e seja compreendida pelos demais.
O T.P. já é considerado um problema sério de saúde. Atualmente 2 a 4% da população mundial sofre deste mal, que acomete mais mulheres do que homens em uma proporção de 3 para 1. Há muito que o T.P. deixou de ser um diagnóstico de exclusão. Hoje, mais do que nunca, há necessidade de um diagnóstico de certeza para tal entidade clínica. As pessoas que sofrem deste mal costumam fazer uma verdadeira “via-crucis” a diversos especialistas médicos (“doctor shopping”) e após uma quantidade exagerada de exames complementares recebem, muitas vezes, o patético diagnóstico do “nada”, o que aumenta sua insegurança e seu desespero. Por vezes esta situação dramática é reduzida a termos evasivos como: estafa, nervosismo, stress, fraqueza emocional ou problema de cabeça. Isto pode criar uma incorreta impressão de que não há um problema de fato e de que não existe tratamento para tal patologia.
O T.P. é real e potencialmente incapacitante, mas pode ser controlado com tratamentos específicos. Por causa dos seus sintomas desagradáveis, ele pode ser confundido com uma doença cardíaca ou outra doença grave. Frequentemente as pessoas procuram um pronto-socorro quando têm a crise de pânico e podem passar desnecessariamente por extensos exames médicos para excluir outras doenças.
Os médicos em geral tentam confortar o paciente em crise de pânico, fazendo-o entender que não está em perigo. Mas estas tentativas podem às vezes piorar as dificuldades do paciente: se o médico usar expressões como “não é nada grave”, “é um problema de cabeça” ou “não há nada para se preocupar”, isto pode produzir uma impressão incorreta de que não há problema real e de que não existe tratamento ou de que este não é necessário, conforme já comentado.
REFERÊNCIAS