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terça-feira, novembro 19, 2024

VITIMOLOGIA

Autoria: Graciella Muzeka

VITIMOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo o estudo da Vitimologia para sua conceituação e análise diante da problematização atual da criminalidade.

O estudo da vítima nas investigações criminológicas surgiu como resultado da progressiva ampliação e problematização do objeto da moderna criminologia.

Tradicionalmente as investigações criminológicas priorizavam o estudo sobre a pessoa do delinquente e sobre o delito. A evolução da criminologia, contudo, ensejou a ampliação do seu objeto de estudo, isto é, o deslocamento do âmbito de interesse da pessoa do delinquente e do delito para a vítima e o controle social.

Dessa forma a vítima, que em nada contribuía para a explicação cientifica do fato criminoso, passou a ter papel de grande importância no fenômeno delitivo. A vitimologia, por sua vez, propiciou o avanço do processo de redefinição do papel da vítima ao longo da história.

2. CONCEITO DE VITIMOLOGIA

A Vitimologia pode ser definida como o estudo científico das vítimas. A criminologia será sempre beneficiada com a orientação vitimológica. É o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer do da sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos. Não é apenas o estudo da vítima do crime, o que seria tão limitado e estranho quanto afirmar que a Criminologia se ocupa apenas dos homicidas, abandonando-se os outros delitos e delinquentes.

A Vitimologia é abordada como ciência analítica e crítica da vítima, sujeito que sofre a ação ou omissão do autor do delito e é sinônimo de ofendido, lesado ou sujeito passivo. Evidentemente que sempre existiu a vítima, porém, não era considerada foco central de atenção. Era encarada apenas como apêndice do binômio crime-criminoso. A posição crítica, social, e globalizante surgiu bem mais tarde, e a vítima passou a ser outro pólo ativo desse binômio.

O termo Vitimologia, que etimologicamente deriva do latim e do grego, foi utilizada pela primeira vez por Benjamin Mendelsohn em sua obra pioneira sobre o assunto. Alguns autores contestam à Vitimologia o status de ciência autônoma, sendo um estudo relativamente recente, porém, com publicações já datadas de 1906, 1911 e 1928 que tratam da vítima e são precursoras da nova ciência.

3. PRECURSORES DA VITIMOLOGIA

3.1.DURKHEIM

Para ele o “o delito é fenômeno normal e está inserido em toda a história da humanidade”.

3.2. ISRAEL DRAPKIN

Os sacrifícios eram para evitar as desgraças ou a ira dos deuses, tendo acontecido não só nos indígenas, mas também em países de altos níveis de civilização.

3.3. EXNER, KIMBERG, WOLFGANG

A vítima que definitivamente interessa à vitimologia é o ser humano, que sofre danos aos seus bens juridicamente protegidos como ávida, a saúde, a honra, a honestidade.

3.4. VON HENTING

A ação direta das vítimas é considerada como provocadora do delito e a vulnerabilidade causada por fatores fora do controlo da vítima (idade, sexo, posição social).

3.5. MENDELSOHN

Tipos de vítimas com base na sua culpabilidade: graduação da culpabilidade da vítima, desde a completamente inocente (sem comportamentos de precipitação) até à vítima mais culpada do que o ofensor.

Vitimologia do ato, essencialmente centrada em dois planos: num primeiro no delinqüente, num segundo debruça-se sobre a vítima, o criminoso terá uma pena atenuada consoante o comportamento da vítima ou tipo de vítima.

3.6. AMIR

Culpabilização associada à precipitação, violação precipitada, aquela que a vítima desejou violentamente o ato ou se comportou de forma a suscitar más interpretações por parte do agressor.

3.7. FATTAH

Conceito jurídico e moral de culpa, a existência de sujeitos mais vulneráveis ao crime (não por qualquer determinação psicológica ou moral, mas por questões estruturais). Posição social ou comportamental, maior exposição ao risco.

