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sexta-feira, novembro 22, 2024

UNIÃO EUROPÉIA E O MERCOSUL

INTRODUÇÃO

A globalização da economia e da sociedade está gerando o desenvolvimento de uma nova ordem mundial, baseada na expansão do capitalismo e comandada pelo crescente domínio das corporações transacionais. Essa mudança de rumo do mundo deve-se principalmente ao fim da guerra fria, em que havia um estado de tensão permanente entre os Estados Unidos e a União Soviética, ao incremento da guerra comercial entre empresas e países e à formação de grandes blocos econômicos regionais.
Assim, com a desintegração do bloco socialista e o fim da União Soviética, no início da década de 90, os países capitalistas deixaram de preocupar-se com a guerra fria e com o fantasma do comunismo, dando início a uma nova batalha, agora comercial, com a disputa do controle dos principais mercados consumidores do planeta, procurando um cenário mundial mais previsível, no qual a concorrência possa ser controlada, e, a partir daí, surjam as uniões entre vários países comandados por seus respectivos Governos.
No contexto dessa globalização e integração, diante da explosão econômica que marca a última década do século e o início do próximo milênio, surge, em 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL (formado inicialmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, somando-se ao bloco, em 25/06/96, o Chile e a Bolívia, através de acordo de complementação econômica, que cria uma zona de livre comércio entre eles, sendo que o Chile está num estágio mais avançado, iniciando em 01/10/96 e a Bolívia em 01/10/97), que, ao se consolidar, se projeta com demasiado vigor na busca de um espaço amplo no cenário internacional, seguindo o curso dos países já envolvidos em blocos econômicos, como é o caso da União Européia, dos Tigres Asiáticos e do Nafta, entre outros.
É importante que se busque a experiência desses blocos, nomeadamente na União Européia, já que o Mercosul pretende transformar-se no segundo mercado comum do mundo, pois atualmente só conhecemos o Mercado Comum Europeu.

1. O CONCEITO DE INTEGRAÇÃO

Todos os grupos sociais conduzem a duas grandes categorias: a comunidade e a sociedade, e, em ambas, a fatores que aproximam os membros do grupo social e a fatores que o afastam. Porém, na comunidade, os fatores de agregação, são mais fortes que os de repelência; ao contrário, na sociedade, os fatores de desagregação do grupo social são mais fortes que os de aproximação.
Temos assim, o modelo societário que resume na cooperação de soberanias nacionais. Na comunidade internacional clássica, formada por Estados soberanos, há, por óbvio, que se respeitar a soberania dos Estados, que é a afirmação do individualismo de cada um deles, que se sobrepõe aos interesses comuns, de onde se conclui que não há nenhum poder superior aos Estados. Há uma relação horizontal de coordenação de soberanias.
De outra parte, o modelo comunitário está solidificado em bases verticais, ou seja, os Estados têm sua soberania limitada, e esse partilhamento é que assegura o poder de integração, o poder comunitário, ou o poder supranacional. O direito comunitário nasce nesse modelo e vincula os Estados-membros, e, no âmbito interno de cada um deles, as pessoas físicas diretamente, porque esse direito prima sobre todo o direito nacional.
Mas para se atingir este modelo comunitário – atualmente só alcançado pela União Européia – os Estados-partes devem, por um lado, assegurar-se de princípios sólidos para que sua edificação esteja calcada em bases firmes e não venham a desmoronar, e, por outro, aceitar o partilhamento da soberania.
Do modelo de cooperação ao comunitário, temos várias fases de integração, nas quais os Estados que pretendem formar um grupo regional escolhem, a partir de seus interesses, o grau pretendido.

1.1. AS FASES DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

1.1.1. ZONA DE LIVRE COMÉRCIO

A zona de livre comércio está conceituada no artigo XXVI do GATT , que a autoriza, dizendo: “… se entenderá por zona de livre comércio, um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais se eliminam os direitos de aduana e as demais regulamentações comerciais restritivas … com respeito ao essencial dos intercâmbios comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre comércio”.
Assim, se estabelece, através de tratados internacionais, a livre circulação das mercadorias sem barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras, onde os Estados integrantes conservam total liberdade nas relações com terceiros países, porém, para que os produtos possam circular independentemente de pagamento de tarifas de importação, deverá ficar comprovado – através de certificados de origem – que a maior parte da mão-de-obra e das matérias-primas provêm efetivamente de um dos países de livre comércio.
A maior parte dos atuais blocos econômicos optam por esta modalidade de integração, tais como a Associação Européia de Comércio Livre – AECL (EFTA), formada pela Islândia, Noruega e Suíça, criada pela Convenção de Estocolmo de 1960; o Grupo dos Três, composto pela Colômbia, México e Venezuela; o NAFTA (North American Free Trade Association), que reúne os Estados Unidos, Canadá e o México, entre outros.
A primeira tentativa de criação de uma zona de comércio livre na América Latina surgiu com a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), através do Tratado de Montevidéu em 1960, cujo preâmbulo, em seu parágrafo 6º, reconhecia tal forma de integração, por ser ela gradual e progressiva, com vistas à organização de um mercado comum latino-americano, estabelecendo um período de doze anos para o aperfeiçoamento da zona de livre comércio. Porém, ela não desabrochou como sua contraparte européia (EFTA), e, decorridos vinte anos de sua criação, fez-se necessária uma reformulação do Tratado de Montevidéu de 1960, que o instituíra. Assim, foi firmado, em 12 de agosto de 1980, um novo tratado, onde as partes contratantes comprometem-se a dar prosseguimento ao processo de integração encaminhado a promover o desenvolvimento econômico-social, harmônico e equilibrado da região, e para esse efeito, instituem a Associação Latino-Americana de Integração, a ALADI, que, por ter sido assinado também na capital de Uruguai, levou o nome idêntico ao seu antecessor – Tratado de Montevidéu, em vigor até os dias de hoje, sendo que o parágrafo 5º do preâmbulo do Tratado de Assunção diz estarem os Estados-partes conscientes de que o referido Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu em 1980. Existe, destarte, a coincidência de objetivos entre os dois Tratados e total compatibilidade entre eles.
Diante das experiências anteriores de zonas de livre comércio, o Tratado de Assunção, que instituiu o Mercosul, inovou, ao tentar atingir um grau mais elevado de integração, qual seja: a conformação de um mercado comum. Porém, com o intuito de compatibilizar o seu relacionamento com outras zonas de livre comércio, o seu artigo 8º, letra “c”, estabelece que os Estados-partes realizarão consultas entre si para negociar esquemas amplos de desgravação tarifária, tendentes à formação de zonas de livre comércio com os demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração – ALADI.
Vimos recentemente com a assinatura, em San Luis, na Argentina, em 25 de junho de 1996, de acordos de complementação econômica entre o Mercosul, o Chile e a Bolívia, para a conformação de uma zona de livre comércio entre eles. Assim sendo, estes dois novos integrantes não assumem o compromisso de ingressar na tarifa externa comum, não precisam igualar as suas tarifas alfandegárias ao bloco, para protegerem-se de bens advindos de países terceiros. Diante disso, nasce um novo modelo de bloco – um misto de União aduaneira (atual estágio dos países fundadores do Mercosul) e zona de livre comércio (com o ingresso do Chile e da Bolívia).
O Mercosul, de 1991 a 1994, ou seja, no período transitório, conseguiu superar os obstáculos advindos do processo de criação de uma zona de livre comércio através do Programa de Liberação Comercial, previsto no artigo 3º do Anexo I do Tratado de Assunção: “A partir da data de entrada em vigor do Tratado, os Estados-partes iniciarão um programa de desgravação progressivo, linear e automático, que beneficiará os produtos compreendidos no universo tarifário, classificados em conformidade com a nomenclatura tarifária utilizada pela Associação Latino-Americana de Integração”, bem assim em razão do Anexo II, que prevê o regime geral de origem, estabelecendo regras para a determinação e prova da origem dos produtos, para evitar recebam aqueles que venham do exterior tratamento privilegiado – frise-se ser esse um aspecto fundamental para a existência de uma zona de livre comércio.
O Tratado de Assunção tem, destarte, como seu objetivo diferenciador dos demais blocos econômicos, à exceção da União Européia, a constituição de um mercado comum com características próprias e diversas de outras formas de organização do comércio internacional, como a zona de livre comércio e a União aduaneira; entretanto, para se alcançar o mercado comum, devem-se galgar essas duas primeiras etapas.

