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terça-feira, novembro 19, 2024

UMA LEITURA CRÍTICA SEGUNDO A VIOLENCIA EM HOBBES 1/2

INTRODUÇÃO

Neste trabalho relata-se as preocupações de Thomas Hobbes em apresentar o estado de guerra, o Estado Civil e a sociedade, tentando compreender o homem, suas paixões, seus desejos e suas relações com os outros. Contudo, é da compreensão da natureza humana que ele parte para teorizar sobre um modelo de Estado que fosse o mais eficiente possível na tarefa de garantir a manutenção do estado de sociedade.
A obra de Thomas Hobbes é considerada, na área da ciência política, como um marco que se impõe como importante referencial à passagem do pensamento político para a modernidade política. Tentando dá uma solução como deveria viver esses homens fora do estado de natureza, que não viessem mais a se destruir e nem destruir o seu semelhante, mas que vivessem sobre o mandato do Estado Civil por meio do pacto feito ao soberano.
Ainda neste trabalho mostra-se dois aspectos característicos desses dois estados onde ambos estão contidos a violência tanto física quanto à força das armas. Pois aqui no estado de natureza Hobbes ilustra o homem como livre com todo direito e nenhum dever para com o semelhante, e isso lhe dar o direito de fazer o que quer sem precisar de punição, ou seja, predomina a lei do mais forte. Já o Estado Civil ao contrário do estado natural, não predomina a lei do mais forte, porém a Lei do soberano que representa o Estado Civil.
Não é atoa uma frase dita por Hobbes que resume um pouco seu pensamento a respeito do que pensa o homem no estado de guerra: “o homem é o lobo do homem”. Isso para dizer que o homem é inseguro e sem confiança, a qualquer momento pode destruir seu semelhante, por causa da inveja e a busca da honra querendo sempre ser o melhor levando vantagem em tudo o que faz. Mas há um bem primeiro que os homens devem conservar que é a sua própria vida, caso contrário o homem chega a sua extinção. E o mal primeiro que é considerado um dos maiores é a morte na qual o homem não pode se defender dela, por isso o medo de morrer os causa conflitos uns com os outros em defesa da vida, porém a sua e não a do outro.
Portanto, a violência no Estado Civil se dá por uma necessidade de poder e de evitar a guerra. Daí pode-se trazer para os dias atuais e ver que as idéias de Hobbes estão ainda muito presentes baseadas no poder e as desordens dos homens; e observar que essa invenção da não-guerra é muito ambígua, porque afinal não há acordo ou conciliação que possa resolver questões entre membros da sociedade que fundamentalmente são inimigos. E olhando para essa realidade atual sobre os acontecimentos causados pelo homem, pode-se fazer um retorno ao Leviatã a respeito desse homem. E sobre esse desejo humano, Hobbes descreve o homem como um ser com uma compulsão que o transcende e o impele a obter sempre mais poder, e uma vez que o desejo é sinônimo de vida humana, está instituído o impasse que inviabilizará a vida no “estado de natureza” forçando a humanidade a uma saída deste impasse, uma vez que permanecer no “estado de natureza” significaria estabelecer um tipo de vida extremamente insegura e ameaçadora. Mas a violência é considerada por Hobbes positiva desde que ela seja usada em função da paz e a ausência da paz ele considera guerra.