4. CRIMES NA VITIMOLOGIA

4.1. ESTUPRO

A adolescente não pode ser violada se ela não quiser, ou seja, se reagir em conformidade, o homem não consegue manter relações sexuais com ela. Se ela provocou o indivíduo e terminou numa agressão é considerada sedutora, porque ao provocar o indivíduo, ela arisca segundo os ditados populares “quem brinca com o fogo queima-se” ou “quem anda à chuva molha-se”. O violador vê a vítima como um mero objeto e a violação acontece no sentido da escala social, entenda-se que o fato da imprudência não significa ser sinônimo da culpa ou melhor que o fato de uma mulher se encontrar às tantas da madrugada na rua num determinado sítio ermo, não traz a ideia implícita de obrigatoriedade de violação.

Na generalidade, o violador é um indivíduo conhecido da vítima quer se trate de jovens adultas ou de menores. No íntimo, a vítima deseja ser violada. Denomina-se fantasiar a violação, contudo sem passar à prática. A resistência da vítima nada diz da sua vontade de se encontrar naquela situação uma vez que reagem de forma diferente a um ataque, cada caso é um caso.

EMENTA – Nº 17876 – ESTUPRO – Não caracterização – Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, para gozar da presunção de veracidade necessita ser verossímil, coerente e escudada no bom comportamento anterior – No caso o comportamento da vítima deixa muita a desejar – Absolvição decretada. (Relator: Celso Limongi – Apelação Criminal 100.223-3 – Candido Mota – 23.01.91)

EMENTA – Nº 71022 – ESTUPRO – Presunção de violência – Vítima de mau comportamento menos de 14 anos – Relações sexuais mantidas anteriormente com outros homens – Circunstâncias que elide presunção, de caráter relativo – Absolvição – Inteligência dos arts. 213 e 224, “a”, do CP ( Ement.) RT 557/322.

No tocante aos crimes sexuais, a participação ou consentimento da vítima, é algo muito mais sério do que imaginamos, pois mostramos anteriormente com algumas ementas que há casos de absolvição em processos que envolvam conjunção carnal, sedução, atentado violento ao pudor, estupro, etc.

4.2. HOMICÍDIO

O crime passional está inserido na psique do vitimante. a psique encontra-se enferma, irradiando ondas negativas. Encontrando a vítima, temos a reação como se fosse uma descarga elétrica, significando para o vitimizador a solução do conflito anterior.

O homicídio privilegiado, que é um caso de diminuição de pena no homicídio, está assim previsto no art. 121 §1o “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Configura-se o caso clássico de vítima mais culpada que o agente, não tendo este a alma assassina e cometeu o crime num momento de exaltação de ânimos. É o pai que vê o estuprador de sua filha fazendo chacotas com a família, ou daquele que, ao chegar em casa, vê sua mulher cometendo adultério e vem a assassina-la. Jiménez de Asúa destaca a influência vitimal nesse e outros delitos (como lesões corporais, homicídio consentido e o tiranicídio, onde o atormentador, o tirano, foi, durante longo tempo vitimário de seu povo até que, por fim, o atormentado o executa, de modo sumário e sem solenidades). É caso de homicídio privilegiado, também, o filho que mata o pai que constantemente chega em casa sob efeitos do álcool e investe contra a esposa.

4.3. ABORTO

Outro crime em que a participação da vítima é essencial para sua consumação é o aborto consensual. “Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante”. Acontece, p. ex., nas clínicas de aborto em que a mulher chega lá para ter sua gravidez interrompida. A vítima não é procurada por ninguém da clínica, pelo contrário, vai lá por livre e espontânea vontade. Claro que, se a mulher for menor de 14 anos, ou débil, seu consentimento vai ser viciado sendo, portanto, inexistente, na esfera jurídica. Não podemos chamá-la de vítima, mas sim de agente ativa do crime, pois o médico (ou quem quer que seja que pratique o aborto) é apenas um instrumento de que ela dispõe para pôr termo à gravidez.

4.4. AGRESSÕES FÍSICAS E LESÕES

A repercussão psicológica da agressão costuma ser inferida mais na prática diária e da experiência de investigações dotadas de uma metodologia rigorosa. O caráter simbólico do estressador, os elementos de vulnerabilidade pessoal e as conseqüências sociais e econômicas do fato tem uma importância decisiva. A idade e sexo são fatores que impulsionam o traumatismo. Como por exemplo, as mulheres e idosos vivenciam de maneira diferente o dramatismo da agressão.