1.1.2. UNIÃO ADUANEIRA

O artigo XXIV do GATT, ao autorizar as uniões aduaneiras, a define da seguinte maneira: “Se entenderá por território aduaneiro todo o território que aplique uma tarifa distinta ou outras regulamentações comerciais distintas a uma parte substancial de seu comércio com os demais territórios”.
Na União aduaneira – segunda fase de integração econômica -, os países que a integram, para além de abrirem as fronteiras internas com o objetivo de zerar as tarifas entre os países-sócios, estabelecem uma tarifa externa comum (TEC) para produtos importados de terceiros países. Neste estágio de integração, elimina-se o certificado geral de origem, obrigatório numa zona de livre comércio, bem como passam os Estados-partes a negociar com o exterior em bloco e não mais individualmente.
A constituição de uma tarifa comum – TEC – foi um dos grandes problemas do Mercosul para o funcionamento da União aduaneira, que ainda está fortemente consolidada – o que se vislumbra é uma União aduaneira imperfeita -, mas chegou-se a cogitar a mudança de rumo desse mercado, com a proposta de permanecer numa zona de livre comércio, tendo em vista as dificuldades que a constituição de uma TEC implicava. Em novembro de 1994, o Ministro da Economia da Argentina, Domingos Cavallo, asseverou que o Mercosul deveria optar entre aprofundar a União aduaneira com os quatro países, em busca do mercado comum, ou ampliar o mercado por um acordo de livre comércio com terceiros países. Entretanto, a vontade política dos Chefes dos Estados-partes conduziu-se no sentido de fazer vigorar uma tarifa externa comum, embora com exceções.

1.1.3. MERCADO COMUM

A etapa seguinte a ser percorrida pelo Mercosul é a da implantação do mercado comum, caracterizado pela circulação dos fatores de produção, capital e trabalho, que ensejará, por conseguinte, o livre estabelecimento e a livre prestação de serviços pelos seus nacionais. Esse mercado compõem-se das quatro liberdades que o regem: a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais.
O mercado comum teve sua origem no processo integracionista da então Comunidade Econômica Européia, iniciado na década de 50, consolidando-se somente quatro décadas depois, mas com a garantia e a segurança de que os Estados que hoje a constituem formam um corpo único, ainda que cada um deles preserve suas raízes históricas, suas tradições culturais e seus idiomas.
A livre circulação de bens implica na abertura de fronteiras externas e no desmantelamento das barreiras alfandegárias para que os produtos passem a circular livremente entre os Estados que fazem parte do processo integrativo. Ou seja, o caminho para a conformação desta liberdade passa pelo estabelecimento da União aduaneira, a partir de uma tarifa externa comum.
Na livre circulação de pessoas, qualquer cidadão que pertença a um dos Estados-membros pode circular nos demais com total liberdade, sem ser submetido a controle nas fronteiras internas. Por oportuno, descreveremos como esta liberdade vem sendo exercida pelos cidadãos da União Européia.
Qualquer pessoa que pertença à União Européia pode circular livremente em qualquer um dos 15 países que a compõem, bem assim exercer uma profissão, residir e investir. Este foi um dos grandes obstáculos enfrentados pela União Européia, vez que se tornou necessário assegurar às pessoas que atravessassem as fronteiras a tranqüilidade de fazê-lo como se estivessem a deslocar-se de uma cidade a outra em seu próprio país. A eliminação dos controles internos implicou na adoção de controles externos, sob pena de os Estados e a própria Comunidade Européia abandonarem suas funções fundamentais de garantias de valores como a da ordem pública e da própria segurança interna. Para isso, então, era preciso o reforço dos controles nas fronteiras externas e sobretudo uma uniformização de procedimentos nas diversas administrações nacionais no que concerne à política de imigração, de asilo e de vistos.
Assim sendo, desde 26 de março de 1995, passou a viger o Acordo de Schengen – firmado por dez dos quinze países da UE, vige desde 26/03/95 apenas com sete deles que o ratificaram: Alemanha, França, Bélgica, Espanha, Luxemburgo, Holanda e Portugal – assinado em 14 de junho de 1985, na cidade de Schengen (Luxemburgo), inicialmente pela França, Alemanha, Holanda, Bélgica e Luxemburgo, com vistas à supressão gradual dos controles nas fronteiras internas. Em 19 de junho de 1990, o projeto tornou-se mais ambicioso com a aprovação da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, o qual, além de suprimir pura e simplesmente os controles nas fronteiras internas, acrescentou a adoção de medidas sobre vistos, circulação de estrangeiros, asilo, cooperação judiciária, polícia e segurança, extradição e sistema de informação, vindo a ela aderir posteriormente a Itália, a Espanha, a Grécia, Portugal e a Áustria.
No que se refere à abertura das fronteiras internas na Europa Comunitária, com a concretização do mercado único, uma questão interessa particularmente ao Brasil: a discriminação entre cidadãos de Estados-membros e cidadãos de Estados terceiros, já que o Brasil e Portugal mantêm um acordo bilateral relativo à igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, conhecido por Convenção de Brasília, assinada a 7 de setembro de 1971.
A Convenção de Brasília não é um tratado de dupla nacionalidade, mas sim de igualdade de direitos; os brasileiros residentes em Portugal que requererem a condição desse estatuto não deixam de ser brasileiros, assim sendo não serão beneficiados pelas quatro liberdades inerentes ao mercado comum, porque essa Convenção vincula apenas dois Estados (Brasil e Portugal), e, portanto, mesmo beneficiados pelo estatuto de igualdade, circularão sempre como brasileiros.
A Espanha, por outro lado, mantém acordos com a Argentina, a Bolívia, o Chile, a Costa Rica, o Equador, a Guatemala, Honduras, a Nicarágua, o Paraguai, o Peru, a República Dominicana e a Colômbia, países de idioma espanhol cujos nacionais, conforme a Constituição Espanhola, podem adquirir a dupla nacionalidade.
A livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento asseguram que todas as pessoas possam, além de circular livremente, optar por se estabelecer ou prestar serviços em qualquer um dos Estados-membros, nas mesmas condições que os nacionais, sem qualquer discriminação referente à nacionalidade.
Portanto, os trabalhadores assalariados ou independentes de qualquer Estado-membro podem se deslocar livremente e procurar, onde melhor lhes aprouver, um trabalho, em condições idênticas àquelas que beneficiam os trabalhadores nacionais (liberdade de estabelecimento), ou podem oferecer e prestar serviços a clientes de quaisquer Estados-membros, nas mesmas condições que os nacionais do Estado de acolhimento (livre prestação de serviços).
Uma das profissões que mais trouxeram problemas com relação à garantia desta liberdade aos cidadãos comunitários foi a de advogado. A Diretiva 77/249, de 22/02/77, dirigida especificamente ao exercício da profissão de advocacia, visava apenas facultar aos advogados o exercício da liberdade de prestação de serviços, mas não o seu direito de estabelecimento, devendo agir com um advogado junto ao país escolhido. Isto porque o exercício dessa profissão está atrelado ao conhecimento que o indivíduo tem da legislação do seu Estado de origem e não ao do Estado onde pretende atuar.
A Diretiva 89/48, de 21/12/89, instaurou um sistema geral de reconhecimento mútuo de diplomas de ensino superior, permitindo que todos os nacionais de um Estado-membro exerçam, a título independente ou assalariado, uma profissão regulamentada em outro Estado-membro que não aquele em que obtiveram suas respectivas qualificações profissionais. Mas em determinadas áreas, em que pese tal reconhecimento, o exercício de uma profissão pode estar condicionado ao preenchimento de certas imposições. O artigo 4º dessa Diretiva prevê que, quando se tratar de profissões que requeiram um conhecimento preciso do direito nacional, e em que o aconselhamento ou a assistência em questões de direito nacional seja o elemento essencial e constante do exercício da atividade profissional, e Estado de acolhimento pode exigir um estágio de adaptação ou uma prova de aptidão.
Assim é que, a título de exemplo, Portugal, ao transpor a diretiva para o direito nacional através do Decreto-lei 289/91, de 10/08/91, dispôs em seu artigo 9º que é admissível a submissão do requerente à freqüência de um estágio de adaptação ou à prestação de uma prova de aptidão naquelas profissões em que se exige o conhecimento do direito nacional – que é claramente o caso da profissão de advogado.
A liberdade de comércio, de prestação de serviços e estabelecimento, ou seja, a movimentação inerente ao mercado comum, pressupõe a livre circulação de capitais, necessária ao exercício dessas atividades.