CAPÍTULO I
O ESTADO DE GUERRA
Para apresentar o estado de guerra, o Estado Civil e a sociedade, Thomas Hobbes iniciou o seu trabalho tentando compreender o homem, suas paixões, seus desejos e suas relações com o outro. É da compreensão da natureza humana que Hobbes parte para teorizar sobre um modelo de Estado que fosse o mais eficiente possível na tarefa de garantir a manutenção do estado de sociedade.
Thomas Hobbes nasceu em Westport, em 1588 e morreu em 1689. Ele é contemporâneo de Bacon e Galileu. Sua obra é considerada, na área da ciência política, um marco que se impõe como importante referencial à passagem do pensamento político para a modernidade política, e por isso ele é conhecido mais como um filósofo político, ao abordar questões políticas e éticas. O fato de ter nascido prematuramente devido à chegada da “Armada Invencível” marca sua psicologia: a sua teorização do absolutismo, que tem raízes, sobretudo, no terror pelas guerras que ensangüentaram a sua época.
Observa-se aqui o seguinte pressuposto teórico: O homem é um ser, em sua essência ontológica, violento. A violência é própria e exclusiva do ser humano.
A questão da defesa de um Estado absoluto – forte marca em todo o corpo do Leviatã é historicizada, e essa contextualização histórica passa principalmente pela compreensão do impacto que cria um clima de instabilidade política, experimentado pela sociedade inglesa da época e que dera motivo às investigações e reflexões de Hobbes. Tal questão é atenuada diante da rica diversidade teórico-filosófica desenvolvida pelo autor sobre o homem, o Estado e a sociedade.
De 1651, ano em que foi publicado o Leviatã, até os nossos dias, a humanidade, apesar de consideráveis avanços em todo o seu processo civilizatório, ainda não conseguiu se libertar do estado de guerra na qual se encontra, apresenta-se com um comportamento inalterado, quando esta é analisada pela ótica do poder político, em seu sentido mais amplo. O poder político, instância que se instaura entre os homens em qualquer sociedade, envolvendo e movimentando povos e nações, continua sendo o principal meio que funda e dá coesão às relações sociais. É assustador constatar, entretanto, que os mecanismos e os desejos de dominação entre os homens pouco diferem dos da época em que Hobbes se inspirou para teorizar sobre o assunto. Daí se poder afirmar que, diante da evidente atualidade do pensamento hobbesiano, o qual tenta compreender o homem e o Estado, suas idéias, conceitos e reflexões, ultrapassa-se a mera tentativa de explicação histórica, ou mitológica, sobre o momento de passagem do estado de “natureza do homem para o estado de sociedade”. Na realidade o que Hobbes descreve, e dá conta, é a compreensão dos processos e mecanismos que movem o ser humano em sociedade, através de uma perspectiva extremamente realista e profunda, desvendando a maquiagem encobridora de uma visão cristã, predominante na época, ultrapassando com suas reflexões o momento histórico em que viveu.
Hobbes tem o homem em seu pensamento como o ponto de partida, por isso o filósofo é definido como antropólogo. As respostas estão na natureza humana, que é seu ponto de investigação. Por sua vez, o ponto de partida de toda a ação humana é denominado por ele de “conato”. Toda ação sensível ou moral é uma ação determinada pelo objeto, ao que ele chama de hedonismo: em busca do prazer e desejo.

A real motivação dos homens é o desejo, e esse é sempre egocêntrico. Todos os atos aparentemente altruístas podem ser explicados como uma demonstração de egoísmo, após a devida investigação. As principais características dos homens são o orgulho, a avareza, a ambição e o temor da morte. Portanto, os homens levam vidas solitárias, pobres, maldosas, brutais e breves. Essas descrições são transferidas para as atividades políticas (CHAMPLLIN, 2001, p. 146)

