VIDA E MORTE DE M. J. GONZAGA DE SÁ – Lima Barreto
” … o Acaso, mais do que outro qualquer deus, é capaz de perturbar imprevistamente os mais sábios planos que tenhamos traçado e zombar de nossa ciência e de nossa vontade. E o Acaso não tem predileções …”
Esta é, em resumo, uma das teorias de Gonzaga de Sá, personagem principal deste romance que é considerado pela crítica o mais bem escrito por Lima Barreto.
O romance não tem um enredo preciso, sendo marcado pelo aspecto filosófico. O conflito não passa pela ascensão social ou profissional, mas pelo conflito interior: como situar um homem de espírito num meio social inconseqüênte?
Augusto Machado, o narrador, personagem íntima de Gonzaga, faz a biografia do amigo, cuja morte aparece nas primeiras do trabalho. Faz uma alternância entre lembranças e suas próprias reflexões.
Gonzaga era um bacharel em Letras que não se tornou doutor, pois queria fugir das solenidades do título. Trabalhou como funcionário público e assim teve mais tempo para estudar, assim mantendo-se atualizado. Muito pessimista, frio e calculista, manteve-se longe do casamento e próximo dos humildes, dos explorados.
Ao longo da vida, Gonzaga torna-se cada vez mais desacreditado na humanidade, nas transformações, até que começa a ver na morte sua única saída: ” A morte tem sido útil e será sempre. Não é só a sabedoria que é uma meditação sobre ela – toda civilização resultou da morte.”
Gonzaga, sempre muito crítico, atacava a sociedade sobretudo a aristocracia, representada pela gente de Petrópolis e de Botafogo; denunciando o preconceito racial, na idolatria do Doutor. Fazia, ainda, uma crítica ao Barão do Rio Branco pelo uso do dinheiro público em obras que não atendiam aos interesses e necessidades da população que pagava os impostos. Enfim, uma sátira à ineficiência do serviço público.
O sofrimento de Gonzaga diante do mundo vem da consciência que a educação recebida o fez adquirir: “Longe de me confortar, a educação que recebi só me exacerba, só fabrica desejos que me fazem desgraçado, dando-me ódios e talvez despeitos! Por que me deram? Para eu ficar na vida sem amor, sem parentes e, porventura, sem amigos? Ah! Se eu pudesse apagá-la do cérebro! Varreria uma por uma todas as noções, as teorias, as sentenças, as leis que me fizeram absorver; e ficaria sem a tentação danada da analogia, sem o veneno da análise.”
Augusto
Machado, ao contrário de Gonzaga que era uma figura associada à morte e à decadência, está preso à vida. Oposto ao amigo que sempre se isolou durante a vida de funcionário público e silenciou-se em sua sabedoria, Augusto Machado quer manter contato com as outras pessoas. Procura estabelecer comunicação com os outros mesmo através do livro que escreve e com isso tenta também vivificar o amigo, agora morto.
A historia é toda tecida através de um dialogo entre o personagem e um interlocutor, em passeios pelo Rio de Janeiro, satirizando a burocracia e o pedantismo.
O livro foi editado por Monteiro Lobato, em 1919, pouco antes da morte do autor, em meio a toda sorte de dificuldades. Lima Barreto não teve suas obras reconhecidas pela critica enquanto viveu. Sensibilidade a flor da pele, deixava transparecer nesse livro, como em outros, seu inconformismo com a indiferença dos contemporâneos e com sua condição social.
A Academia Brasileira de Letras, que havia impedido sua entrada em 1919, premiou Vida e Morte de M.J.G. de As com menção honrosa no ano seguinte.