“Qualquer operação relativa a importação-exportação, qualquer investimento destinado a permitir o estabelecimento de uma empresa na indústria, no comércio, nos serviços, qualquer prestação de serviços implicam, necessariamente, a disponibilidade de meios de pagamento que se impõe deixar circular livremente de país para país ao serviço das operações que o exercício dessas liberdades comporta”. (CAMPOS, 1989. P. 477)

Essa é a liberdade que ainda não está totalmente integrada ao mercado comum, sendo hoje uma das grandes metas do Tratado da União Européia (TUE): a unificação da moeda; somente a partir da concretização desse projeto haverá a liberalização total da circulação de capitais.
Por ser o mercado comum europeu um mercado concorrencial, como bem exposto no artigo 3º do TUE que, dentre os objetivos elencados, prevê, em sua alínea “g”, um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno, alguns autores incluem a concorrência como sendo a quinta liberdade do mercado comum.
Em termos genéricos, a concorrência é um mecanismo de base da economia de mercado, que garante reflitam os preços a relação real entre a procura e a oferta que permite à economia redistribuir os recursos de modo mais eficiente.
A concorrência significa mais escolha para os consumidores, bem assim preços mais baixos. A melhor garantia para os consumidores conseguirem obter bens e serviços de qualidade aos melhores preços é o fato de existirem vários fornecedores a competir. A concorrência livre e aberta constitui a pedra angular no sistema econômico do mercado.
De fato, para as empresas, a concorrência e a busca do menor preço não constituem prioridades naturais, uma vez que o seu primeiro alvo, perante os seus acionistas, é maximizar os lucros. Assim, é possível que tentem formar cartéis para dividir entre si os mercados, ou para manter os preços artificialmente elevados, ou, ainda, para impedir a entrada de novos operadores nos seus mercados. Os governos, por sua vez, também atuam contra a concorrência ao subsidiar algumas empresas, que passam assim a se beneficiar de vantagens injustas face às empresas concorrentes.
A Europa Comunitária criou um mercado aberto para as empresas de todos os Estados-membros, e estabeleceu também um quadro único de normas a aplicar em toda a Comunidade, que se destinam a proteger o consumidor das vantagens de que se beneficia no mercado único, impedindo que as empresas e os governos adotem comportamentos lesivos à concorrência.
A política da concorrência, no âmbito comunitário, está centrada em algumas áreas bem definidas, tais como os cartéis, os abusos de posição dominante, as fusões e aquisições de empresas e o papel dos governos.
Quanto aos abusos de posição dominante, o fato de uma empresa querer crescer para se tornar grande não tem nada de criticável. Mas quando uma grande empresa, que disponha de uma considerável quota-parte do mercado, abusa dessa posição dominante para eliminar as empresas concorrentes de menor dimensão, está transgredindo a legislação comunitária. Constituem abuso de posição dominante, por exemplo, a fixação injustificada de preços diferentes consoante o mercado em causa ou a fidelização da clientela através de contratos de exclusividade a longo prazo.
Também constituem abusos de posição dominante as tentativas de eliminar a concorrência, como, por exemplo, a fixação de preços artificialmente baixos em determinados mercados ou o corte de fornecimentos a operadores que comercializam produtos das empresas concorrentes.
As grandes operações de fusão e de aquisição de empresas, que implicam riscos de lesar a concorrência no mercado comunitário, são controladas pela Comissão – uma das instituições da União Européia -, que tem poderes para analisar caso a caso e vetar, se necessário, a fusão ou aquisição.
Os governos, por sua vez, agem contra a concorrência de diversas formas, sendo a mais usual a atribuição de subsídios a empresas do próprio país, para ajudá-las a enfrentar a concorrência de empresas de outros países da Comunidade, ou a empresas do públicas, para lhes permitir concorrer com as empresas do setor privado. À medida em que vão sendo eliminadas as barreiras físicas às trocas comerciais, os governos deixam de poder proteger diretamente as empresas do seu país contra os concorrentes estrangeiros através de entraves aos produtos importados, e, consequentemente, tentam protegê-las indiretamente através da atribuição de subsídios.
Ao atribuírem direitos exclusivos a determinados monopólios para o fornecimento de serviços básicos, tais como eletricidade, água, transporte ou telecomunicações, os governos cerceiam a concorrência, o que pode originar serviços de má qualidade, reduzida capacidade inovadora e preços elevados.
A Comissão das Comunidades Européias investiga anualmente inúmeras acusações e violações das normas comunitárias, tendo poderes para ordenar a cessação das práticas ilegais e para impor multas às empresas transgressoras. A constante necessidade de proteger o consumidor dos abusos da concorrência faz com que a política da concorrência tenha um papel essencial na solidificação de um mercado único e integrado.
E é por essa razão que o Mercosul deve adotar, o quanto antes, uma política no âmbito da concorrência, com normas para assegurar que em todo o seu território as empresas possam operar em condições eqüitativas e que os consumidores possam obter as vantagens a que têm direito.
Entre as principais decisões alcançadas na VII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em Ouro Preto, em dezembro de 1994, destacam-se, com relação à concorrência, a Decisão 20/91, que dispõe sobre Políticas Públicas que distorcem a competitividade: “instrui a Comissão de Comércio a criar um Comitê Técnico destinado a identificar as medidas no âmbito de políticas públicas capazes de distorcer as condições de competitividade intra-Mercosul e a definir o tratamento a ser aplicado a essas medidas, no contexto da consolidação da União Aduaneira, a partir de 1º de janeiro de 1995”; destaca-se, também, a Decisão n.º 21/94, que dispõe sobre a Defesa da Concorrência: “aprova as pautas básicas sobre a defesa da concorrência no Mercosul, as quais se destinam a coibir ações que impeçam, restrinjam ou distorçam a concorrência e o livre acesso ao mercado no âmbito do Mercosul”.
As nações mais prósperas e mais produtivas do mundo são aquelas cujos mercados se assentam na livre concorrência. Portanto, deve-se zelar para que esse ousado projeto de integração da América do Sul funcione adequadamente, e que a abertura do mercado proporcione, para todos, melhores oportunidades e benefícios.
Importante desafio a que se propõe o Mercosul é tornar-se o segundo mercado comum do mundo. Além de constituir uma União aduaneira, pondo abaixo as barreiras tarifárias e não-tarifárias, e instituindo uma tarifa externa comum, aplicada aos produtos provenientes de países terceiros, o Mercosul deverá implantar um mercado comum com a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capital, etapa prevista para depois do ano 2006. O exemplo comunitário nos mostra que temos uma longa jornada pela frente, e se por um lado a integração física já é complexa e representa um grande desafio, mais o será uma integração de pessoas; porém, é a movimentação humana que gera a União de mercados.