Hobbes declara que o homem aparentemente vive em liberdade, mas suas ações são previamente determinadas, por isso diz que não é possível viver sem desejo, pois já é inato o desejo de poder no homem. Já o estado de guerra é um estado natural, por isso nele o homem vive em sociedade não porque gosta, mas como meio de sobrevivência, ou seja, para conservar a sua espécie. Ele só encontra prazer sobrepondo-se ao outro, enquanto obedecer à ordem não é natural nele, pelo que Hobbes desconfia da natureza humana. Contudo, se tal natureza é egoísta, cada um deve buscar satisfazer seus próprios instintos, sem nenhuma consideração pelos outros: segue-se uma luta de todos contra todos, na qual cada homem se lança em relação ao outro como um lobo para devorar.
Por causa das guerras, Hobbes tinha uma visão pessimista sobre a sociedade, transferindo para ela tudo de mal que ele pensava sobre o homem individual, o modelo do egoísmo. Daí a sua frase “O homem é o lobo do homem”. Nesse sentido é impossível conseguir a felicidade, porque todos vivem envolvidos pelo temor de serem atacados uns pelos outros.
A respeito da lei natural, Hobbes diz: “Se não for constituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros” (LEVIATÃ, 1988, p. 103). Contudo, nos pequenos grupos de famílias que viviam em aldeias distantes não havia uma lei civil para se seguir, pois roubar, desapropriar por violência uns aos outros sempre tinha sido uma forma legítima e longe de ser contrária ao direito natural dos homens, pois estes tinham como lei legível a lei da honra, ou seja, fora do Estado civil.
Segundo Hobbes, ainda que os homens com o seu esforço venham a conseguir uma vitória contra o inimigo estrangeiro, ao terminar a batalha, quando não terão mais um inimigo comum, ou aquele que por alguns é tido como amigo e por outros como inimigos, de toda forma será inevitável que as diferenças entre seus interesses os levem à união, voltando a cair em guerra uns com os outros e, para garantir a sua honra e a dignidade, é que eles lutam entre si, causando a inveja, o ódio, a sede de vingança e finalmente a guerra; isso os faz diferenciar-se dos animais, que não precisam conquistar honra e tampouco dignidade para sobreviver.
Contudo, mesmo nessa situação de discórdia, o homem só encontra a felicidade na comparação com os outros homens, mesmo que venha a tirar prazer do que é admirável no outro, pois eles em grande parte se julgam mais sóbrios e mais capacitados que os outros para o exercício do poder público e, com a maneira diferente de trabalho, acabam levando o país à desordem e à guerra civil. Até o uso da linguagem tem os seus reveses, pois o homem faz mau uso dela para enganar os outros, leva a vida implicando com seu semelhante e parece nunca estar satisfeito, nesse caso tendendo a exibir sua sabedoria para controlar as ações dos que governam o Estado.
Nenhuma das grandes e duradouras sociedades provém da boa vontade que os homens tivessem uns para com os outros, mas do medo mútuo. Entretanto, a causa desse medo recíproco consiste, em parte, na igualdade natural dos homens e na sua mútua vontade de se ferirem, do que decorre que o homem não pode esperar dos outros a paz e tampouco prometer a si mesmo a menor segurança. “Cada homem é igual a outro, tendo o mais fraco a mesma capacidade do mais forte de destruí-lo o outro, quer usando de astúcia, quer aliando-se a outros ameaçados pelo mesmo perigo” (CHEVALLIER, 1982, p. 69). Por sua vez, a igualdade dos homens consiste no fato de que eles podem fazer coisas iguais. Portanto, todos os homens são naturalmente iguais entre si, mas a desigualdade constatada aqui encontra origem na sua ganância de poder e desejo.
No estado de natureza, todos os homens têm desejo e vontade de se ferir, mas que não procedem da mesma causa, e por isso não devem ser condenados com igual vigor, pois o homem temperado avalia corretamente o seu poder. O outro, supondo-se superior aos demais, quererá ter licença para fazer tudo o que bem entenda, e existirá mais respeito e honra do que pensarem devidos aos outros (é o que exige um espírito arrogante). No segundo homem a vontade de ferir vem da vã glória e da falsa avaliação que ele efetua de sua própria força; no outro, provém da necessidade de se defender, bem como à sua liberdade e bens, da violência do outro (HOBBES. 2002 p. 29).

Hobbes vê o homem como um competidor do outro homem, que tem uma sede de poder sob todas as suas formas. Vendo de maneira geral, o homem destrói o outro não por inferioridade de inteligência, porque ambos podem fazer o mal do mesmo jeito, mas por todos terem igualdade de capacidade que dá a cada um, igual esperança de alcançar seus fins, que impele cada um a esforçar-se por destruir ou por subjugar o outro; disso resultam concorrência, desconfiança recíproca, voracidade de glória ou de fama, que por sua vez tem por resultado a guerra perpétua de “cada um contra cada um”, e de todos contra todos. Assim, se o homem age dessa forma, segundo Hobbes seria impossível construir a paz, pois esta se daria por uma ausência de guerra, porém, quando se trata de violência, não há homem mais capacitado que os outros homens, todos agem de igual para igual.
As paixões que provocam de maneira mais decisiva as diferenças de talento são, principalmente, o maior ou menor desejo de poder, de riqueza, de saber e de honra, todas as quais podem ser reduzidas à primeira, que é o desejo de poder. Porque a riqueza, o saber e a honra não são mais do que diferentes formas de poder (HOBBES, 1979, p 49).
Visto que a necessidade da natureza faz com que os homens queiram e desejem aquilo que é bom para eles, acabam por evitar aquilo que lhes é prejudicial, mas, acima de tudo, o terrível inimigo da natureza é a morte, de quem se espera não apenas a perda de toda a sua potência, toda a sua vida, mas também a maior das dores físicas ao perdê-la. Portanto, é um direito de natureza que todo homem possa preservar a sua própria vida e membros, com toda a potência que possui. E se é para lutar em prol da vida de cada um, não interessa quem seja o seu adversário, importando o querer-viver, o outro que encontre seus meios. É uma briga constante pela sobrevivência.
Como se pode observar, fazer o bem ou o mal já é algo implicito no homem, pois este age segundo a sua vontade; a sua consciência será seu guia de fazer o bem ou mal. Marcelo diz que “as tentações não são constrições; a vontade é livre, e o homem faz o mal » (PERINE, 1987 P. 91).
Se o homem sucumbe, é porque ele quer sucumbir à tentação; se ele deve, ele pode obedecer à lei que a sua razão prática se dá e que ele conhece imediatamente como um fato. Se ele não obedece à lei é porque não quer. O ser que, enquanto ser moral, constitui o sentido do mundo e justifica-lhe a existência, é imoral e não somente fraco; escolheu a sua fraqueza, ele quis o mal: “sua natureza é depravada, ele a depravou”.
O mal é radical no homem, ele é indistruível, a sua possibilidade estando fundada na natureza mesma do homem; mas é igualmente indistruível e imperdível a possibilidade do bem, permanecendo a lei moral em toda a sua pureza e severidade imediatamente presente ao espírito do homem que se perverteu a si mesmo, que se sabe pervertido e que, por isso, não pode não se julgar (PERINE, 1987 p. 91).