4.5. SEQUESTRO RELÂMPAGO

Entre os vários tipos de violência no trânsito, uma espécie de crime tem assustado mais os paulistanos que andam de carro: o sequestro-relâmpago. Apesar de o tempo em que a vítima fica em poder dos bandidos ser de, em média, uma hora, os ladrões que praticam esse crime são muito perigosos, de acordo com a polícia.

“Em geral, são bandidos jovens, que estão começando no crime”, afirma o delegado Manoel Camassa, 56, da Divecar (Divisão de Investigação sobre Furtos e Roubos de Veículos e Cargas).

Segundo ele, quem pratica o sequestro-relâmpago não quer “sujar” o nome no mundo do crime e, por isso, faz de tudo para alcançar seu objetivo. Os ladrões, em geral, são três pessoas bem armadas e drogadas, têm preferência por carros que chamam a atenção e pelos motoristas que ostentam riqueza, seja usando jóias e relógios, seja falando ao celular.

Como afirma Maximiliano Rusconi, “o primeiro passo, possivelmente decisivo na troca de rumo, corresponde a certo âmbito de reflexão da criminologia, que deu nascimento à vitimologia, cujo batismo provém de Mendelssohn” (“Sistema Del Hecho Punible y Politica Criminal, AD-HOC, p. 97).

4.6. LAVAGEM DE DINHEIRO

Identifica-se como um negócio, constituindo-se em uma espécie de “crime do colarinho branco”, que vem trazendo preocupações a juristas do mundo inteiro, em razão dos danos que a modalidade delituosa causa à economia dos países, traduzindo-se numa delinqüência que supera as barreiras da proteção administrativa, exigindo que seja tratada em normas autônomas, especiais, que têm mais abrangência e flexibilidade, permitindo uma melhor atuação das autoridades encarregadas de sua repressão. Trata-se de fato pós-crime, que surge como forma de favoreci mento ou de receptação.

Nem sempre é fácil para o delinqüente a utilização do produto do crime. A imprevidência nos gastos com excentricidades que sempre acompanham o dinheiro obtido com facilidade e a aquisição imediata de bens acima de seu padrão pessoal de vida revelam sinais exteriores de riqueza, despertando suspeitas, sugerindo investigação pela polícia ou pelo imposto de renda. Por isso, os infratores experientes procuram organizar um projeto de inversão do produto do crime, contando com cooperadores dispostos a ocultar esses recursos e a encobrir as pistas que esse dinheiro deve seguir, com o objetivo de iludir a ação repressora.

Inúmeras operações têm sido detectadas envolvendo a compra e venda de imóveis. Assim, c.g., “um traficante de drogas usa produtos de seu crime para comprar uma propriedade imobiliária, pane em dinheiro e o restante obtido através de um empréstimo obtido sob a hipoteca do imóvel. Ele então vende a propriedade para uma corporação de fachada, que ele controla, por um valor nominal. A corporação aliena a propriedade para qualquer terceiro de boa-fé pelo preço de compra original. Dessa forma o traficante esconde seus produtos do crime em uma corporação e desta forma disfarça a origem dos fundos inicialmente utilizados”.

Outros esquemas têm utilizado advogados como consultores ou operadores da reciclagem: “um proeminente advogado operava uma rede de lavagem de dinheiro que utilizava 16 instituições financeiras, domésticas e internacionais, muitas delas situadas em ‘paraísos fiscais’. A maioria de seus clientes era constituída de cidadãos obedientes à lei, todavia alguns de seus clientes estavam envolvidos, em vários tipos de fraudes e evasão fiscal, e um deles havia cometido uma fraude de US$ 80 milhões envolvendo seguros. (…). Um dos métodos de lavagem utilizados era transferir fundos do cliente para uma de suas contas no Caribe. Esta conta corrente era apenas nominalmente do advogado e ele a usava para misturar recursos de vários clientes, antes de movimentar parcelas dos fundos acumulados nessa conta geral, por transferências via cabo, para outras contas em outros países do Caribe. Quando um cliente precisava de fundos, se podia transferi-los destas contas para unia conta corrente, em nome do advogado ou do cliente, nos Estados Unidos. O advogado asseverava aos seus clientes que eles poderiam esconder-se atrás do sigilo profissional do advogado se viessem: a ser investigados. Outro método de lavagem de ativos era através de cartões de crédito. Ele conseguia que fossem emitidos para seus clientes, sob sua responsabilidade, cartões de crédito, com nomes falsos, e a empresa emissora desconhecia a real identidade dos indivíduos constantes dos cartões.