1.1.4. UNIÃO ECONÔMICA E MONETÁRIA

Último estágio da fase integracionista, a união econômica e monetária nasceu na última revisão do Tratado que institui a Comunidade Econômica Européia – Tratado de Roma -, em 1993. Trata-se do Tratado da União Européia ou Tratado de Maastricht, que rege atualmente a Europa Comunitária, cuja meta é atingir uma união monetária, com a instituição de uma moeda única – o “EURO” que será emitida por um Banco Central independente. Para tanto, a TUE dita critérios de convergência das economias dos Estados-membros, tendo estes, como condição prévia à futura integração econômica, de satisfazer os seguintes requisitos:
• respeito pelos limites de flutuação do Sistema Monetário Europeu durante, pelo menos, dois anos ( 2,25%);
• taxa de inflação não ultrapassando em mais de 1,5% a média das taxas dos três Estados-membros com melhores resultados nessa matéria;
• déficit orçamentário inferior a 3% do PIB;
• endividamento público inferior a 60% do PIB;
• taxa de juro a longo prazo não superando em mais de 2% à dos três países com a mais baixa inflação.
No segundo semestre de 1998, o Conselho Europeu (Artigo D do TUE v. fls. 71) decidirá quais os países da Comunidade que poderão participar da União Monetária Européia, depois da análise do desempenho das economias, que será medido com base nos dados do ano anterior. A partir de 1999, os governos integrantes da União Monetária passarão a emitir títulos da dívida pública em “Euro”, e até o ano 2002, conviverão o “Euro” e as moedas nacionais nos países que conseguiram ser aceitos dentro da União Monetária. Depois de 1º de julho de 2002, esses países deverão substituir totalmente suas moedas nacionais pelo “Euro”.
O Tratado da União Européia confere ao projeto integracionista um caráter muito mais ambicioso do que tinha no passado. O processo deverá ser lento e gradual, como todos os passos dados na Europa. Vislumbra-se, portanto, uma união monetária para a virada do século.

2. O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EUROPÉIA

A história européia, por mais de 300 anos, foi marcada por guerras e violências, com objetivos de dominação de um país ou de um povo sobre os outros.
No século XX, as duas guerras mundiais arrasaram a Europa, com milhões de mortos e muita destruição. A Europa que fora no passado o centro do mundo no plano cultural, político e econômico, com grande desenvolvimento, viu seu declínio no contexto mundial, com esses dois conflitos.
A preocupação com uma união européia, com o objetivo de se manter a paz entre os povos, surgiu após a I Guerra Mundial, com o manifesto pan-europeu, aprovado em Viena, em 1924, onde os Estados europeus se comprometiam a fazer todos os esforços para criar uma aliança duradoura entre eles, porém sem bases definidas.
Em 1929, o primeiro-ministro francês Aristides Brian propõe a criação de uma União Federal da Europa. Porém, nos anos de 1929 a 1932, com uma das maiores crises econômicas que o mundo conheceu. Os Estados, preocupados em resolver suas crises internas, abandonaram a idéia de união e solidariedade entre eles. Surgiu novamente o nacionalismo, com os Estados voltados para si, buscando uma nova solução para os seus problemas. A II Guerra Mundial estoura entre 1939 e 1945. De 1939 a 1941, é chamada Guerra Européia, e só se torna Guerra Mundial em 1941, com a entrada do Japão.
O fim da II Guerra trouxe um grande vazio de poder na Europa. Era preciso recomeçar, pois quem ganhou a guerra não estava menos destruído do que quem a perdeu; foram cinco anos de luta, destruição e barbárie, com sessenta milhões de mortos e a trágica bomba atômica. Foi porque não se havia feito uma união antes que houve a II Guerra Mundial.
O pavor de uma III Guerra foi determinante para a integração européia, e a pedra fundamental da união entre países europeus deu-se em 9 de maio de 1950, no salão do Relógio do Quai d’Orsay, em Paris, onde o então ministro das Relações Exteriores, o francês Robert Schuman torna pública uma declaração que continha um plano preparado por Jean Monnet, cujo objetivo consistia em pôr em comum o controle dos recursos da França e da Alemanha nos domínios do carvão e do aço, duas economias fortes de então, com o objetivo de lançar as bases de uma paz duradoura na Europa. Assim surge a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), através do Tratado de Paris, assinado em 18 de abril de 1951, entrando em vigor em 23 de julho de 1952, com a adesão da França, Alemanha, Itália, e os países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Ergue-se, então, o primeiro projeto de união entre países antes rivais, unindo suas economias setoriais no campo do carvão, do minério de ferro e do aço.
Entretanto, o desejo de alargar essa união setorial para toda a economia cresce entre os Seis e, em 23 de março de 1957, em Roma, são assinados dois tratados distintos:
• Tratado Institutivo da Comunidade Econômica Européia (CEE), também conhecido por Tratado de Roma, cujo objetivo era a criação de uma política econômica comum que permitisse uma expansão contínua, uma estabilidade crescente e um aumento acelerado do nível de vida;
• Tratado Institutivo da Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA ou EURATOM), que visa a promover a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, constatando-se, aqui, o temor da época de uma III Guerra Mundial.
O projeto integracionista econômico foi tão exitoso que outros países se interessaram em ingressar nesse seleto Clube, até então composto por seis membros. Foi assim que, em 1972, a CEE ganha novos adeptos: o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca. A Europa passa a funcionar a Nove. Se até aqui a CEE caminhava a passos largos com os Seis praticamente em igual nível de desenvolvimento, partindo do fim da II Guerra Mundial, com a Alemanha destacada entre eles, com a entrada desses três países sente-se um desnivelamento, pois, à exceção da Dinamarca, os outros países entravam com um nível econômico inferior. Acresce a esse problema a crise econômica mundial na década de 70 e 80, que trouxe um período de estagnação não só na Europa, como em todo o mundo. A Grécia pleiteia sua entrada e torna-se sócia da CEE em 1982. Portugal e Espanha ingressam em 1986. A Europa então caminha a Doze.
Em 1986, dá-se a primeira revisão do fundo do Tratado de Roma, através do Ato Único Europeu, que entrou em vigor em 1º de julho de 1987, relançando-se o objetivo inicial da CEE, qual seja: a constituição de um mercado comum, que implica na implantação de quatro liberdades: livre circulação de bens, pessoas, capitais e serviços, acelerando a chegada do mercado sem fronteiras, marcando-se a data limite de 1º de janeiro de 1993, para o pleno funcionamento do mercado interno.
Com a evolução desse processo de integração, e porque o Tratado de Roma viu-se esgotado com o funcionamento de seu maior objetivo – o mercado comum -, uma nova revisão foi levada a efeito, para se atingir outro degrau integracionista: a União Econômica e Monetária. Desde 1º de novembro de 1993, vigora na Europa um novo Tratado, que estabelece a União Européia, conhecido por Tratado da União Européia – TUE ou Tratado de Maastricht, por ter sido assinado nesta cidade holandesa. O avanço mais evidente é o da instauração progressiva de uma união monetária, com a consolidação de uma moeda única. A união social e política, com a instituição de uma cidadania da União e de uma política de defesa comum, também fazem parte de sua meta.
As reflexões acerca de uma união política, com a criação de uma defesa comum, tornaram-se imperiosas a partir da mudança da presente década, onde fatos políticos importantes, bem como conflitos em países da Europa, causaram uma turbulência no seio da União Européia. Porém, se por um lado a união monetária caminha a passos largos, o mesmo não se pode dizer com relação à união política, que, por ser uma das áreas mais sensíveis de afirmação do Estado-nação, encontra, ainda, um certa resistência para que esse projeto siga em frente.
A cidadania européia é outra inovação dessa fase em que se encontra a União Européia, e tem por objetivo instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus países, como reforço da defesa de seus interesses. O Tratado (arts. 8º – A e 8º – E) enuncia um certo número de direitos específicos do cidadão: votar e ser eleito no local onde vive nas eleições européias e municipais, circular por onde quiser, permanecer onde desejar e beneficiar-se de proteção diplomática e consular onde quer que se encontre. Portanto, o seu objetivo não é o de substituir as cidadanias nacionais, mas sim o de proporcionar um plus aos cidadãos comunitários, além de reforçar o seu sentimento de pertencer à União.
O sucesso desse processo se justifica com o interesse constante de países que buscam ingressar nesse projeto integracionista. Prova disso foi o recente ingresso (1º/10/95) de três novos sócios: Áustria, Suécia e Finlândia. Hoje, portanto, a União Européia é formada por quinze países.