Não é simplesmente a necessidade que distingue o homem dos outros animais, mas também o desejo e a negatividade, porque, de todos os animais, “o homem é o único que emprega a sua linguagem para dizer não” (PERINE 1987, P 127) ; para exprimir o seu desejo, isto é, aquilo que ele (não) é e (não) quer, vale dizer: o seu interesse. E o seu interesse, no final das contas, consiste em satisfazer a necessidade e o desejo, numa palavra, libertar-se do descontentamento. «Se o homem não devesse se purificar, se a sua vontade fosse sempre pura, ele não teria necessidade de lei nem saberia da existência de uma lei para a sua vontade » ( PERINE, 1987, p. 94).
Marcelo fala de uma definição de Hegel a respeito do homem e diz: “O homem é um animal como muitos outros, mas não é somente como os outros porque, além das necessidades, ele tem também desejos, quer dizer, necessidades que ele mesmo formou, que não são da sua natureza, mas que ele se deu” (PERINE, 1987, p. 126).
E é a negatividade que o impulsiona a agir sobre o que ele encontra a seu redor para satisfazer as suas necessidades, e o impulsiona a agir sobre a sua ação, isto é, sobre o seu modo de agir sobre a natureza, para satisfazer os desejos, isto é, as necessidades que ele mesmo criou.
O que se pode entender é que, se o homem tem a possibilidade de conhecer, agir pela razão e não o faz, conclui-se que fazer o bem ou o mal parte dele, mas como ele age pelos sentimentos (desejos) não significa que todos os seus desejos são maus, tendo porém uma causa de ser. Pensando dessa forma, volta à afirmação de Maquiavel: “Os fins justificam os meios”, ou seja, daí retorna a Caim e Abel, que a causa de Caim matar Abel foi a recusa de Deus aos seus produtos, daí provém a inveja e o descontentamento com a vida de seu irmão. A violência é o outro irredutível da razão, ela ainda não se tornou razão.
Segundo Spinoza, “as paixões impedem ao homem o uso da razão e o mantêm na escravidão. O homem é livre à medida que é guiado pela razão” (MONDIN, 1981 p. 92).
Spinoza faz um relato sobre a vida política em Hobbes e diz que a humanidade antes se encontrava nas origens no estado de liberdade (natureza). No estado de natureza não há nenhuma restrição aos direitos do indivíduo. Assim como o sábio tem o direito de fazer tudo o que a razão lhe ordena, ou seja, de viver segundo as leis da razão, assim também o ignorante e o estúpido têm o direito soberano de fazer tudo o que as paixões lhes ordenam.
Logo, se um indivíduo, guiado pela razão ou impelido pelas paixões, considera útil para si alguma coisa, tem o direito de desejá-la e de apropriar-se dela por todos os meios possíveis: força, astúcia, pedidos. Conseqüentemente pode-o considerar como seu inimigo a quem impedir a consecução de seu desejo. Resultado: guerras, morticínios, insegurança etc. Segundo Spinoza, “o homem deve agir segundo as leis da própria natureza” (MONDIN, 1981 pg 95).
Hobbes também concorda com Spinoza na sua ética quando diz que “é bom o que causa prazer; mau o que faz sofrer”. Portanto, bem e mal variam de pessoa para pessoa, porque a mesma sensação pode ser boa para um e má para outro. O fim supremo do homem é à procura do maior número possível de prazeres.