5. RESPONSABILIDADE CIVIL E A VITIMOLOGIA

Há muito tempo a legislação brasileira tem se preocupado com a vítima, mas com exceção do Código Criminal do Império, isso tem sido feito de maneira muito insipiente.

Diante disso, há que se destacar a Lei 9.099/95, que deu maior ênfase à reparação do dano às vítimas. Segundo Luiz Flávio Gomes ocorreu a “redescoberta da vítima”.(1997, p. 423). O mesmo autor conclui que “… a lei 9.099/95, no âmbito da criminalidade pequena e média, introduziu no Brasil o chamado modelo consensual de Justiça Criminal. A prioridade agora não é o castigo do infrator, senão, sobretudo a indenização dos danos e prejuízo causados pelo delito em favor da vítima”.(GOMES, op. cit., p. 430)

Isso fica evidente quando analisamos os novos institutos trazidos pela referida lei. Falaremos, em primeiro lugar, da composição civil, prevista nos artigos 71 a 74 da Lei 9.099/95. Estabeleceu o legislador que o juiz deve, sempre que existir dano, buscar a composição civil, destacando que a composição civil implica renúncia ao direito de queixa ou representação. Fica clara a intenção do legislador de estimular a composição civil e por conseqüência a reparação do dano, pois o autor do fato, não aceitando a composição, fica sob o risco da ação penal, preferindo muitas vezes realizar o acordo civil a sofrer a sanção penal.

Outra forma de valorizar a vítima prevista na lei 9.099/95 foi ampliar o número de crimes que dependem de representação, pois o art. 88 estabelece que dependem de representação os crimes de lesão corporal dolosa leve e lesão corporal culposa. Segundo Scarance Fernandes, a conseqüência disso é que “cresce a dependência do Estado, em sua atividade persecutória, à vontade da vítima e, por conseqüência, aumenta a possibilidade de o autor do fato reparar o dano que foi causado pelo crime, visando evitar a acusação”.(2002, p. 212)

A lei 9.099/95 instituiu no Brasil a suspensão condicional do processo. Por este instituto, o processo fica suspenso pelo prazo de 02 a 04 anos e o autor do crime tem de cumprir algumas condições. Entre elas está a reparação do dano à vítima (art. 89, § 1º, I). Fica evidente, mais uma vez, a intenção do legislador de incentivar a reparação do dano e vincular alguns benefícios a sua ocorrência.

Embora os progressos trazidos pela lei 9.099/95, no tocante à reparação do dano, sejam elogiáveis, não podemos deixar de destacar alguns pontos relativos à vitimologia que devem ser corrigidos. O primeiro e mais importante deles é o do momento da representação nos crimes de ação penal pública, condicionada à representação. Segundo a lei, a representação deve ser feita em audiência preliminar, na presença do autor do fato. Isso faz com que a vítima, já perturbada com o delito, sinta-se ainda mais constrangida. A não representação é muitas vezes fruto deste constrangimento. Imagine-se alguém que tenha sido ameaçado de morte e que tenha de representar contra o autor da ameaça na frente do juiz. Se existia alguma inimizade, isto somente iria exacerbá-la.

Acreditamos que essa situação deve ser corrigida pela legislação ou mesmo pelo Juiz. Não obtida a composição civil, o juiz deve ouvir a vítima sem a presença do autor. Não há razão alguma para que o autor presencie o momento da representação, devendo ele ser trazido novamente à audiência quando da transação penal, ato que é personalíssimo e exige a sua presença.