3. A AMÉRICA E O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

“É uma idéia grandiosa pretender formar de todo o Novo Mundo uma só nação, com um só vínculo que ligue suas partes entre si e com um todo. Já que tem uma origem, uma língua, os mesmos costumes e uma religião, deveria, por conseguinte, ter um só governo que confederasse os diferentes Estados que venha a formar-se”. (Simón Bolívar)

Os anseios de integração econômica na América Latina antecedem à Comunidade Européia do Carvão e Aço (1951), concretizados nas marcantes ações de um idealista revolucionário que decisivamente contribuiu para o processo de independência de vários países latino-americanos no século passado, antevendo ser a integração o único caminho para o sucesso econômico e cultural da América Latina: Simón Bolívar (1783-1830), um general venezuelano, cujo sonho era resgatar a unidade Latino-Americana – Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre as Repúblicas da Colômbia, Centro-América, Peru e Estados Unidos Mexicanos – e pela organização da Grã-Colômbia, unindo Colômbia, Venezuela, Equador e Peru. Foi escolhido presidente da Grã-Colômbia, mas, com a destruição de seu ideal de união, renunciou ao poder.

“Desde o governo de Campos Sales, em 1900, e mais tarde, em 1935, na administração Getúlio Vargas, foram encaminhadas negociações no sentido de formar a integração dos três países economicamente mais expressivos da América do Sul. Essa tentativa ficou denominada como o Bloco ABC, pois se pretendia unir a Argentina, o Brasil e o Chile. Essa idéia foi, na época, desaconselhada e desestimulada pelo governo norte americano”. (KUNZLER, 1994. p. 136)

Na década de quarenta, outra tentativa foi despertada, quando as Nações Unidas, em 1948, criaram a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), através de seus técnicos, liderado pelo argentino Raul Prebisch, cuja idéia consistia na criação de um Mercado Comum Latino-Americano. Nos anos sessenta, aparecem o Tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), e o Acordo de Cartagena ou Pacto Andino (1969). Em 1980, por outra convenção também chamada Tratado de Montevidéu, a ALALC foi substituída pela Associação Latino Americana de Integração (ALADI).

3.1. ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE LIVRE COMÉRCIO – ALALC

Em 1960, pelo Tratado de Montevidéu, a ALALC foi criada com o escopo de implantar um mercado comum regional a partir da conformação de uma zona de livre comércio, no prazo de doze anos. Foi integrada inicialmente pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, México e Peru. Foi a gradual instalação de regimes autoritários na maioria dos Estados-partes que fizeram com que a sua unidade fosse se disseminando, a ponto de a Associação estagnar-se. Mas, antes de alcançar esse estágio irreversível, diversas foram as tentativas de manter a coesão dos já então onze países (as adesões da Colômbia, Equador, Venezuela e Bolívia ocorreram, respectivamente, em 1961 – os dois primeiros -, 1966 e 1967) tendo sido proposta em 1967, na reunião de Chefes de Estado e de Governo americanos, em Punta del Este, no Uruguai, a constituição do Mercado Comum Latino-Americano no prazo máximo de quinze anos, a partir de 1970, para acelerar tal integração. Porém, não obteve êxito tal projeto, uma vez que a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Equador e o Peru decidiram constituir um subgrupo regional andino, sem que se retirassem formalmente da ALALC, através do Acordo de Integração Subregional de Cartegena de 1969, ao qual aderiu, em 1973, a Venezuela, denunciando-o o Chile em 1976.
A década de 70 constituiu um período difícil não somente para os países da ALALC. A crise do petróleo, que atingiu a economia mundial, gerou uma profunda recessão nos países latino-americanos, acrescido a isso o ultranacionalismo dos regimes ditatoriais que proliferaram na América Latina. Foi assim que os Estados-partes, diante do insucesso dessa Associação, resolveram reestruturá-la, criando a ALADI – Associação Latino-Americana de Integração.
Pode-se dizer, contudo, que essa primeira tentativa integracionista foi um impulso, um aprendizado, e, sem dúvida, contribuiu para que se alcançasse a integração do Mercosul. O papel da ALAC, portanto, foi assaz relevante ao seu tempo, conforme destacou Rubens Antônio Barbosa:

“Quiçá a velha ALALC tenha padecido do pecado da grandeza, ou dito em outros termos, de uma insofismável vontade de repetir, num continente ainda marcado pela heterogeneidade econômica e social e pela atuação de forças centrífugas, o pioneiro caminho aberto, nos anos 50, pelo pequeno grupo de países europeus que, premido pelas circunstâncias e pela necessidade de entendimento face a ameaças comuns, mostrou pela primeira vez ao mundo um modelo aparentemente viável de integração econômica.

As bases, porém, do esforço integracionista, de um lado e outro do Atlântico, eram totalmente diversas, como a própria realidade se encarregou de demonstrar.

O problema fundamental na América Latino do pós-guerra não era o de reconstruir um mercado interno, nem o de simplesmente retomar os vínculos materiais de um comércio regional despedaçado por anos de crise e de guerra. A questão era a própria conformação do mercado interno e a criação ou a expansão, a partir de níveis muito reduzidos, de fluxos de intercâmbio com parceiros locais que nunca tinham freqüentado os registro de destino de seus vizinhos imediatos.