1.1 A violência no Estado Civil
“A violência no Estado Civil se dá por uma necessidade de ter poder e de evitar a guerra. Mas essa grande invenção da não-guerra é muito ambígua, porque afinal não há acordo ou conciliação que possa resolver questões entre membros da sociedade que fundamentalmente são inimigos” (SÉRGIO, 1992, p. 196).
O poder é a distribuição das possibilidades concretas do exercício da política, isto é, a distribuição das possibilidades concretas, na sociedade, de fazer transitar práticas sociais qualitativamente determinadas. Se, do ponto de vista das categorias filosóficas, o poder é a possibilidade genérica da violência genérica, do ponto de vista da sociedade ele só pode ser entendido como a distribuição social das possibilidades políticas, pois esta é que implica no trânsito das práticas que violam a própria sociedade. Não se pode explicar o poder como determinação social sem referir o “trânsito político” das práticas no qual esse poder se efetiva.
Segundo Hobbes, um Estado civil é constituído quando a maioria do povo concorda e faz um pacto com o soberano ou com uma assembléia de homens; na medida em que a multidão pactua, não pode voltar atrás e fazer outro pacto com mais alguém, nada restando a não ser obedecer ao primeiro. E no que consiste renunciar ao seu direito? Diz-se que quem abre mão de seu direito é aquele que a ele renuncia de forma absoluta ou deixa de fazer aquilo que antes fazia por direito. Porém, na transferência de seu direito, não basta à vontade apenas daquele que transfere: é preciso haver também a daquele que recebe. O soberano, por sua vez, ficará responsável de representar todas as pessoas que o escolheram para trabalhar em benefício deles, logo, uma vez tendo entregado os seus direitos ao soberano, jamais poderão se arrepender se não forem bem recompensados como gostariam de ser. Só na renúncia de seus direitos ao soberano já começa um ato de violência, pois nem todos gostariam de ser dominados, privados de seus direitos naturais, mas, como a maioria aceitou o resto também deve se sujeitar ao soberano.
O resgate do homem do estado de natureza para o Estado Civil já acontece de forma agressiva e violenta, pois, ao ingressar na “civilização”, este homem já começa perdendo alguns direitos e ganhando outros que são impostos pelo soberano, que faz as suas leis não para ele próprio cumprir, mas para serem cumpridas pelos seus súditos. Daí o grande desafio que o soberano tem que encarar, porque segundo Hobbes os homens não foram acostumados a viver em comunidade e, caso vivam, vivem por uma necessidade de conservar sua espécie. Por fazer o pacto, o homem já é submisso ao rei e então, se perder a liberdade natural para viver segundo as leis do Estado, já seria um ato de violência contra a natureza do homem, pois ele foi feito para viver livre já dizia Housseau, e não segundo as leis humanas, a não ser a Lei natural, mas como o próprio Hobbes afirma que o homem não vive sem regras, isso é quase que impossível. Contudo se existem leis, elas foram feitas para serem obedecidas por todos e não por alguns, pois as leis civis derivam das leis naturais e, no entanto, elas são obedecidas por todos. Portanto, se as leis que foram criadas em benefício do povo servirem apenas para alguns, e quem faz não obedece, então não se necessitaria de leis, bastando uma ordem imposta pelo soberano o qual todos obedeceriam. Por isso é necessário um poder comum que os mantenha em respeito uns com os outros e dirija suas ações rumo ao benefício comum, garantindo-se assim a segurança e satisfação deles e conseqüentemente a ordem, sem que o soberano tenha que usar a sua força para castigá-los no lugar da sabedoria, porque, se for preciso usar da força física para governá-los, a violência continua. Dessa forma, o Estado Civil nuca vai manter uma ordem sem primeiro ter que fazer ameaças ou a guerra, o que então já não é um estado de guerra natural e sim de guerra civil, longe de encontrar a paz.
É obrigado, cada homem perante cada homem, a reconhecer e a ser considerados autor de tudo quanto àquele que já é seu soberano fizer e considerar bom fazer na verdade. Cada homem confiou à sabedoria àquele que é portador de sua pessoa, portanto se depuserem estarão tirando-lhe o que é seu, o que também constitui injustiça (LEVIATÃ, 1988, p.107).