Outra lei que se preocupou com a vítima foi a lei 9.503/98 que instituiu o Código de Trânsito. Nela, no art. 297, o legislador fez previsão da imposição de multa reparatória, “que consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime”.

Com base neste dispositivo, o juiz pode impor o pagamento de multa reparatória ao réu, desde que tenha ocorrido prejuízo material à(s) vítima(s), sendo certo que este valor será revertido à vítima e não poderá ser superior ao prejuízo demonstrado no processo.

A lei 9.605, de 12.2.98, criou no âmbito dos crimes contra o meio ambiente a pena da prestação pecuniária, que segundo a lei consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou privada, com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 salários mínimos.

Com redação semelhante, a lei 9.714, de 25.11.98, que modificou a redação de vários artigos que tratavam das penas restritivas de direitos, criou a pena da prestação pecuniária. Segundo o art. 45, § 1º do Código Penal, com a redação dada pela lei acima referida, a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima e seus dependentes de importância fixada pelo juiz.

Percebemos, então, que a legislação pátria, especialmente a partir da lei 9.099/95, preocupou-se muito com a vítima e com a reparação do dano, sendo este rumo a ser seguido pela vitimologia.

5.1. Perspectivas para a reparação do dano

Mesmo diante dos últimos avanços da vitimologia no campo da reparação do dano, muito ainda precisa ser feito. Embora a Lei 9.099/95 e as outras leis acima referidas tenham trazido importantes instrumentos para a busca da reparação, o certo é que em todas elas há a previsão de que a reparação do dano só será obrigatória quando o agente tiver meios de fazê-lo. No Brasil pobre em que vivemos, onde a situação dos réus reflete a situação do país, não há dúvida de que a maioria deles são pessoas pobres e incapazes de reparar o dano. Diante disso, todo e qualquer avanço no campo da reparação do dano esbarra na impossibilidade material dos réus. Já em 1973, Edgar de Moura Bittencourt escreveu o seguinte:

“Quando o infrator tem recursos, é simples a restauração do equilíbrio econômico, com a correlata ação de indenização, que a lei civil outorga ao ofendido contra seu ofensor. Mas quando este não tem com que indenizar ou pelo menos com o que indenizar cabalmente (talvez esta seja a maioria dos casos), restará a injustiça social, pelo desequilíbrio econômico”.(BITTENCOURT, op. cit., p. 34)

Solução interessante poderia ser a instituição de um fundo de reparação de danos às vítimas, constituído da receitas obtidas com as multas e com verbas estatais. O Estado, em última instância, tem por obrigação garantir os bens jurídicos e, em caso de lesão, deve promover a sua indenização.

Registramos que no 1º Congresso Internacional de Vitimologia, realizado em Jerusalém, foi recomendado que as nações criassem um instrumento oficial de compensação para as vítimas de crime, independente da reparação do dano por parte do próprio criminoso.(cf. FERNANDES & FERNANDES, 1995, p. 464)

Falando a respeito do tema, Scarance Fernandes relata o seguinte:

“Crescem os fundos de indenização. Preocupam-se os países em criar estímulos para que o delinqüente repare o dano, prevendo-se programas de reparação e de conciliação tendentes a evitar a imposição da pena, estimulando-se a reparação como pena para pequenos delito ou como sanção substitutiva, Acentua-se visível inclinação para admitir que entidades coletivas, associações, sindicatos, possam defender, em sede penal, interesses civis. A temática da responsabilidade por ato ilícito evolui de uma postura individualista, para um sentido coletivista, diante do contínuo progresso das teorias sobre socialização dos riscos na sociedade”.(1995, p. 161) (grifos no original)

Note-se a necessidade de que a multa penal, originariamente destinada a ressarcir o prejuízo da vítima, volte a ter esta destinação.

Desde os primeiros tempos, os pagamentos impostos ao agente ou os bens que lhe eram confiscados revertiam em parte para a vítima e em parte para o rei, os senhores feudais, a Igreja e o Estado. Na Idade Média, paulatinamente, as multas e os bens confiscados passam a ficar exclusivamente para a Igreja, os senhores feudais e os reis. Essa situação se consolidou com o fortalecimento do Estado e a multa passou a ser destinada à Administração Pública. Entre nós, a multa é destinada ao fundo penitenciário.