Sob esse angulo, pode-se mesmo dizer que a ‘velha’ ALAC fez bem e rapidamente: entre 1960 e 1980, o comércio intra-regional cresceu 20 vezes, contra apenas 10 vezes com o resto do mundo. Ao cabo de 10 anos, porém, o impulso ‘livre-cambista’ já dava sinais de fadiga: os acordos sobre desgravações tarifárias perderam progressivamente o fôlego, até praticamente desaparecer da mesa de negociações. Ao ser substituída pela ALADI, em 1980, a ALALC não era uma entidade superada ou próxima do esclerosamento. Ela foi, na verdade, vítima de um engano em que incidiram os países-membros.” (BARBOSA, 1991. pp. 87-88)

3.2. PACTO ANDINO

Em 26 de maio de 1969, a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Equador e o Peru decidiram criar um acordo econômico sub-regional e assinaram, em Bogotá, a instituição do Grupo Andino, ao qual, em 1973, aderiu a Venezuela, com a desistência do Chile em 1976, imprimindo no novo projeto um mecanismo mais dinâmico de integração.
Com uma população de 90,1 milhões de habitantes, o Grupo Andino representa 21,3% de toda a população da América Latina e o equivalente a 48% da população do Mercosul.
O Grupo Andino passou a vigorar em 24 de novembro de 1969, e se diferenciava da ALALC basicamente pela sua proposta de constituição de uma união aduaneira, com a adoção de uma tarifa externa comum. Além disso, previa também uma desgravação automática do comércio intra-andino, um regime de política industrial e de tratamento do capital estrangeiro e uma harmonização de políticas macroeconômicas. Foi, entretanto, no início da década de noventa que se registrou uma reativação do projeto, cujos maiores avanços haviam sido observados, até então, apenas no campo da cooperação política e da institucionalização do Grupo. A nova meta definida pelo Grupo Andino, a partir da Ata da Paz, assinada pelos Estados-partes em novembro de 1990, fixou um novo prazo para formação de uma zona de livre comércio: até 31 de dezembro de 1991, e estipulou para 1995 a adoção de uma tarifa externa comum. Os fatos responsáveis por novos obstáculos ao projeto de integração, hoje já sanados, tendo em vista a recente eleição, pela via democrática, de seu Presidente Alberto Fujimori. Por outro lado, o Equador e a Bolívia também vêm encontrando alguma dificuldade em concluir a sua adesão à tarifa comum.
Do ponto de vista político-institucional, essa foi a iniciativa integracionista mais criativa já ocorrida na América Latina, como ressalta Maria Luísa Duarte:

“As Comunidades Europeias não são o único exemplo de integração económica. O Pacto Andino, criado em 1969 pelo Acordo de Cartagena, apresenta uma estrutura institucional e um conjunto de objetivos que, ultrapassando a meta clássica da zona de comércio livre, permite, por isso, a comparação com a experiência comunitária. Contudo, a livre circulação de pessoas, mesmo na qualidade de agentes económicos, não integra os objectivos do Pacto Andino, pelo que se torna desnecessária uma análise comparativa das duas experiências.” (DUARTE, 1992. p. 69)

O Pacto Andino é formado pelos seguintes órgãos: a Comissão, a Junta, o Tribunal de Justiça e o Parlamento Andino.
A Comissão é formada por um representante diplomático de cada um dos governos dos países membros.
A Junta possui caráter técnico e os seus membros são designados e destituídos pela Comissão. É integrada por três membros, de nacionalidade de qualquer país latino-americano, competindo-lhe, primacialmente, zelar pela aplicação do Acordo e pelo cumprimento das decisões da Comissão, apresentar propostas destinadas a facilitar ou acelerar a execução do Acordo.
O Tribunal de Justiça exerce o poder jurisdicional de forma a assegurar a observância do direito na interpretação e na execução dos acordos internacionais e das normas adotadas pelos órgãos competentes das respectivas entidades. É composto por cinco membros escolhidos dentre personalidades da área jurídica indicadas em lista tríplice pelos países membros, e seus acórdãos produzem efeitos diretos e imediatos em relação aos Estados-membros e particulares, nos moldes do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia.
O Parlamento Andino foi constituído por um Tratado posterior ao Acordo de Cartagena, com o objetivo de permitir a participação dos povos no processo de integração por intermédio de representantes escolhidos pelos Poderes Legislativos dos Estados-membros, na forma dos seus regimentos internos. A atividade do Parlamento não é a de legislar, mas sim a de: coadjuvar a promoção e orientação do processo de integração sub-regional; promover a participação dos povos como atores do processo de integração; fomentar o desenvolvimento e a integração da Comunidade latino-americana.

3.3. ASSOCIAÇÃO LATINO AMERICANA DE INTEGRAÇÃO – ALADI

A ALADI foi criada em 12 de agosto de 1980 pelo Tratado de Montevidéu, pelo qual se propuseram as partes contratantes a dar prosseguimento ao processo de integração encaminhando a promover o desenvolvimento econômico-social, harmônico e equilibrado da América Latina, que continuou tendo como membros os onze países da ALAC, sua antecessora.
Os objetivos dessa Associação se assemelhavam aos da ALALC (criação de um mercado comum, desenvolvimento social e econômico dos países membros, promoção do comércio intra-regional), mas seus princípios foram mais flexíveis quanto aos prazos para o estabelecimento de redução tarifária. Os primeiros anos da ALADI, no início dos anos 80, foram marcados pela crise do endividamento externo da América Latina, iniciado com a moratória decretada pelo México em 1982, que trouxe um impacto negativo no processo integracionista.
O surgimento de blocos econômicos foi deixando a América Latina cada vez mais isolada, pois esta caminhava no sentido contrário da história, enquanto os países mais desenvolvidos procuravam a integração. A Comunidade Econômica Européia, desde o Ato Único Europeu, em 1986, veio impulsionar o funcionamento do mercado comum, com a implantação das quatro liberdades, marcando o início do mercado interno para 1º de janeiro de 1993.
Surge, ainda, na década de noventa, a implementação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA, pelo qual a América do Norte, depois de negociações do acordo de livre comércio entre os Estados Unidos da América e o Canadá, aperfeiçoava seus importantes esquemas comerciais, incluindo-se nesse bloco o México. Também na mesma época, alguns países asiáticos apresentavam um crescimento econômico de grandes proporções, formando o bloco dos Tigres Asiáticos, protagonizado pela Coréia do Sul, Formosa (Taiwan), Hong Kong e Singapura, juntando-se-lhes, posteriormente, a Malásia, a Tailândia e a Indonésia.
Assim, enquanto a ALADI, com a integração multilateral, persistia sem muito resultado prático, como ressaltado por Guido F. S. Soares:

“[…] a maior crítica que se pode fazer à ALADI é quanto ao seu caráter exclusivamente diplomático, as relações interestatais, onde inexiste espaço para indivíduos nem para empresas privadas da região, que, na verdade, são os interessados e ao mesmo tempo, os agentes da integração regional. Não só os importantes aspectos de livre movimento de pessoas, empresas, de capitais privados, estão ausentes das preocupações do Tratado instituidor da ALADI, como, o que é mais grave, inexiste qualquer foro onde possam aqueles interessados expressar suas vontades e fazer sentir suas reivindicações; isto posto, continua a ALADI repetindo o modelo de integração econômica regional, onde o único agente é o Estado, numa realidade do mundo, onde o intervencionismo estatal tem mostrado sua ineficácia, ganhava corpo, a convicção de que, somente com esforços parciais, por grupos de países, se avançaria concretamente com o processo negociador regional”. (SOARES, p. 28)

Inicia-se, portanto, uma nova fase para a América Latina, cessando uma linha de relacionamento formal e distante entre os países da região. Acrescente-se a isso uma mudança positiva, na década de 80, na esfera política, período em que finalmente os regimes militares autoritários deram lugar a governos civis, retomando-se o caminho da democracia. O próprio conceito de nacionalismo passou a aceitar, gradativamente, uma significação remodelada, ou seja, em lugar de favorecer as tendências autonomistas do Estado, a defesa dos interesses nacionais passou a privilegiar a criação de condições de competição, de educação, de capacitação tecnológica e científica e controle das práticas que distorcem ou anulam a competitividade.
A ALADI enfrenta hoje uma nova realidade face aos vários espaços sub-regionais e bilaterais entre os Países-membros dessa Associação. Encontra-se em fase de transição, com os contornos de sua atuação ainda não muito claros.