Uma vez feito o pacto, segundo Hobbes, nenhum súdito pode libertar-se da escravidão sob qualquer pretexto de infração e tampouco pode reivindicar ou lutar contra as formas injustas do soberano, pois se a maioria, por voto de consentimento, escolheu um rei que os representes aqui na Terra, os que tiverem discordado devem passar a aceitar o fato juntamente com os outros, ou seja, reconhecerem e acolher os atos que o soberano venha a praticar em seu favor, caso contrário serão destruídos pelos restantes. Já o soberano não se sente obrigado a obedecer à ordem de seus súditos, contudo, faz com que as suas leis sejam obedecidas, nem que para isso tenha que usar a força física, porque ele já representa todos os gostos dos súditos, sendo a vontade do soberano a mesma deles. Por fim, o homem no Estado civil não tem o direito de opinar nada nem pegar em armas para se defender, pois para isso tem o seu protetor que julgará qualquer dano feito a um de seus súditos “evitando” à volta do estado de guerra.
Para Hobbes, ainda que se venha a formular uma lei para o homem, este não vai obedecer e é por isso que ele diz que o “pacto sem a espada não passa de palavras”, daí a famosa frase: “O homem para obedecer às leis tem que ser castigado”. É a falta de responsabilidade que o torna incapaz de cumprir seus deveres de cidadãos para com o Estado.

Visto como o fim dessa instituição é a paz e a defesa de todos, e quem tem direito a um fim tem direitos aos meios, constituem direito de qualquer homem ou assembléia que detenha a soberania o de ser juiz de tanto dos meios para paz e a defesa quanto de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas e o de fazer tudo o que considere necessário ser feito, tanto antecipadamente, para a preservação da paz e da segurança, mediante a preservação da discórdia no interior e da hostilidade vinda do exterior, quanto também, depois de perdidas a paz e a segurança, para recuperação de ambas. (LEVIATÃ, 1988, p.109).