Ocorre que a obrigação de cuidar do sistema penitenciário deve ser atribuída ao Estado, não sendo razoável que as multas pagas pelos acusados e sentenciados sejam destinadas a esse fim. Muito melhor do que um Fundo Penitenciário, é a constituição de um Fundo de Reparação à vítima.

A nosso ver, este é o caminho da evolução e a perspectiva é de um sistema garantidor da reparação do dano. Somente com a constituição de um Fundo de Reparação à vítima, o Estado dará resposta eficaz à população que exige um sistema adequado, e que garanta o ressarcimento do dano causado pela criminalidade, pois em última instância é o Estado quem deve garantir a segurança da população.

5.2. PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA, REPARAÇÃO E COMPENSAÇÃO E TRATAMENTO DAS VÍTIMAS DE DELITO

A Vitimologia tem chamado atenção na necessidade de experimentar programas de assistência, reparação e compensação e tratamento das vítimas do delito, como exemplo, só nos Estados unidos, tem-se mais de quinhentos programas distintos de ajuda e compensação da vítima, sendo quatro deles:

1.Programas de Assistência Imediata: são aqueles que oferecem serviços ligados ao tipo material, físico e psicológico a vítimas de certos delitos que, geralmente, não são comunicados às autoridades. São feitos a destinatários específicos, e em geral, por instituições privadas, como o movimento particular em favor da vítima, na Espanha. Essa abriu um glorioso caminho para a proliferação de associações privadas e agências que ajudam muito nesse processo de assistência às vítimas de delito.

2.Programas de reparação ou restituição de responsabilidade do próprio infrator: são aqueles programas que tratam de viabilizar a reparação do dano ou dos prejuízos sofridos pela vítima mediante o pagamento de dinheiro de da realização de certa atividade do infrator em benefício da vítima. Este sistema tem uma grande vantagem por conscientizar o infrator do mal que causou à vítima e por desenvolver uma relação positiva entre infrator e vítima. Porém, esse sistema muitas vezes se mostra ineficaz, pois existem muitos problemas que inviabilizam o seu cumprimento, como: existem situações em que se torna impossível estabelecer uma relação de confiança entre infrator e vítima; e a própria situação financeira do delinqüente, que impede a restituição do infrator no pagamento de quantia para a vítima.

3.Programas de compensação da vítima: são aqueles que se baseiam na idéia de solidariedade social com a vítima inocente e na necessidade que tem o Estado de assumir custos que têm origem no seu fracasso de prevenir o delito. Visa evitar o mais absoluto desamparo da vítima no caso de insolvência do infrator ou de impossibilidade de garantir seu patrimônio para a compensação. Estes programas visam ressarcir os prejuízos do delito, e o quantum varia a partir do caso concreto. Mas, existem algumas bases para a fixação deste quantum, tais como: a incapacidade laboral em decorrência do delito, o tratamento e hospitalização da vítima, etc. Porém, tal ressarcimento vai depender de certos requisitos, como a inocência da vítima no delito, a sua cooperação com as investigações e com o sistema legal, sua solicitação expressa de ajudas, etc. Apesar de suas boas intenções, este programa recebeu inúmeras críticas: primeiro, ao achar que ele iria aumentar o número de vítimas potenciais, aumentar a criminalidade, e que iria aumentar o número de custos, penalizando o erário público. Nenhuma destas críticas que previam o futuro vingou. Ainda assim, as pessoas preferiram prevenir o delito a se beneficiar com ele. Porém, em, segundo, as críticas de que o sistema não funcionava por ser pouco divulgado e por existir apenas no campo teórico são verdadeiras, e são comprovadas ao perguntar a uma vítima se ela recorreria ao pedido de ajuda do Estado por uma segunda vez. A resposta é negativa.