3.4. ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE – NAFTA

A idéia de formar uma zona de livre comércio entre os Estados Unidos da América do Norte, o Canadá e o México foi lançada, em 1990, pelos dirigentes dos três países em conseqüência de um acordo bilateral de comércio livre em vigor desde 1989 entre os Estados Unidos e o Canadá e da decisão mexicana – tomada em 1986 – de reduzir as tarifas sobre os produtos norte-americanos. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TCL) ou North American Free Trade Agreement (NAFTA), foi assinado em 8 de outubro de 1992 pelos presidentes daqueles países.
No preambulo do TCL, os países signatários confirmam seu compromisso em promover o emprego e o crescimento econômico mediante a expansão do comércio e das oportunidades de investimentos, bem assim o aumento da competitividade internacional das empresas através de um desenvolvimento sustentável. Portanto, tem por objetivo a criação de uma zona de livre comércio entre os países signatários, eliminando as barreiras comerciais sobre as trocas de bens e serviços, com a liberalização dos investimentos e assegurando os direitos de propriedade intelectual entre os três países durante o período de quinze anos.
Estabelece ainda que outros países podem ser admitidos como membros do Tratado, bem como o inverso: qualquer país pode retirar-se, com notificação prévia de seis meses.
Não tendo a ambição da Europa Comunitária, que, numa primeira etapa, criou um mercado comum, o NAFTA, não estabeleceu a livre circulação de trabalhadores, que estão proibidos de migrar em busca de melhores oportunidades de emprego, bem como não aponta para a unificação total das economias dos países envolvidos. O que esta integração pretende é tão-somente a formação de uma zona de livre comércio para a atuação das empresas num espaço protegido.
O NAFTA possui um mercado consumidor em torno de 363 milhões de pessoas, e produz riquezas equivalentes a 6,4 trilhões de dólares por ano. As diferenças entre os três países são grandes, principalmente com relação ao México, mas os Estados Unidos têm grande interesse em auxiliá-lo, para com isso barrar a imigração clandestina dos trabalhadores mexicanos, em que pese a crise econômica deflagrada no início de 1995 em face do enorme desequilíbrio financeiro e cambial.
A diferença entre o NAFTA e o Mercosul está centralizada nos objetivos a alcançar. O projeto Mercosul parece-se mais com o modelo da União Européia, que é integracionista, do que com o Nafta, que é livre-cambista.

“O Mercosul é um projeto econômico-comercial, mas também um projeto político. Não é que não esteja no horizonte algo mais próximo ao que a UE está buscando, mas esse projeto está no horizonte mais distante. Por isso, insistimos tanto em que o Mercosul não se poderia ser somente uma área de livre comércio. Tinha de ser também uma união aduaneira. Vemos nela a vértebra de um processo de integração irreversível”. (AMORIM, 1995)

3.5. ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO AMERICANA – ALCA

Em reunião do Grupo do Rio, realizada no Chile em outubro de 1993, o Governo brasileiro, representado pelo então Presidente da República Itamar Franco, apresentou formalmente, pela primeira vez, a proposta de criação da Área de Livre Comércio Sul Americana – ALCSA, que se baseia na liberalização acelerada do comércio entre os países Sul Americanos, defendendo programas recíprocos de desgravação tarifária linear, automática e progressiva, e a eliminação de barreiras não-tarifárias a partir de janeiro de 1995; lista provisória de exceções, com produtos que serão gradativa mas obrigatoriamente incorporados ao programa de desgravação; conclusão deste programa no prazo máximo de dez anos, com possibilidade de prazos e ritmos diferenciados por país; abrangência mínima de 80% do universo tarifário e do valor de comércio entre os países da área; e lista de exceções deste universo a ser avaliada no final do programa de desgravação para efeito de uma nova negociação que, levado em conta processos sub-regionais de integração, permitia a eventual incorporação desses produtos na ALCSA.
A entrada em vigor do Mercosul e a proposta brasileira para a criação da ALCSA significaram o impulso para se almejar uma meta mais ambiciosa: a da integração comercial do continente americano, com o fim das barreiras alfandegárias entre todos os trinta e quatro países das Américas. A criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi aprovada por 34 chefes de Estados durante a Cúpula das Américas, realizada em Miami, Estados Unidos, no período de 09 a 11 de dezembro de 1994, onde o Presidente Clinton fez questão de enfatizar o fato que de os trinta e quatro presidentes presentes ao encontro tinham sido eleitos democraticamente em seus países. Convencionou-se, então, que os governos de todos os países do continente negociarão, até 2005, um cronograma que permita criar um zona de livre comércio que irá das montanhas de gelo do Alasca até as pedras da Patagônia, com um prazo máximo para sua implementação estipulado para o ano 2015, englobando 700 milhões de pessoas que movimentam oito bilhões de dólares por ano.
A ALCA tem como objetivos promover a prosperidade através da integração econômica e do livre comércio, combater a corrupção, o narcotráfico e a erradicação da pobreza, com a melhoria da educação e dos serviços de saúde e a extinção do analfabetismo, fortalecer a democracia e proteger o meio ambiente, dentre outros. O comércio e os investimentos serão a mola propulsora da integração.

3.6. MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL

“A Comunidade Européia sempre foi um modelo e um desafio para a América Latina. Nos anos 60, acreditávamos que a integração se realizaria exclusivamente em função da vontade política. Não percebíamos naquele momento que por trás do Tratado de Roma havia outros elementos além das cláusulas do próprio Tratado. Anos de aprendizado no acompanhamento cuidadoso dos assuntos da Comunidade e de sua crescente importância como nosso parceiro comercial ensinaram-nos que a integração é o coroamento de um processo progressivo de colaboração entre países que têm em comum algo mais do que suas fronteiras.

Aprendemos que integração significa maiores fluxos de comércio, de investimentos e de cooperação; significa mais do que o mero acréscimo de mercados; que o processo de integração deve ir além da liberalização do comércio; que a integração teria grande impacto sobre certos setores das várias economias envolvidas; que alcançaria não apenas o nível de produção de bens e serviços, mas também o desenvolvimento de tecnologias, e que o processo deveria respeitar as soberanias nacionais, a despeito de todas as concessões voluntárias que eram exigidas enquanto, em muitos aspectos, as fronteiras desapareciam.

A Comunidade Econômica Européia, tomada como modelo, inspirou-nos a realizar projeto similar na América do Sul. Durante anos fortalecemos o comércio intra-regional até vislumbrarmos a possibilidade de promover esse comércio e elevar a patamares crescentes os interesses por eles gerados. Neste sentido, o MERCOSUL é um desdobramento do esforço europeu de integração.”

A queda das fronteiras econômicas na escala mundial serviu para espantar as nuvens que sempre pairaram sobre as relações diplomáticas entre os países do Cone Sul, pois, até dez anos atrás, Brasil e argentina, governados na época por militares, viviam de costas um para o outro. Foi assim que, no início de 1985, Tancredo Neves visitou Raúl Afonsín em Buenos Aires, e decidiram levar adiante uma aproximação política e comercial maior entre os dois países. A morte de Tancredo Neves, antes mesmo de assumir o Governo, não arrefeceu os planos de ambos, desenvolvidos durante as gestões de Raúl Afonsín e José Sarney, que em 30 de novembro do mesmo ano, com a inauguração da Ponte Presidente Tancredo Neves, dividindo Puerto Iguazu, na Argentina, de Foz do Iguaçu, no Brasil, firmaram a Declaração de Iguaçu. Nascia nesse momento o embrião do bloco regional no Cone Sul. Esses três presidentes, reputados os pais fundadores do Mercosul, proclamaram naquela Declaração sua firme vontade de acelerar o processo de integração bilateral, criando uma Comissão Mista de Alto Nível, presidida pelos Ministros das Relações Exteriores dos dois países.