Quando Hobbes diz que somente um Estado forte, como uma monarquia, pode controlar uma criatura maligna como o homem, é no sentido de que ele não cumpre aquilo que promete, por isso deve haver castigo. Contudo, com o passar do tempo, à medida que esse homem vai sendo trabalhado, o castigo não será mais necessário, pois a paz provém da lei do Estado movido pelo monarca, da obediência dos súditos para com o rei. O homem, ao fazer um contrato com o rei, perde os direitos individuais para exercer um direito comunitário estabelecido pelo Estado. Daí o único direito natural que deve restar no homem deva ser o direito de viver. Pelo direito de defender a sua própria vida, que o soberano não pode tirar do homem, ele deve lutar com toda garra, mesmo que para isso tenha que recorrer à força física.
“O desenvolvimento de formas de controle social não elimina a ameaça da violência aberta. Tal ameaça é crucial para eficácia de outras formas de controle em que não se utiliza a violência física” (SÉRGIO, 1992, p. 129).
Não se deve perder de vista que, para se manter a ordem e a organização dum Estado Civil desenvolvido ou qualquer instituição, é necessário manter algumas disciplinas e, para que isso possa ocorrer, é preciso que alguém sofra as conseqüências; essas conseqüências poderão ser denominadas de violências, que não se dão só pelas autoridades e pelo sistema de dominação, mas também pela violência física, que é experimentada e tem de ser prevista pelos dominados.
Essa noção é decisiva para se entender o fundamento normal do terror. O Estado jamais renuncia a qualquer de suas conquistas em termos de violência, ou seja, o Estado nunca assume seus atos violentos contra o povo, sempre dizendo que está fazendo a coisa certa para manter a paz e a ordem.
“É uma contradição à idéia de um Estado liberal que se reduzisse, sem ambigüidade, à sua aparência de controlador da violência física aberta, pois na existência do soberano está imbricada uma prática em si mesma autoritária do direito de punir” (SÉRGIO, 1992, p.203).
O Estado é um grande dissimulador que consegue alternar a persuasão e o controle social com a violência física aberta. Consegue escamotear a violência física sob as altas aparências de estar servindo ao interesse comum dos seus cidadãos. Contudo, desde sua instituição, a violência e o terror estão na própria natureza do Estado. Dessa forma, não é só no estado de natureza que acontece a violência entre os homens, mas também no Estado civil, ou seja, a violência acontece a partir do momento em que é invadido o espaço do outro semelhante.
Sempre que se emprega a violência e se faz injustiça, embora pelas mãos escolhidas para administrar a justiça, ainda assim se trata de violência e dano, embora coberto pelo nome, pretensões ou formas da lei, sendo o objetivo em mira proteger e desagravar o inocente mediante a aplicação imparcial a todos quantos sob ela estão; sempre que não se dá sinceramente, faz-se a guerra contra os sofredores, que, não tendo para quem apelar na Terra para desagravá-los, ficam abandonados e o único remédio em tais casos, seria um apelo aos céus.
Na verdade, é preciso que os dominados tenham em comum com os dominantes os mesmo esquemas de percepção e apreciação, o que lhes permite ser percebidos reciprocamente e, conseqüentemente, aceitar o processo de dominação. Dessa forma, a violência monopolizada pelo Estado se legitima simbolicamente por dominados e dominadores, violência essa que ratificada, legalizada, legitimada enfim, passa a ser algo normal. A violência institucionalizada e legitimada simbolicamente não recebe o status de “terrorismo” em razão do processo de normalização.
1.2 Violência do homem em estado de natureza: características
Antes de falar a esse respeito do tema acima, é bom esclarecer um mal entendido comum. Quando Hobbes fala acerca do estado de natureza, ele não está necessariamente falando sobre condições pré-históricas da raça humana, ou sobre como foi a vida nas sociedades primitivas, ou ainda sobre uma condição que é meramente uma possibilidade teórica. Ele está falando a respeito de qualquer situação onde não exista um governo efetivo para impor a ordem. Sociedades pré-históricas ou primitivas podem exemplificar tais condições, mas também sociedades que são menos remotas.
A violência não é sinônima de crueldade ou de opressão. A crueldade pode ser reduzida indefinidamente. A opressão, pelo menos como possibilidade concreta, pode ser extinta da sociedade. A desigualdade social e os antagonismos podem ser superados. Porém a violência, enquanto construção e organização da sociedade, em sua positividade ontológica, como afirmação e auto-criação permanente, não pode nem deve ser abolida, pois isso seria extinguir o próprio homem, já que, se a violência é natural no homem e se esse homem vive de acordo com a sua natureza, então também é natural que esse homem pratique a violência mesmo que venha causar alguns prejuízos para sua própria vida.
A preocupação com os dramáticos índices de crescimento da violência e suas diferentes formas de manifestação coloca-se hoje como uma questão crucial para a sociedade brasileira. Inúmeras causas são apontadas como fatores que propiciam o aumento da violência, entre eles as imensas desigualdades econômicas, sociais e culturais, a disseminação das drogas, o desemprego, ou mesmo os efeitos perversos da chamada cultura de massa, mas, embora esses fatores contribuam para o aumento da violência, por si sós não explicam o fenômeno.
Considerando então a ofensividade da natureza dos homens uns com os outros, deve-se acrescentar um direito de todos os homens a todas as coisas, segundo o qual um homem invade com direito, e o outro homem com direito resiste, e os homens vivem assim em perpétua violência, estudando como se devem preparar uns contra os outros. O estado dos homens em sua liberdade natural é o estado de guerra, pois a guerra nada mais é que o tempo no qual há vontade de disputar e contestar por meio da força, seja com palavras ou com ações suficientemente declaradas; o tempo que não é a guerra, este é a paz.
No homem há um desejo de poder constante que só termina com a morte. Os homens se diferenciam dos animais apenas pela razão, que não passa de um cálculo (que soma e diminui as conseqüências); no homem já está implícito o desejo de conhecer as coisas e os seus porquês. Essa guerra não é só no sentido de “confronto físico” com o outro, mas também a vontade de investigar, de confrontar o outro adversário: enquanto isso acontecer, acontecerá guerra e não a paz, sendo o homem o “lobo para o homem”. Hobbes aqui adverte para o que esse estado de guerra pode causar na vida da sociedade e as conseqüências desse homem no estado natural.
“A guerra impede a indústria, a agricultura, as navegações, o conforto, a ciência, a literatura, toda a sociedade de crescer, e o pior de tudo é o constante perigo de morte violenta” (CHEVALLIER, 1982, p. 68).
Onde não há poder comum, não há lei; onde não há lei, não há injustiça. Na guerra, a força e a astúcia são duas virtudes cardeais. Nela não existe dono de nada, o “teu” e o “meu” distintos, mas só possui aquele que consegue tomar e conforme o tempo que puder guardar um objeto. Daí conclui Hobbes sobre a miserável condição em que “a simples natureza” à parte de todo pecado, de toda perversão, situa o homem. Eis o estado de natureza.
Em outro contraste, a saída do estado de guerra para o Estado Civil não muda muita coisa; se acontecer a violência no estado de natureza, no Estado Civil também acontece, pois como se vê, o estado natural é de inimizade e destruição e, portanto, coloca-se em estado de guerra contra aquele a quem declarou idêntica intenção, expondo de tal maneira a vida ao poder do outro, a qual lhe poderá ser tirada por aquele ou por qualquer outro que a ele venha juntar-se a defendê-lo, esposando-lhe a causa, pensando ele ter o direito de destruir aquele que o ameaça de destruição.
Contudo, Hobbes afirma que os homens têm a tendência de glorificar a fortaleza física, a violência e a matança. Os homens habilidosos nessas violências, e que são capazes de dominar outros homens, são os “heróis”. As verdadeiras qualidades espirituais não são muito valorizadas neste mundo de guerra.
No homem não pode haver uma incoerência de personalidade, pois se ele age de acordo com a sua natureza, onde ele estiver comete violência, por isso, afirma Gandhe, “não é possível ser violento, por exemplo, nas relações familiares ou pessoais e não-violento no que concerne ao recrutamento militar e à guerra” (GANDHE, 1967, p. 87). O ato de violência está a todo o momento implícito na natureza do homem e nos seus afazeres, o que é gritante na vida da sociedade, uma consciência que não pode ser mudada.
“Pois aqueles que perscrutarem com maior precisão as causas pelas quais os homens se reúnem, e se deleitam uns na companhia dos outros, facilmente hão de notar que isto não acontece porque atualmente não poderia suceder de outro modo, mas por acidente” (HOBBES, 2002, p.26).
O homem não procura a companhia dos outros naturalmente porque gosta, mas para dela receber alguma honra ou proveito; daí quando se reúne para comerciar, é evidente que cada um não o faz por consideração a seu próximo, porém apenas a seu negócio; se for para desempenhar algum ofício, certa amizade comercial se constitui que tem em si mais de zelo que de verdadeiro amor, e por isso dela podem brotar facções, às vezes, mas boa vontade nunca.