4. Programas de assistência à vítima declarante: São aqueles programas que se dirigem àquelas vítimas que irão participar como testemunha no processo, como uma troca de favores. A finalidade fundamental do Advogado da vítima (aquele que o Estado coloca à sua disposição) é dar-lhe oportuno assessoramento jurídico e a assistência pessoal durante todo o processo, evitando estratégias da defesa, tratamentos desatenciosos e burocratizados daqueles que fazem parte do controle social formal, até mesmo, sensacionalismo de certos meios de comunicação que ajudam, e muito, no sofrimento da vítima

5.3. DELINQUÊNCIA CONTRA A PROPRIEDADE

A vivência de ser assaltado pode resultar dramática para o psiquismo da vitima. Pesquisas demonstram que: entre 10 e 30% dos trabalhadores de banco vitimas de um assalto a mão armada desenvolvem um transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Outras pesquisas demonstram que mesmo sem contato pessoal direto entre a vitima e vitimador, há o surgimento de problemas emocionais como o temor e a sensação de desproteção.

5.4. DELITOS DE TRÂNSITO

O evento traumático pela vitimização psicológica ocasionada por veículos motorizados é mais freqüente. A doutrina contatou três fases:

Aguda: breve duração vitima experimenta transtornos como agressividade, pânico, apatia, ansiedade e confusão.
Subaguda: sucede a aguda, pode prolongar por semanas, se desenvolve os transtornos mentais, com reações emocionais e comportamento social desaptativo.
Reação a longo prazo: última fase, transtornos mentais não orgânicos e orgânicos (em menor potencial).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Vitimologia hoje transcende o crime, hipertrofiando seu âmbito para tornar-se o objeto de ciência multidisciplinar. Estuda-se a personalidade da vítima, tanto da vítima de delinqüente como da vítima de outros fatores como conseqüência de suas inclinações subconscientes; os elementos psíquicos do complexo criminógeno existente no seu potencial receptivo; os meios de identificação dos indivíduos com tendência a se tornarem vítimas, bem como a investigação estatística e elaboração de tabelas de previsão para permitir incluir métodos psicoeducativos necessários para organizar a própria defesa e a busca de meios de tratamento curativo, a fim de prevenir a recidiva, devendo a vítima ser amparada e orientada com mecanismos institucionais eficazes de defesa e ressarcimento.

Diante dos estudos aqui apresentados, pode-se concluir que:

1.É incontestável a importância hoje da Vitimologia para o Direito Penal

2. Vitimologia é uma ciência autônoma e que pode trabalhar também como uma ciência auxiliar a Moderna Criminologia, a Sociologia Criminal e a Psicologia Criminal.

3. Está claro que ainda há muito a se explorar desta ciência tão fascinante.

4. Vimos que após analisado o comportamento da vítima no julgamento e aplicação da pena, esta análise vitimológica poderá até mudar o conteúdo da sentença prolatada, o que é comum nos crimes sexuais que envolvam o consentimento do ofendido(vítima), a facilitação, instigação e a sua provocação.

Diante desta incontestável realidade encontrada nos nossos tribunais da vítima coadjuvante na gênese do crime, vislumbramos que os operadores do Direito atentem para esse conflito estabelecido a partir da dupla penal vítima provocadora-acusado, e que a Vitimologia contribua para o cuidadoso trabalho de investigação dos fatos apurados pelo magistrado, para assim não incorrer em um erro judicial, que talvez possa ser incorrigível.

7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

CALHAU, Lélio Braga. Vítima e direito penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

DELMANTO, Celso. et alii. Código Penal Comentada. 5ª. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000.

FERNANDES, Antônio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.

MANZANERA, Luis Rodriguez & MENDES, Nelson Pizzotti. Problemas criminológicos da atualidade. In: Justicia, v. 173, p. 22/26, jan./mar., 1996.

MARQUES, Oswaldo Henrique Fuek. A perspectiva da Vitimologia, in Atualidades Jurídicas 3. Saraiva: São Paulo, 2001.

MENDELSOHN, Benjamín. Tipologias. Centro de Difusion de la Victimologia. Disponível na internet: www.geocities.com/fmuraro, pesquisa realizada em 16.10.2002.

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