No ano seguinte, mais um estágio foi alcançado, com a assinatura, em julho de 1986, da Ata para a integração Brasil-Argentina, a qual criou o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), e, dois anos mais tarde, em novembro de 1988, o processo de integração Brasil-Argentina adquire novos contornos, com a assinatura do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento – TICD, prevendo a conformação de um espaço econômico comum em dez anos, bem como a crescente eliminação dos obstáculos alfandegários e não alfandegários e a gradual liberalização do comércio bilateral. O auge desse processo foi atingido com a assinatura da Ata de Buenos Aires pelos presidentes então recém-eleitos da Argentina e do Brasil, Carlos Menem e Fernando Collor de Mello, em julho de 1990, em que se estipulou a criação de um mercado comum num prazo de quatro anos e meio, ou seja, até dezembro de 1994.
Às articulações argentina e brasileira para a criação de um bloco regional, logo aderiu o Uruguai, preocupado com o movimento que ameaçava deixá-lo num relativo isolamento econômico; procurou rapidamente interpor-se no contexto sub-regional, e, pouco depois, o Paraguai juntou-se igualmente ao exercício de criação do mercado comum do Cone Sul, haja vista a intensidade dos vínculos comerciais com seus vizinhos platinos.
Portanto, a origem do Mercosul é essencialmente bilateral; deu-se a partir do relacionamento positivo entre o Brasil e a argentina, que, até então, eram tradicionalmente adversárias, trazendo à lembrança, guardadas as devidas proporções, a rivalidade antes alimentada entre a França e a Alemanha. Inimigas na Segunda Grande Guerra, foram postas lado a lado no projeto da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, e, posteriormente, no da Comunidade Econômica Européia, conseguindo somar esforços e fazer com que a união prosperasse. Assim, esse acordo bilateral, estimulado e impulsionado pela redemocratização dos dois países, trouxe uma verdadeira inovação nas relações econômicas latino-americanas. Tanto é que, mesmo antes de se vislumbrar o surgimento de um mercado comum na América do Sul, já se esperava uma maior integração entre os países latino-americanos.
Assim sendo, o Tratado de Assunção foi firmado em 26 de março de 1991, entrando em vigor, internacionalmente, em 29 de novembro de 1991, com o depósito das ratificações necessárias, fazendo parte desta integração o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Em 25 de junho de 1996, um marco na história desse recém-criado bloco econômico, já desperta o interesse de outros países a somar este projeto integracionista: o Chile e a Bolívia somam-se a ele, não tendo, contudo, o mesmo status que os outros quatro sócios, apenas associando-se para atingir a primeiro estágio de integração, qual seja, uma zona de livre comércio, que deverá formar-se em oito anos.
O Chile é tido como um dos mais promissores países da América Latina sob a perspectiva de desenvolvimento econômico. O seu Produto Interno Bruto alcançou, entre 1985 e 1995, uma média anual de mais de 6%. Conseguiu, desse modo, projetar-se como um dos mercados emergente de maior dinamismo. A inflação, que em 1990 chegou a quase 28 ao ano, demonstrou um decréscimo, alcançando 8,0% em 1995, conseguindo o recorde de mais baixo índice anual nos últimos 34 anos.
A importância do ingresso do Chile no Mercosul pode-se constatar nos fatos de que o Brasil e a Argentina são, respectivamente, seus terceiro e quarto sócios comerciais, e de que hoje o Mercosul recebe 11,6% das exportações totais do parceiro andino.
O intercâmbio comercial entre o Chile e o Mercosul somou em 1995 quase US$ 6 bilhões, com um aumento superior a 30% em relação a 1994, e, a partir de outubro de 1996, deve crescer, já que inicia a zona de livre comércio com uma sensível redução tarifária entre eles.
Acrescente-se a todos esses fatores a forte orientação diplomática, geográfica e comercial do Chile para os mercados da Ásia-Pacífico. Os países do Mercosul vêem o Chile como a porta de entrada para o Pacífico, o que propiciará uma interconexão terrestre das mais desejáveis entre o Atlântico e o Pacífico.
O acordo de associação entre Chile e Mercosul, assinado em 25 de junho de 1996, na X Reunião dos Presidentes, na Argentina, entrará em vigor em 1º de outubro de 1996. É composto por cinqüenta e oito artigos, além de anexos que especificam a situação especial de um grande número de produtos. A grande parte deles (90%) terá redução tarifária de 40%, prevendo-se então sua isenção total num prazo de oito anos. Os 10% restantes fazem parte da lista de exceções. Nessa relação, constam produtos que terão prazo de três anos para entrar no processo de redução tarifária, devendo em dez anos zerar a tarifa; e, ainda, para produtos muito sensíveis, tais como o arroz, o azeite de oliva e o trigo, a queda de alíquotas se iniciará somente daqui a dez anos, e chegará à alíquota zero num prazo de quinze a dezoito anos.
A Bolívia também assinou na mesma Reunião de Presidentes, na Argentina, um pré-acordo com o Mercosul, nas mesmas bases chilenas, prevendo-se o seu efetivo ingresso no bloco para 1º de janeiro de 1997, onde mais de 90% do comércio atual entre a Bolívia e o resto do Mercosul terão uma redução tarifária de 30%. O processo deve prosseguir gradativamente, até se chegar à isenção total em 1º de janeiro de 2006.
A Bolívia é um país pobre e marcado até recentemente pelo golpismo militar, voltando à normalidade democrática somente em 1982. Desde então, os sucessivos governos tentaram estabilizar a economia, tendo o atual conseguido derrubar a hiperinflação. Portanto, a Bolívia fará parte do bloco mercosulista apenas no estágio de uma zona de livre comércio. O Mercosul, como vimos, está um passo à frente, constituindo uma união aduaneira, que, embora ainda imperfeita, pressupõe a criação de uma tarifa externa comum para produtos importados de terceiros países.
As etapas até aqui alcançadas (zona de livre comércio e união aduaneira imperfeita), com o fito de atingir o modelo de integração previsto no preâmbulo do Tratado de Assunção – um Mercado Comum -, bem como o interesse que o Mercosul vem despertando nos demais países da América Latina, com a entrada do Chile, da Bolívia e futuramente da Venezuela, que vem somar a esse projeto integracionista, demonstram uma mudança comportamental no contexto mundial hodierno, jamais vista em décadas anteriores na América Latina.

3.6.1. O TRATADO DE ASSUNÇÃO

Dentre os princípios definidos no TA, destacamos:
• o princípio da reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados-partes (art. 2º);
• o da não-discriminação entre eles (art. 8º, inciso d);
• as diferenças pontuais de ritmo no Programa de Liberação Comercial para Paraguai e Uruguai (art. 6º);
• o tratamento nacional para produtos provenientes de qualquer Estado-parte (art. 7º);
• a transparência na coordenação de políticas nacionais para assegurar condições eqüitativas de comércio com terceiros (art. 4º);
• o princípio pacta sunt servanda, pelo qual os Estados soberanos que venham a aderir a um acordo em direito internacional devem cumpri-lo e acatá-lo (art. 8º, incisos a e b).
O Protocolo de Ouro Preto, em seu preâmbulo, reafirma os princípios do Tratado de Assunção, dando ênfase à implantação de uma união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum, assim como a implantação, que traz em seu bojo, da estrutura orgânica definitiva do Mercosul.
Um dos princípios de maior relevância, assinado na cidade argentina de San Luis, quando da X Reunião dos Presidentes do Mercosul, em 25 de junho de 1996, diz respeito ao compromisso democrático assumido entre os países membros.
No Capítulo I do Tratado de Assunção, estão presentes seus propósitos, princípios e instrumentos, prevendo o artigo 1º os seus objetivos, que dizem respeito à livre circulação de bens, de serviços e de fatores produtivos entre os países, através, dentre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum com relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados; a coo

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