Aquele que, no estado de natureza, arrebata a liberdade que cabe a qualquer um nesse estado, deve necessariamente supor-se alimentar o desígnio de arrebatar tudo mais porquanto essa liberdade é o fundamento de todo o resto; como aquele que, no estado de sociedade, deve supor-se ter o desígnio de arrebatar tudo deles, tendo de considerar-se, portanto, como em estado de guerra (LOCKE, 1983, p. 40).

Nisso temos a diferença entre o estado de natureza e o estado de guerra que, muito embora certas pessoas tenham confundido, estão tão distantes um do outro como um estado de paz, boa vontade, assistência mútua e preservação estão de um estado de inimizade, malícia, violência e destruição mútua. Quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior comum na Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se propriamente o estado de natureza. A falta de juiz comum com autoridade coloca todos os homens em um estado de natureza; a força sem o direito sobre a pessoa de um homem provoca um estado de guerra não só quando há como quando não há juiz comum.
S. Tomás de Aquino define a lei como “uma condenação da razão, promulgada para o bem comum por aquele que dirige a comunidade”, enquanto que Régis dá outra definição da lei natural como sendo “a lei que o homem conhece pela luz de sua razão, enquanto implícita na natureza das coisas”. Ninguém pode praticar a perfeita não-violência. Pode-se não usá-la com perfeição, mas, usando-a, renuncia-se definitivamente ao emprego da violência e avança-se do insucesso ao êxito.
Desde que os homens são, pela paixão natural, de diversas maneiras ofensivos uns com os outros, e todo homem pensa bem a cerca de si e odeia constatar o mesmo nos demais, eles devem provocar uns aos outros por meios das palavras e outros sinais de desprezo e ódio, que são incidentes a todas comparações, até finalmente mostrarem a preeminência pela potência e força do corpo (HOBBES, 2002, p. 94).

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